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sexta-feira, 29 de março de 2024

Sverdlov, organizador do Partido Bolchevique

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SverdlovIakov Mikailovich Sverdlov nasceu em Níjni Novgorod (posteriormente rebatizada de Gorki), em 22 de maio de 1885, e faleceu em Oriol, em 16 de março de 1919, em consequência de uma gripe espanhola. Filho de Mikail Izraelevich Sverdlov, um artesão gravurista judeu, e de Elizabeth Stern. Com sua segunda companheira, Klavdia Timofeievna (também militante bolchevique), teve um filho, Andrei.

Ainda nos tempos de escola, Sverdlov assumiu um sentimento revolucionário influenciado pelo irmão mais velho, Zinovi e por Dróbich-Drobichevsky, redator de um jornal local e filho adotivo do famoso escritor Máximo Gorki, que se tornaria um amigo muito próximo a Lenin.

Após graves discussões familiares por seus pontos de vista e espírito de rebeldia, Iakov abandonou a religião e, em seguida, a escola, em 1900, passando a trabalhar como farmacêutico. Estudou vorazmente os escritos revolucionários e se integrou aos círculos clandestinos da cidade nas suas atividades de formação e de propaganda, utilizando as oficinas do pai para imprimir brochuras e documentos. Em 1901, ingressou no Partido Operário Social-Demacrata Russo (POSDR) e, em 1902, posicionou-se com os bolcheviques.

A partir de 1903, passou à militância profissional clandestina. O Partido então lhe enviou a Ekaterimburgo (que mais tarde seria renomeada de Sverdlovsk) para tarefas de organização dos bolcheviques nos Urais, região distante de Petrogrado e de Moscou. Em pouco tempo, organizou células revolucionárias e transformou politicamente a realidade local. Com seu jeito simples, compartilhou dos costumes, da fala e da cultura, integrando-se plenamente ao modo de vida dos Urais.

Destacou-se já na Revolução de 1905, quando fundou e dirigiu o Soviete de Deputados Operários de Ekaterimburgo. Neste período de efervescência revolucionária, dedicou-se a propagar e explicar as palavras de ordem do Partido nas fábricas, povoados, grupos de debate, reuniões clandestinas e casas dos operários. Converteu-se, assim, também num excelente orador, um qualificado tribuno popular.

Anos de exílio e de fugas

A Okrana (polícia czarista) passou a persegui-lo. Em 1906, foi preso e deportado para a Sibéria. Sua penosa existência naqueles anos consistiu numa contínua atividade de fugir e ser capturado. Cumpriu pena até 1909, quando, já em Moscou, organizando a estrutura do POSDR, é novamente preso. Conseguiu fugir, mas, outra vez detido, foi deportado para uma nova pena de quatro anos. Voltou a escapar e, nesta ocasião, quase perdeu a vida ao cair dentro de um bloco de gelo em sua fuga a pé. Conseguiu sobreviver, mas foi capturado em seguida.

Em todos os períodos de desterro ou de prisão, devorou obras marxistas e organizou grupos de estudos e cursos de propagandistas, memorizando as estruturas e os membros do Partido nas diferentes regiões, compondo em sua privilegiada memória um imenso mosaico de militantes e territórios.

Em janeiro de 1912, celebrou-se em Praga, futura capital da Tchecoslováquia independente, a histórica VI Conferência do POSDR, que, não reconhecida pela ala menchevique, converteu-se, na prática, no congresso de fundação do Partido Bolchevique autônomo. Nesta Conferência, Sverdlov, Stalin e Kalinin são eleitos, pela primeira vez, para o Comitê Central. Os dois primeiros não puderam comparecer: Sverdlov estava deportado na Sibéria e Stalin fora detido em Petrogrado às vésperas da atividade e levado novamente para Vologda, onde seria obrigado a viver por três anos, vigiado e sem poder deixar a cidade.

A Conferência tomou ainda outras decisões importantes: criar um centro prático dentro da Rússia para dirigir o trabalho partidário mesmo com as ausências dos camaradas exilados (como Lenin) e fundar o jornal Pravda (A Verdade) como órgão de imprensa do CC. Para o centro russo foram eleitos Stalin, Sverdlov, Spandarian, Ordzhonikidze, Goloshchekin e Kalinin. Para dirigir o Pravda foi designado Stalin. A fim de que este pudesse assumir as novas tarefas, aprovou-se também que Ordzhonikidze se deslocaria a Vologda para preparar sua fuga daquela localidade, missão cumprida com sucesso.

Em meados de 1912, Sverdlov fugiu mais uma vez e passou a integrar a redação do Pravda. Após um breve período de liberdade, ele e Stalin foram novamente deportados, mas agora com severas medidas de segurança. Naqueles anos de desterro, trabalharam, estudaram e desenvolveram a organização dos camaradas siberianos. Em de 1917, com a Revolução de Fevereiro, o Governo Provisório lançou uma anistia geral e os dois se reintegraram ao dia a dia do Comitê Central em Petrogrado. Sverdlov foi eleito Secretário do CC e Stalin retornou à direção do Pravda.

