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quinta-feira, 28 de março de 2024

Em defesa dos povos indígenas: demarcação já!

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Antes da invasão

Quando os portugueses pisaram as terras que depois seriam conhecidas como Brasil, os povos nativos viviam em regime de comunidade primitiva. Estima-se, por falta de registro, a existência de dois a seis milhões de pessoas. Não existia propriedade privada. A terra pertencia a todos; dela se extraía o sustento, por isso, era chamada de Mãe. Todos trabalhavam, com tarefas definidas por gênero, sem que isso significasse superioridade de uns sobre outros. Os produtos eram repartidos entre todos os membros da Comunidade, de acordo com a necessidade. Descreve o historiador francês Jean Léry: “prezam de tal forma essa virtude que morreriam de vergonha se vissem o vizinho sofrer a falta do que possuem”.

Apenas trabalhavam o necessário em cada dia, visto que não havia interesse em acumular, expectativa de enriquecer. O tempo livre era dedicado às danças, aos jogos, ao banho, às artes. Não se tratava de preguiça, como acusaram os invasores, e sim de um modo de vida completamente diferente. Trabalhavam apenas o necessário para viver. Todos eram iguais na Comunidade, moravam em habitações coletivas, as ocas, onde se formavam grupos de famílias, mas não se isolavam. As crianças eram tratadas com muito carinho, vistas como o futuro da Comunidade. Os idosos também eram respeitados e valorizados, por sua experiência, pelo que já haviam contribuído para o coletivo.  As lideranças não eram autoridades, mas pessoas que se destacavam pela experiência, pela dedicação, pela bravura

Depois da invasão europeia

Aqui aportando em 1500, os portugueses foram bem recebidos e até reverenciados como enviados dos deuses. Na primeira fase, que vai até 1530, travou-se uma relação amistosa, sendo que a amizade por parte dos invasores era interesseira. Utilizaram-se da mão de obra voluntária dos indígenas para extrair madeira, especialmente o pau-brasil e encher as embarcações que levaram as riquezas naturais para comercializar na Europa. Tudo muda a partir de 1530, quando Portugal decide colonizar o Brasil, implantando grandes engenhos para produzir açúcar, produto mais demandado na Europa. A colonização trouxe como consequência a decisão de utilizar os índios como escravos.

Trabalho escravo era algo incompatível com a cultura indígena. A regra foi a resistência, derrotada devido à imensa diferença das armas utilizadas: arcos e flechas, mais escudos de couro de capivara para atacar e se defender de balas de espingardas, trabucos, fuzis e canhões. Outra tática foi a utilização dos missionários jesuítas, que, à exceção da experiência dos Guaranis do Rio Grande do Sul, convenciam os índios a vir para suas reduções (comunidades), convertiam-nos ao catolicismo e eles eram utilizados como mão de obra barata, sendo que o pagamento beneficiava os padres e não os indígenas.

Privados dos seus costumes, morriam de doença ou de tristeza logo cedo. Por isso, os proprietários recorreram ao tráfico e escravização dos povos africanos. Entretanto, mesmo com a escravização dos negros, eles não foram deixados em paz. A perseguição aos povos indígenas deixou de ser uma questão de mão de obra e passou para a posse das terras para exploração de minérios, criação de gado e agricultura, como acontece até hoje. Foi um genocídio. Dos dois a seis milhões de indígenas, restavam no início da República Velha (1889), cerca de 150 mil.

República dos Guaranis

O grupo de missionários jesuítas que se dispôs a evangelizar os guaranis pensava em construir realmente comunidades combinando a cultura indígena com a prática dos primeiros cristãos. Mesmo correndo risco de ataques – e isso ocorreu em várias ocasiões, os padres, que hoje seriam considerados adeptos da Teologia da Libertação, nunca aceitaram ou solicitaram a proteção de soldados. Adentravam a mata e chamavam os índios para se juntarem a eles em comunidades onde estariam protegidos dos brancos invasores. Este era o apelo que mais atraía os índios, que vinham sendo dizimados sem dó nem piedade.

Chegando no local das comunidades, os jesuítas não organizavam cultos nem se isolavam para estudos e leituras. Lançavam-se ao trabalho pesado, dando o exemplo aos indígenas, e, em pouco tempo, o local estava adequado, as moradias levantadas. Consideravam pecado vários costumes guaranis, como a poligamia, mas não batiam de frente, condenando essas práticas. Acreditavam no convencimento, com o tempo, o que realmente aconteceu. Viviam com os índios como peixe dentro da água.

