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quinta-feira, 25 de abril de 2024

50 anos da ocupação da Faculdade de Direito, em João Pessoa

ccjAos 50 anos da ocupação, pelos estudantes, da Faculdade de Direito, em João Pessoa, ocorrida a 3 de março de 1964, a Comissão Estadual da Verdade e Preservação da Memória da Paraíba (CEV) pretendeu registrar a data promovendo uma audiência pública em que seria apanhando o depoimento de quatro dos remanescentes daquele episódio: José Tarcísio Fernandes, na época presidente do Diretório Acadêmico daquela unidade de ensino, hoje advogado; José Rodrigues Lopes, presidente da União Estadual de Estudantes, médico; Wills Leal, jornalista; e eu, Inocêncio Nóbrega Filho, secretário-geral da Upes, economista e jornalista. Esse reencontro teve lugar no último 19 de fevereiro, exatamente no local onde se deu a resistência cívica. Os trabalhos foram conduzidos pela professora Lúcia Guerra, uma das coordenadoras da Comissão.

Sonho de uma pátria livre, senhor de seus destinos, eis o pano de fundo dos protestos, que se iniciaram pela manhã, contra a anunciada vinda a João Pessoa, naquele dia, de Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, procedente de Salvador.

Jovens, em regra estudantes, ao todo 26, dispuseram de um alto-falante, por nós instalado, ditaram palavras de ordem contra a propalada e indesejável visita do “Corvo da Olaria”. (Assim Lacerda era conhecido, uma vez acusado da constante matança de mendigos nas ruas cariocas, sob argumento de um melhor visual turístico. Dividia com seu colega de São Paulo, Adhemar de Barros, a liderança civil do golpe, em gestação, cujo alvo era o constitucional governo de João Goulart.)

Na capital paraibana, a pretexto de defender sua candidatura à Presidência da República nas eleições de 1965, para a qual recentemente havia sido criado um comitê, nas dependências do Teatro Santa Roza, na realidade, junto a isso, Lacerda viria aglutinar seus correligionários, com vistas ao golpe de 1º de abril.

As pregações do grupo tiveram caráter dialético. Naturalmente deitamos críticas à guinada política, em curso, do governador da Paraíba, Pedro Gondim, cooptado pelas hostes locais do conservadorismo e eterna vigilância, o udenismo. Também fomos incisivos no tocante ao massacre de camponeses em Mari, por policiais. Nossa linguagem, sempre de perfil moderado, previamente recomendado, elegia o nacionalismo como ponto culminante. Eram tempos áureos de um governo, talvez o único na história republicana, civicamente preparado para comandar os interesses nacionais. Vínhamos da extraordinária Campanha da Legalidade, liderada pelo Rio Grande do Sul, cujas ondas da Rádio Tabajara retransmitiam os discursos do governador Leonel Brizola, por isso aprendendo lições de coragem e nacionalismo. Estudantes, jornalistas, trabalhadores, com a API de Adalberto Barreto à frente, manifestamos, nas principais artérias da cidade, nosso apoio à posse, incondicional, de Jango.

A reação

Lamentavelmente, pessoas estranhas ao nosso ninho, ferrenhas adversárias do lacerdismo, aproveitaram-se do momento para exaltadas referências a Juscelino Kubitschek presidencial, apesar de pedirmos prudência nas palavras. Havia uma crescente rivalidade entre os dois postulantes, estimulada pela mídia nacional. Após as despedidas do sol nos horizontes, frustrada a caravana que recepcionaria seu chefe no aeroporto, com a notícia de que ele decidira cancelar a visita, os adversários prepararam uma reação à altura de nossa ousadia. Recrutaram a capatazia, que, postada em posições estratégicas, encenava uma invasão ao prédio da Faculdade, através de sua porta principal, por nós devidamente calçada com barricadas. Os deputados Joacil de Brito Pereira, já falecido, Marcus Odilon Coutinho e mais um terceiro homem usaram de um ariete, apanhado em construção vizinha, para facilitar o arrombamento.

Interferência e prisões

Os apelos de desobstrução da praça dirigidos ao povo por parte do Palácio da Redenção, seguidos da presença de três viaturas do Exército, foram as primeiras medidas de salvaguarda de nossas vidas, cuja missão entregue ao Sílvio Porto e ao deputado Waldir dos Santos Lima. Aceita a ponderação, por se tratar de um bem federal, deixamos o recinto, sem quaisquer novas ameaças, ante a vista do coronel Eduardo d’Ávila de Melo, o mesmo que foi responsabilizado, mais tarde, pela tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog.

Presos, fomos levados ao QG da Polícia Militar, inquiridos e liberados, já pela madrugada.  Os acontecimentos do dia anterior foram motivo de debate na sessão da Assembleia Legislativa, com os parlamentares invasores justificando e se defendendo do ato que praticaram. O jornal oficial A União, na edição de 6 de março, publicou nossas fotos, tachando-nos de baderneiros. Com o advento do regime militar, fomos incursos em IPMs. Onze de nós, acadêmicos de diversos cursos, fomos atingidos por uma resolução da Reitoria que nos excluía do ano letivo de 1964: Aderbal Vilar Sobrinho, Antônio Sérgio Tavares, Carlos Augusto de Carvalho, Evandro F. dos Santos, Iremar Bronzeado, José Ferreira da Silva, José Humberto Espínola e Rubens Pinto Lira, além dos três universitários mais acima citados). Faziam parte também dessa plêiade o ora antropólogo Carlos Alberto Azevedo, Zita Moreno Marinho e outros.

Histórico de rebeldia

Nossos pais nos repassavam exemplos de rebeldia paraibana. O presidente João Pessoa negava apoio a Júlio Prestes, que buscava o Catete.  Para homenageá-lo, em decorrência de sua morte, revoltados os “paraibanenses” reivindicaram, em ato público, a transferência do nome da capital para a atual João Pessoa.  Longínquos exemplos vêm do século 19, precisamente a famosa vereação do Senado da Câmara da Capital, de 11.6.1822, oficiada ao príncipe dom Pedro através do patriarca José Bonifácio, de considerá-lo o único dirigente brasileiro. Repercutiu, imediatamente, nas cortes lusas, que resolveram afastá-la de sua comunidade, juntamente com as capitanias do Ceará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo, por semelhantes ações de rebeldia.

Inocêncio Nóbrega, João Pessoa

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