Revolução de Outubro

Sverdlov 04Em julho de 1917, a polícia deteve vários bolcheviques. Sverdlov, mesmo perseguido, colocou-se como um dos principais reorganizadores do Partido. Deu orientações para preservar seus membros de novas detenções, animou os militantes com seus comunicados, imprimiu uma atividade extraordinária para fazer com que o Partido não perdesse o vigor da luta contra a burguesia.

Desempenhou um papel chave na organização e execução dos planos para a Revolução de Outubro. Na condição de Secretário do CC, presidiu as históricas reuniões de 10 (23) e 16 (29) de outubro, nas quais se decidiu deflagrar a Revolução, vindo a compor o Comitê Militar Revolucionário, centro prático responsável por dirigir a insurreição em Petrogrado, composto, além dele, por Stalin, Dzerzhinski, Bubnov e Uritski.

Com a derrubada do Governo Provisório, no dia 25 outubro (07 de novembro) de 1917, o Partido Bolchevique constitui imediatamente um novo governo, tendo como base os sovietes de operários, camponeses e soldados e um ministério, chamado de Conselho de Comissários do Povo. Lenin assumiu, desde o primeiro momento, a presidência deste conselho, e Sverdlov assumiu a presidência do Comitê Executivo Central Pan-Russo de Sovietes com a demissão de Kamenev, cargo que exerceu até sua morte.

Por seu grande poder de articulação e de argumentação, Sverdlov apresentou e conseguiu aprovar no Segundo Congresso do Sovietes de Camponeses (em sua ampla maioria composto por deputados socialista-revolucionários) o reconhecimento do Poder Soviético e a ratificação dos decretos do Segundo Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia sobre a terra e a paz.

Com o ano de 1918, veio o acirramento da luta de classes: de um lado, a tarefa de consolidar o poder proletário, do outro, a contrarrevolução. Em 05 de janeiro, Sverdlov, na condição de presidente do Comitê Executivo dos Sovietes, abriu os trabalhos da Assembleia Constituinte, convocada e eleita anteriormente à Revolução de Outubro, não refletindo, portanto, a correlação de forças do momento. A desmoralização e dissolução da Assembleia foi decisiva para reafirmar no seio do povo a autoridade do governo soviético, e Sverdlov foi o principal porta-voz bolchevique nesta luta política.

Segundo o relato de Anatoli Lunatcharski: “Neste momento, sem pressa e sem acelerar o passo, a figura de Sverdlov emergiu como se houvera surgido através do solo. Com sua postura habitual, avançou até a tribuna, tocou a sineta e, com uma modulação sem o menor rastro de tensão, em voz alta, com uma calma glacial, declarou aberta a primeira sessão da Assembleia Constituinte. Menciono os detalhes desta cena porque psicologicamente estabeleceu o tom para todo o curso posterior da sessão. A partir deste momento, a esquerda se fez dona absoluta da situação. Sverdlov, com um tom glacial, foi falando para deixar clara a firmeza e a total decisão do governo revolucionário”.

Em julho, “o V Congresso dos Sovietes aprovou o projeto de Constituição da República Socialista Federativa dos Sovietes da Rússia, redigido por Sverdlov. A Declaração dos Direitos do Povo Explorado e Trabalhador [elaborada por Lenin] compõe o seu Título I. No Título II seguem-se os princípios gerais: ditadura do proletariado e dos agricultores mais pobres a fim de abolir a exploração do homem pelo homem e de instituir o socialismo, que não conhecerá nem classes sociais, nem Estado. Nela, o poder supremo pertence ao Congresso dos Sovietes e, entre um e outro congresso, ao Comitê Executivo Pan-Russo.” (O ano I da Revolução)

Pouco tempo depois do Congresso dos Sovietes, o inimigo de classe interno e externo atacou com todas as suas forças. Instalou-se a guerra civil contra os Guardas Brancos, e 14 exércitos estrangeiros invadiram o imenso território russo por todos os lados, aproveitando-se das frentes de batalha da Primeira Guerra Mundial, ainda em curso.

No dia 30 de agosto, Lenin sobreviveu a um atentado após um comício, ficando com duas balas alojadas no corpo. Sverdlov tomou provisoriamente suas funções políticas e teve um papel decisivo, junto com Stalin e Dzerzhinski, para combater os terroristas que atentavam contra a vida dos dirigentes bolcheviques.

