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sábado, 20 de abril de 2024

Como a Ditadura matou Emmanuel Bezerra

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“Meus soldados não se rendem…

O grande dia chegará”

Na praia de Caiçara, município de São Bento do Norte (RN), dia 17 de junho de 1943, nasceu Emmanuel Bezerra dos Santos, filho do pescador Luís Elias dos Santos e Joana Elias Bezerra. Líder estudantil no Colégio Atheneu e na Fundação José Augusto, onde cursou Sociologia, foi também presidente da Casa dos Estudantes de Natal, onde moravam os estudantes pobres do interior que iam tentar a continuidade dos estudos. Teve presença marcante não apenas pela militância política. Atuou na vanguarda dos movimentos culturais natalenses como poeta, crítico literário e organizador de grupos e associações.

Emmanuel organizou a bancada potiguar ao histórico congresso da UNE de 1968, em Ibiúna (SP). Nesse congresso foi preso e teve seus direitos estudantis e políticos cassados com base no famigerado decreto nº 477, da ditadura militar, que proibia aos estudantes o exercício de atividades políticas nas escolas e universidades. A prisão de seis meses não enfraqueceu o jovem líder, que manteve elevados o ânimo e a certeza na mudança da sociedade ( V. no box, poesia de sua autoria, escrita no cárcere).

Tão elevados que, ao sair, ingressou no Partido Comunista Revolucionário – PCR. Dirigiu o comitê universitário, passou a atuar na clandestinidade em Pernambuco e Alagoas, e em pouco tempo integrou o Comitê Central, dada a sua “dedicação, honestidade, firmeza ideológica e aprofundamento dos conhecimentos teóricos”.

Unir os movimentos anti-imperialistas

No início de agosto de 1973 o PCR enviou-o para  Argentina e Chile, com a missão de contatar revolucionários brasileiros e organizações de esquerda latino-americanas, com o fim de construir um processo de unificação do movimento anti-imperialista no continente. Foi preso na fronteira, em meados de agosto, provavelmente pela Interpol e pela polícia brasileira (na época as polícias políticas sul-americanas agiam articuladamente, através da Operação Condor (V. A Verdade n.º 7 ). Nas mãos do DOI/Codi, órgãos da repressão política do Exército, padeceu violentas  torturas, até ser morto. Não deu uma informação, sequer. Coerente com o lema que defendia, “delação é traição”, morreu como herói do povo para manter vivo o Partido.

Farsa, cinismo e covardia

Como costumavam fazer, os órgãos da repressão montaram uma farsa. Divulgaram nota publicada pela imprensa burguesa, dizendo que ele morrera num tiroteio com a polícia no momento em que se encontraria com Manoel Lisboa de Moura em São Paulo. Tudo mentira. Emmanuel encontrar-se-ia com  Manoel Lisboa no Recife, no dia 15 de setembro, quando estaria chegando da Argentina. Porém Manoel fora preso no dia 16 de agosto, tendo sido também barbaramente torturado e assassinado nos porões da repressão. A mentira, como de praxe, era confirmada pelo falso laudo elaborado pelo já desmascarado médico-legista Harry Shibata. A transferência do cadáver de Manoel Lisboa para São Paulo fez parte da montagem da farsa .     Quando saiu a notícia plantada pela polícia política acerca do “tiroteio”, no dia 4 de setembro, os corpos de ambos já estavam sepultados na “vala comum” do cemitério de Perus, em São Paulo. Isto é certo, tanto que dona Iracilda Lisboa, mãe  de Manoel, foi a São Paulo no mesmo dia em que foi divulgada a notícia; lá, a polícia política mostrou-lhe duas covas em outro cemitério, dizendo já ter ocorrido o sepultamento. Só restou-lhe colocar duas coroas de flores, mesmo desconfiando não se tratar da sepultura do seu filho e do companheiro e amigo Emmanuel, fato que veio a ser comprovado posteriormente com a descoberta da vala comum em Perus.

O povo recuperou seu herói

Os restos mortais de Emmanuel foram encontrados numa vala comum clandestina no cemitério de Perus (SP), junto com os de outros militantes de oposição “desaparecidos” durante o regime militar.  Trasladado para o Rio Grande do Norte recebeu merecidas homenagens: vigília cívica no auditório da Casa dos Estudantes de Natal, e sepultamento em grande cerimônia cívica, na sua cidade natal, Caiçara, já emancipada do município de São Ben-to do Norte. Entre os inúmeros depoimentos apresentados na cerimônia, destacamos os seguintes trechos:

” É este um momento de reencontro do RGN com sua História. História de muitas gerações de revolucionários, desde a Comuna de Natal de 1935 até a saga dos trabalhadores rurais por terra para sobreviver.” (Dermi Azevedo, jornalista).

