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quinta-feira, 28 de março de 2024

A Primeira Internacional: Proletários de todos os países, uni-vos!

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K. Marx e F. Engels
K. Marx e F. Engels


Na década de 1850, o capitalismo já era o sistema econômico dominante em escala mundial e já se globalizara, invadindo, massacrando, escravizando, exterminando os povos nativos. Embora alguns países, como o Brasil, houvessem declarado sua independência nacional, continuavam, de fato, como semicolônias, com suas economias dependentes e associadas ao grande capital internacional, que tinha como principal potência, nessa época, a Inglaterra.

Marx e Engels descrevem no Manifesto Comunista, publicado em 1848: “…A indústria moderna estabeleceu o mercado mundial, para o qual a descoberta da América havia aberto o caminho. […] A burguesia desenvolveu-se, aumentou seu capital e empurrou para trás todas as classes advindas da Idade Média”. Criou uma nova classe, seu contrário, sem a qual o sistema não subsiste e ao mesmo tempo será sua coveira. Isto é, ao concentrar a propriedade, a riqueza, “a burguesia forjou as armas que trazem a morte para si própria, como também criou os homens que irão empunhar estas armas: a classe trabalhadora moderna, o proletariado”.

“Sem ver o sol”, mas forjando sua organização

No seu estudo sobre a situação da classe operária inglesa no século 19, Engels informa que, além da superexploração do trabalho em vista do aumento dos seus lucros, das péssimas condições de trabalho e vida, os trabalhadores têm uma característica imposta pelo capitalismo: não veem o sol, pois saem de casa de madrugada e retornam altas horas da noite.

Mas essas condições chamam a necessidade de lutar contra elas e levarão aos movimentos operários, que vão da quebra das máquinas, à realização de grandes greves e às primeiras conquistas parciais, que, por si só, não resolvem a situação da classe, mas são importantes, não só pelas melhorias imediatas que proporcionam, mas como acúmulo para o confronto final que porá fim à escravidão assalariada.

Tendências do movimento operário

Não há consenso em torno de métodos e do objetivo final da luta de classes que se trava entre o proletariado e a burguesia. Naquele momento, conformam-se várias tendências, sendo as principais delas:

ANARQUISMO – Defende a passagem direta do capitalismo para a sociedade autogestionária, sem Estado, com a paz resultante da igualdade de todos, dispensando órgãos de coerção como polícia e forças armadas. Como estratégia para alcançar esse objetivo, dividem-se em duas tendências: o anarco-sindicalismo, liderado pelo russo Bakunin, que participa das lutas parciais apenas para propagar a Greve Geral que derrubará a burguesia do poder, e o cooperativismo (liderado por Proudhon, Owen, Fourier, Saint-Simon), que não acredita na luta e sim na construção da nova sociedade dentro do capitalismo, por meio das cooperativas e associações. Foram denominados por Marx de socialistas utópicos.

REFORMISMO – Predominante no sindicalismo inglês, a tendência reformista não acreditava na ruptura com o capitalismo e na viabilidade da proposta anarquista ou comunista, tendo como estratégia a conquista de posições para a classe operária dentro do sistema capitalista para proporcionar melhores condições de vida, tendo como instrumentos as greves e a participação no parlamento burguês. Para isso, criaram o Partido Cartista.

COMUNISMO – A contradição do capitalismo só será resolvida com a coletivização dos meios de produção, que permitirá a verdadeira justiça social e que cada um contribua para a sociedade de acordo com suas capacidades e recebe de acordo com suas necessidades. Eliminadas as classes sociais e os de sua ideologia no comportamento das pessoas, não será necessário o Estado e a sociedade será autogestionada.  A diferença do anarquismo é que os comunistas compreendem que é impossível a passagem direta do capitalismo para o comunismo. Será necessário um período de transição, uma primeira fase da sociedade comunista (chamada socialismo), em que a classe operária assumiria o poder do Estado (a ditadura do proletariado substitui a ditadura da burguesia), colocando-o como instrumento de construção do comunismo, com a mudança das relações, tanto na base (infraestrutura) como nas instituições (superestrutura).  Para isso, todos os meios devem ser utilizados: as greves e outras formas de luta por conquistas parciais (jornada de trabalho, salário, etc.), a participação nos parlamentos e outras instituições da sociedade burguesa e o próprio sistema cooperativo, desde que não como um fim em si, mas para acumular forças até ter condições de “tomar os céus de assalto”.

