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sexta-feira, 19 de abril de 2024

FMI exigiu criação da Lei de Responsabilidade Fiscal

A recente CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados foi um passo importante que permitiu acesso a diversos documentos e dados sobre o endividamento público brasileiro, tendo apontado diversos indícios de ilegalidades e ilegitimidades que se encontram a cargo de investigação pelo Ministério Público Federal.

Adicionalmente, a CPI possibilitou o avanço dos debates sobre o endividamento dos entes da Federação – estados e municípios – que tiveram parte de suas dívidas refinanciadas com a União a partir de 1997.

Especificamente no caso dos Estados, verificou-se grande movimentação, logo após a CPI, de investigações por parte de diversos estados e, nos últimos dias, até mesmo aliados da Presidência da República passaram a defender a redução do pagamento das dívidas dos estados para permitir a destinação de mais recursos para a Saúde1.

De fato, o conteúdo das análises técnicas que elaboramos durante a CPI, dos relatórios apresentados e especialmente de depoimentos como o de Éder de Moraes Dias, Secretário de Estado de Fazenda do Estado do Mato Grosso – que afirmou sua “satisfação, que é muito grande, em ter sido convidado por esta CPI para vir aqui prestar alguns esclarecimentos, no sentido de colaborar e corroborar tudo aquilo que vem sendo feito nessa luta incansável desse regime que eu taxo hoje de escravidão entre os Estados, os Municípios e a União” – apontam para a necessidade de aprofundamento das investigações sobre essa dívida que tanto tem pesado sobre os ombros dos entes federados e da sociedade brasileira.

Estudando a gênese do endividamento dos estados, demonstramos à CPI que antes da assunção da dívida pública mobiliária dos estados e do DF com base na Lei 9.496/97, a dívida dos estados e municípios alcançava, em novembro/97, segundo dados disponibilizados pelo Banco Central do Brasil2, o montante de R$ 62,511 bilhões. Importante ressaltar que o montante acumulado de JUROS nominais, desde julho de 1994, com base nas mesmas séries históricas, correspondeu a R$ 66,594 bilhões, o que mostra que tais dívidas cresceram principalmente devido às altas taxas de juros do mercado, estabelecidas pelo governo federal, o que demonstra o impacto dos juros sobre as políticas sociais dos estados.

Demonstramos também a origem da formulação dessa política, decorrente dos acordos firmados pelo governo federal com o FMI3 que restringiram o acesso dos Estados e Municípios a financiamentos junto a bancos nacionais; impediram os mesmos de emitir títulos da dívida mobiliária, e ainda impuseram amplo programa de privatizações das riquezas estatais (principalmente empresas e bancos), coordenado com rigoroso ajuste fiscal.

FMI exigiu Ajuste Fiscal dos Estados

Restou evidenciado que o Programa de Ajuste Fiscal aplicado aos estados por meio da Lei 9.496/97 (e legislação correlata) decorreu de compromissos firmados com o FMI, destacando-se a menção expressa ao assumimento da dívida dos estados na Carta de 1991, da qual constou, textualmente, que o governo federal vai assumir as dívidas dos estados em troca de um programa de ajuste de 2 anos que vai facilitar a reestruturação dos gastos dos estados.

Nessa mesma esteira, também por recomendação do FMI, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal4 que prioriza o pagamento dos compromissos com a dívida pública, e criminaliza o administrador público que deixar de cumprir tais pagamentos.

Analisando-se a situação atual dos estados da federação, constata-se que apesar de haver cumprido à risca os pagamentos exigidos na renegociação com a União e demais exigências acordadas pelo governo federal com o FMI e impostas aos estados, os mesmos perderam seu patrimônio, sacrificaram enormemente a população com os programas de ajuste fiscal e a dívida dos estados se multiplicou. Além disso, apesar da concentração da arrecadação tributária na União, face ao crescimento da dívida pública federal e à destinação de recursos para cumprir seu serviço, os repasses aos estados e municípios não acompanham o crescimento da arrecadação.