” Seus restos mortais nos trazem vida; seus ossos suplantaram mais de vinte anos de mentira. Eles pensaram que lhe tinham exterminado, no entanto a força de sua ideologia e de tantos outros que se foram  exterminou a ditadura, e mais uma vez fica como exemplo”. (Josivan Ribeiro do Monte, membro da comunidade de S. Bento do Norte)

A melhor homenagem

O editorial do jornal A Luta, órgão do Comitê Central do PCR editado s depois da morte  dos seus três principais dirigentes: Manoel Lisboa de Moura,  Manoel Aleixo e  Emmanuel Bezerra, comentou: “…A melhor homenagem que poderemos lhes prestar é continuar o trabalho pelo qual deram suas vidas: desenvolver, até a vitória, o trabalho revolucionário que conduzirá o Brasil a ser livre da exploração estrangeira, à democracia, ao socialismo e, finalmente, ao mais belo sonho dos homens, o comunismo”.

Da Redação

Às gerações futuras

Eu vos contemplo

Da face oculta das coisas.

Meus desejos são inconclusos,

Minhas noites sem remorsos.

Eu vos contemplo,

Pelas grades insensíveis.

Meu sonho,

É uma grande rosa.

Minha poesia,

Luta.

Eu vos contemplo

Da virtual extremidade.

Minha vida (pela vossa).

Meu amor,

Vos liberta.

Eu vos contemplo

Da própria contingência.

Mas minha força

É imbatível

Porque estais

À espera.

Eu vos contemplo

Pelo fogo da batalha.

Meus soldados

Não se rendem.

O grande dia

Chegará.

Eu vos contemplo

Gerações futuras,

Herdeiros da paz e do trabalho.

As grades esmaecem

Ante meu contemplar.

 

Emmanuel Bezerra dos Santos

Base Naval de Natal/1968

 

Em sua edição de número 18, o editorial do jornal A Luta , órgão do Comitê Central do PCR homenageou Manoel Lisboa de Moura, Emmanuel Bezerra e Manoel Aleixo, como Heróis da Causa Revolucionária. Leia a seguir o trecho relativo a Emmanuel.

Nascido em São Bento do Norte, Rio Grande do Norte, no dia 17 de junho de 1947, Emmanuel Bezerra dos Santos, filho de pais humildes, estudou em Natal, onde participou ativamente do movimento estudantil, principalmente em 1967-1968, quando foi eleito presidente da Casa do Estudante de Natal. Cursava sociologia quando foi cassado e preso, durante seis meses, por causa de sua participação à frente do movimento estudantil em Natal.

Em 1968, ligou-se ao Partido Comunista Revolucionário. Compreendera que a miséria de seu povo, as injustiças e a ditadura fascista brasileira que as garantiam, só podiam ser exterminadas com a existência de uma vanguarda revolucionária orientasse, organizasse, conscientizasse o povo para a revolução.

Integrado ao partido após sua prisão, resolveu entrar na clandestinidade, dedicar todas as suas energias à revolução. Rapidamente, por sua dedicação, honestidade, firmeza ideológica e aprofundamento dos conhecimentos teóricos, chegou a condição de dirigente do PCR.

Em 1970, passou a dirigir o trabalho do partido em Alagoas, demonstrando grande capacidade como organizador. No início de agosto de 1973, foi enviado ao Chile, como representante do PCR, para discutir com grupos revolucionários brasileiros. Possivelmente, foi preso na fronteira do Chile com a Argentina, pela polícia internacional, a pedido da polícia brasileira. Enviado ao Brasil em meados de agosto, foi torturado, da mesma forma que Manoel Lisboa de Moura, no mesmo, local, QG do IV exército, e assassinado pelo Departamento de Ordem Interna (DOI), órgão das forças armadas, semelhante ao Centro de Operações e Defesa Interna (Codi), sob a orientação do celerado Sérgio Paranhos Fleury.

Emmanuel Bezerra foi assassinado friamente, submetido às mais bestiais torturas, por sua atuação revolucionária e, principalmente, por não trair o seu partido e sua organização. Diante dos carrascos, comportou-se como um herói, morreu sob tortura, para manter vivo o partido.

(Publicado em A Verdade  nº 13)

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