Independentemente da posição, a necessidade de união da classe operária para alcance dos fins propostos era comum a todos. Desse modo, comunistas, anarquistas e reformistas se uniram para criar a Associação Internacional de Trabalhadores (AIT), posteriormente conhecida como Primeira Internacional, fundada em Londres no dia 28 de setembro de 1864.  Respeitado por todos pela firmeza de posições, acúmulo teórico e capacidade de formulação, Karl Marx foi encarregado de redigir a Declaração, o Programa e os Estatutos da AIT, nos quais fez questão de sublinhar “que a emancipação das classes operárias tem de ser conquistada pelas próprias classes operárias”.

Lutas e conquistas

A união de correntes políticas tão divergentes foi possível porque não havia centralismo na AIT. O Comitê Geral encaminhava para as seções nacionais as resoluções, mensagens, orientações, etc., mas estas não tinham caráter obrigatório. Eram referências. As organizações aplicavam aquilo que estava em consonância com sua própria estratégia. E havia os pontos comuns como as greves pela redução da jornada e outros direitos.  Mas foi muito importante pela troca de experiências, debates e ânimo que proporcionava a existência de uma organização de caráter mundial, que chegou a ter 150 mil membros da Europa e dos Estados Unidos. Muitas conquistas foram sendo obtidas, em níveis diferentes de um país para outro.

Em 1870, ocorre a guerra entre França e Alemanha, na disputa de domínio da Europa. A AIT se posiciona por meio da Mensagem do Conselho Geral aos operários franceses e alemães, redigida por Marx, que era membro do Conselho. Na mensagem, a Primeira Internacional recomenda que os operários franceses não se lancem contra a Alemanha, mas derrubem Luís Bonaparte e o império instaurado pela burguesia francesa, e aos operários alemães que contribuam para a derrota de Bonaparte, mas não ataquem o povo francês. E conclama a todos pela instauração da nova sociedade.

A derrota do exército francês permite aos operários organizados em Paris a tomada do poder em 1871, na experiência que ficou conhecida como Comuna de Paris (leia A Verdade, nº 52).  O proletariado permaneceu no poder por 72 dias e tomou medidas características de uma sociedade comunista. Teve limitações, entretanto, por isso foi derrotado por uma aliança entre os exércitos francês e alemão. Ainda chorando a derrota, a burguesia francesa aceitou o apoio do inimigo alemão, provando que acima dos interesses do indivíduo e da nação, está o seu interesse de classe.

A principal limitação, analisa Marx, foi a ausência de um partido comunista revolucionário que tivesse programa, objetivos e estratégia claramente definidos e uma direção democrática, mas centralizada.

Os acontecimentos reforçam as posições marxistas na AIT; o congresso de Haia, de 1872, aprova a centralização com maiores poderes ao Conselho Geral, inclusive para expulsar seções que não seguissem as orientações dos congressos e as resoluções do Conselho, bem como a perspectiva de sua transformação em Partido Operário Revolucionário Internacional.

As decisões resultam na expulsão dos partidários de Bakunin, seguida da retirada de outros setores anarquistas e reformistas. Se, por um lado, essa saída significa uma depuração na AIT e a abertura do caminho para sua transformação em organização revolucionária, por outro lado, tem como consequência o enfraquecimento da AIT como organização de massas e sérios problemas financeiros, pois o anarquismo ainda predominava no movimento operário.

Fim da AIT

A cisão, aliada à repressão sanguinária desencadeada em toda a Europa, leva ao fim da experiência. Numa tentativa de distanciar-se do olho do furacão, a sede foi transferida para os Estados Unidos, mas não houve como seguir em frente. Finalmente, o Congresso da Filadélfia (EUA) se pronunciou pela dissolução.

Apesar de sua dissolução, após 12 anos de existência, a AIT teve papel importante no desenvolvimento da organização e da consciência de classe dos operários em todo o mundo e comprovou a necessidade da organização global, pois os interesses de classe do proletariado independem da sua nação, especialmente nos dias de hoje, quando a evolução dos meios de comunicação e a hegemonia do capital financeiro aprofundaram a globalização do capitalismo já constatada e brilhantemente analisada pelos teóricos da classe operária Karl Marx e Friedrich Engels. Vieram novas internacionais. Outras internacionais virão.

José Levino é historiador

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