Uma das principais razões para a explosão da dívida dos estados foi o equívoco na eleição do IGP-DI como índice de atualização da dívida, e, no caso de Minas Gerais, ainda acrescido de 7,5% ao ano. Recalculando-se a trajetória da dívida do estado de Minas Gerais com base no IPCA+6% ao ano, tem-se o comportamento demonstrado no quadro a seguir, que denuncia o ônus representado unicamente pela utilização do índice equivocado e que poderia ser perfeitamente previsível, pois se encontrava represado face à política de manutenção do dólar baixo no período.

DÍVIDA DE MINAS GERAIS – R$ bilhões
(Simulação com o IPCA + Juros de 6% ao ano)

Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida, a partir de dados coletados pelo SINDIFISCO, e disponíveis em http://www.sindifiscomg.com.br/cartilhas/Cartilha/cartilha.pdf (pág 41)

Uma das principais razões para a explosão da dívida dos estados foi o equívoco na eleição do IGP-DI como índice de atualização da dívida, e, no caso de Minas Gerais, ainda acrescido de 7,5% ao ano. Recalculando-se a trajetória da dívida do estado de Minas Gerais com base no IPCA+6% ao ano, tem-se o comportamento demonstrado no quadro a seguir, que denuncia o ônus representado unicamente pela utilização do índice equivocado e que poderia ser perfeitamente previsível, pois se encontrava represado face à política de manutenção do dólar baixo no período.

Até mesmo o relatório final da CPI aprovado pela base do governo reconheceu o problema do impacto das excessivas taxas de juros aplicadas aos estados:

 “85. O custo para os Estados dos contratos firmados ao amparo da Lei 9.496/97, com a correção dos saldos devedores pelo IGP-DI mais uma taxa que variou de 6% a 7,5% ao ano, revelou-se excessivo por diversas razões. Primeiro, o índice escolhido mostrou-se volátil, absorvendo efeitos das variações cambiais do período, e apresentou picos, principalmente nos anos de 1999 e 2002, que afetaram fortemente o estoque da dívida e o saldo devedor, bem mais do que se, por exemplo, o IPCA tivesse sido escolhido para atualização. Esse fator fez com que, mesmo com o pagamento rigoroso dos juros e amortizações pelos devedores, o estoque da dívida tenha aumentado significativamente.

Transparência e verdade

Todo esse impacto no endividamento dos estados também não beneficiou a União, pois a Lei 9.496/97 permitiu a utilização das dívidas dos estados como lastro para a emissão de dívida mobiliária federal (art.11)5, cuja conseqüência foi o aumento da Dívida Interna Federal. Além disso, o art. 126 da mesma lei vinculou exclusivamente ao pagamento da dívida interna pública as receitas recebidas dos estados, ou seja, todo o esforço fiscal dos estados para entregar à União valor correspondente a 13% de suas receitas tem sido obrigatoriamente destinado ao pagamento do serviço da dívida pública federal.

Muitos outros aspectos precisam ser investigados, tais como a prática de anatocismo, que corresponde à aplicação de juros sobre juros, considerado ilegal pelo STF por meio da Súmula 121; a determinação contida no Decreto nº 2.372/97, que retirava dos estados a alternativa a outra modalidade de financiamento de suas dívidas junto a instituições financeiras federais, ao mesmo tempo em que permitiu e incentivou o endividamento dos entes federados junto ao Banco Mundial.

Por tudo isso apoiamos e aguardamos o firme prosseguimento das atividades da Frente Parlamentar recentemente criada na ALMG para que a sociedade civil, que paga a conta do endividamento público por meio da elevada carga tributária e ausência de serviços públicos de qualidade, tenha acesso às informações do processo de endividamento mineiro, em respeito ao princípio da transparência e à verdade.