Em meio ao combate às forças contrarrevolucionárias, o Comitê Central decidiu que um de seus principais desafios era a preparação de quadros comunistas para atender às necessidades políticas e administrativas do Estado e para ganhar o conjunto da população russa para a causa do socialismo. Com a mais ferrenha disciplina, Sverdlov ainda se desdobrou nas tarefas de formação, dando conferências, criando uma espécie de escola entre os instrutores e agitadores do Comitê Executivo Central, até que, com sua morte, esta escola se transformou na Universidade Comunista Sverdlov.

Dentre suas várias funções, fez incessantes viagens por todas as frentes e regiões da Rússia para mostrar à população as diferenças de classe do novo Estado. Realizou um trabalho incrível de organização, articulou os organismos do Partido, distribuiu tarefas, preparou esboços dos principais decretos do governo.

Sua participação era particular por seu ímpeto, eloquência e capacidade, pela utilização de palavras simples. Também se diferenciava pelo visual, que virou marca pessoal e moda entre os bolcheviques: jaquetão, quepe, calças, botas e luvas, tudo de couro preto.

Envolveu-se diretamente na organização dos congressos dos Partidos Comunistas da Letônia, Lituânia, Bielorrússia e Ucrânia, preparando as bases para o que viria ser a URSS.

“Consumiu-se no trabalho”

Sverdlov 05Fazia tempo que Iakov havia contraído uma gripe e não se cuidava devidamente pelo seu ritmo de trabalho. Submetido a tensões permanentes, comendo mal, dormindo apenas três ou quatro horas por noite, quase no limite de sua capacidade física, contraiu gripe espanhola numa viagem de Jarkov a Moscou, vindo a falecer em março, com apenas 34 anos. Nas palavras de Stalin, “consumiu-se no trabalho de edificação do Partido e do Estado”.

Seus restos mortais foram enterrados na muralha do Kremlin. Uma placa de mármore com seu nome está dentro do Mausoléu de Lenin, em Moscou. Na abertura do VIII Congresso do Partido, poucos dias após seu falecimento, Lenin pronunciou as seguintes palavras: “Quem trabalhava dia a dia com o camarada Sverdlov sabe muito bem que seu excepcional talento como organizador nos garantia algo de que tínhamos o pleno direito de nos orgulharmos: a possibilidade de um trabalho harmonioso, racional e organizado, à altura das massas proletárias organizadas, sem o qual não teríamos obtido êxito e que respondia inteiramente às necessidades da revolução proletária. A memória do camarada Iakov Mikailovich Sverdlov não será apenas um símbolo do revolucionário devotado a sua causa ou um modelo de combinação entre sensatez e competência práticas, total ligação com as massas e habilidade em dirigi-las, mas será também um aval de que as massas cada vez mais amplas do proletariado avançarão sem cessar rumo à vitória completa da revolução comunista”.

Em 1924, cinco anos após sua morte, Stalin escreveu: “Há homens, chefes do proletariado, dos quais pouco se fala na imprensa, talvez porque eles mesmos não gostem que se fale sobre a sua pessoa, mas que são, não obstante, seiva vital e verdadeiros dirigentes do movimento revolucionário.  Sverdlov era um desses chefes. Organizador até a medula, organizador por natureza, por hábito, por educação revolucionária, por instinto, organizador por toda a sua fervorosa atividade: tal é a figura de Sverdlov”.

No livro de memórias que escreveu sobre seu companheiro, Klavdia Timofeievna assim retrata o homem revolucionário que amou e lutou ao seu lado:

“Eu me lembro muito bem de uma conversa… O pai [Sverdlov] estava com Andrei [filho, então com sete anos] num triste dia de janeiro de 1919, quando chegou a notícia do brutal assassinato do Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Iakov e eu estávamos nos preparando para uma reunião pelo luto [dos camaradas alemães], quando Andrei se acercou e, com uma estranha timidez, tomou seu rosto à mão e perguntou:

– Pai, o Libknecht foi revolucionário, bolchevique?

– Sim, respondeu Iákov, um grande revolucionário de nosso tempo.

– Ele foi assassinado pela burguesia?

– Claro! Pela burguesia.

– Pai, você também é revolucionário. Isso quer dizer que a burguesia pode também matar você?

Sverdlov olhou fixamente para criança, acariciou seu cabelo e, com seriedade, mas com muita tranquilidade, falou:

– Com certeza, filhinho, eles podem me assassinar, mas você de modo algum tem que ter medo. Quando eu morrer, deixarei para você a melhor herança que uma pessoa poderia ter. Eu deixo em você um revolucionário.”

Rafael Freire, jornalista

Fontes: Marxists.org; Amistad Hispano-Soviética; Biografia Política de Stalin – PCE (ml); Dez dias que abalaram o mundo (John Reed); O ano I da Revolução (Victor Serge); Iakov Mikailovich Sverdlov (Klavdia Timofeievna Sverdlova).

Colaboração: Agustín Casanova, de Moscou.

Publicado na edição impressa nº 192 de A Verdade – março de 2017

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