Maria Lucia Fattorelli, Belo Horizonte

Notas:

1http://noticias.uol.com.br/politica/2011/09/22/cortar-divida-dos-estados-bancara-saude-diz-aliado-de-dilma.jhtm,
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/09/21/pela-saude-governo-estuda-alterar-indexador-das-dividas-dos-estados-925413796.asp
http://www.meionorte.com.br/efremribeiro/governadores-propoem-a-dilma-rousseff-troca-da-reducao-do-pagamento-da-divida-dos-estados-por-investimentos-em-saude-e-seguranca-1821

2Banco Central, Séries Temporais, Finanças Públicas, Estados e Municípios, disponível em:
https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/telaCvsSelecionarSeries.paint

3Da Carta de Intenções ao FMI de setembro/1990, item 20 constou:“20. …O acesso pelos Estados e Municípios a financiamento junto a bancos nacionais deverá sofrer restrições semelhantes àquelas impostas às empresas públicas federais e esses governos deverão saldar integralmente os juros devidos sobre suas obrigações para com o tesouro.”
Da Carta de Intenções ao FMI de dezembro/1991, itens 24 e 26, constou:“24. Um ambicioso programa de privatizações que deverá render aproximadamente US$ 18 bilhões foi iniciado em outubro de 1991, com a venda da USIMINAS – uma lucrativa siderúrgica que é a maior da América Latina…”
26. Para facilitar um maior fortalecimento das finanças públicas, em outubro o Executivo submeteu ao Congresso propostas de mudanças institucionais que procuram fazer modificações na distribuição de receitas tributárias entre os governos federal, estadual e municipal para 1992 e 1993, a proibição de novas emissões de títulos de dívida pelos estados e um programa de reestruturação de dívida no qual o governo federal vai assumir as dívidas dos estados em troca de um programa de ajuste de 2 anos que vai facilitar a reestruturação dos gastos dos estados;  .”
Da Carta de Intenções ao FMI de novembro/1998, item 13, constou:
O programa de ajuste fiscal acordado com os estados inclui metas específicas para cada estado no que concerne ao resultado primário o desempenho da receita as razões folha de pagamento e gastos de investimentos/receita bem como privatizações e outras reformas estruturais. Os acordos também dotam o governo federal de poderes para no caso de um estado deixar de pagar sua dívida reestruturada como programado reter a receita compartilhada com aquele estado e até embargar suas próprias receitas. Em conjunto com a negociação desses acordos o governo e o Senado atentos para o fato de que o acesso irrestrito pelos estados aos fundos de empréstimo levou à escalada da dívida estadual até meados dos anos 90 envidaram esforços no sentido de limitar vigorosamente o recurso dos estados à contração de dívidas. Especificamente o Senado proibiu as emissões de novos títulos estaduais bem como a tomada de empréstimos por estados com déficit primário; resoluções do Conselho Monetário Nacional reduziram substancialmente os limites dos empréstimos bancários aos estados e municípios bem como os limites dos empréstimos no exterior por essas entidades. Ademais a privatização ou liquidação da maioria dos bancos estaduais o cumprimento de estritos padrões de prudência quanto aos ainda existentes bem como o atual processo generalizado de privatizações eliminaram a maioria das alternativas de financiamento de déficits pelos estados.”

4Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº. 101, de 04/05/2000

5Lei 9.496/97 Art. 11. A União poderá securitizar as obrigações assumidas ou emitir títulos do Tesouro Nacional, com forma de colocação, prazo de resgate e juros estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Fazenda, ouvido o Ministério do Planejamento e Orçamento, com vistas à obtenção dos recursos necessários à execução do disposto nesta Lei.

6Lei 9.496/97 – Art. 12. A receita proveniente do pagamento dos refinanciamentos concedidos aos estados e ao Distrito Federal, nos termos desta Lei, será integralmente utilizada para abatimento de dívida pública de responsabilidade do Tesouro Nacional

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