Os primeiros ataques às comunidades guaranis partiram dos famigerados “bandeirantes”, a tropa de choque dos fazendeiros paulistas que ocupou territórios e massacrou indígenas e quilombolas por todo o país (inclusive, o Quilombo dos Palmares). Os ataques começaram em 1618. Em 1630, estava destruída a maioria das reduções (comunidades).

Jesuítas e indígenas decidiram reconstruir as comunidades em regiões mais distantes, que não despertassem a cobiça dos colonizadores. Conseguiram das autoridades espanholas a revogação do decreto que proibia armas de fogo entre os índios e foram à luta.  Foi a primeira Longa Marcha de nossa História, somente superada em distância percorrida pela Coluna Prestes na década de 1920, mas não superada em adesão de massa. Até as comunidades que ainda não haviam sido destruídas deixaram tudo para trás em busca de um lugar mais seguro.

Após dez anos de migrações, em 1640, 50 mil índios, aproximadamente, estavam reunidos num território situado entre os rios Paraná e Uruguai, onde hoje está o Estado do Rio Grande do Sul. Embora com poucas armas, formaram o Exército Guarani, com quatro mil homens, que derrotou os mamelucos (paulistas) em várias ocasiões nas quais tentaram deter a marcha. Em 1651, os guaranis aniquilaram a última grande tentativa dos paulistas de dominar o seu território e o próprio Paraguai.

Em 130 anos, os guaranis haviam perdido um milhão de pessoas entre mortos e escravizados. Os membros das comunidades haviam diminuído pela metade, mas sobreviveria e viveria uma experiência comunitária, de construção coletiva, que jamais será esquecida. Isso foi possível durante um século de paz.

A organização da República Guarani

Eram 30 comunidades distribuídas da seguinte forma, considerando a conformação atual: 15 em território argentino, oito no atual Paraguai e sete no Brasil (Rio Grande do Sul): Santa Maria, São João, São Nicolau, São Lourenço, São Miguel, São Borja e Santo Ângelo. “Não há distinção entre classes e é a única sociedade sobre a Terra onde os homens desfrutam dessa igualdade”. (Raynard, História Filosófica de deux indes)

Era uma economia planejada com a estratégia de conseguir autonomia econômica, para não depender da Coroa Espanhola, pois somente assim seria possível manter a independência política. Para evitar intervenções, era pago o imposto à Coroa.

A Economia se organizava de modo a não permitir enriquecimento pessoal. Tudo era feito em vista do interesse comum, da prosperidade coletiva.  Isso, em vez de entravar o desenvolvimento, como argumentam os defensores da propriedade privada, permitiu um progresso rápido do povo guarani. Havia os serviços comunais de armazenagem e distribuição dos produtos, feita de forma equitativa, sem pagamento (não havia circulação de dinheiro). A distribuição era feita em razão da quantidade de membros da família. Não conheciam a figura do comerciante.

Garantiam sua manutenção e exportavam o excedente para a Argentina, Espanha e outros países da Europa. A renda das mercadorias exportadas era utilizada para pagar o tributo à Coroa e a sobra se destinava à manutenção e conservação das igrejas e das escolas, investimentos em ferramentas e na infraestrutura das comunidades.

Bombardeados com as acusações de comunismo, alguns padres chegaram a incentivar o trabalho individual, mas foi em vão. O padre Sepp, um dos defensores da propriedade privada, testemunha: “O trabalho comum era mais animado, mais alegre, melhor executado. No dia de trabalho nos lotes individuais, os bravos e honestos guaranis ficavam estendidos o dia inteiro nas suas redes”.

A condução se dava com base na cultura indígena e no princípio de vida das primeiras comunidades cristãs: “Tudo era colocado em comum e não havia necessitados entre eles”. Esse espírito de coletividade se disseminava em todos os aspectos da vida: nas artes, nas relações entre as famílias, na educação, na religião e na organização militar. Os guerreiros não formavam um corpo separado da população. Charlevoix, em História do Paraguai, relata: “Não se distingue o soldado do simples habitante; eles constituem exemplo de humildade e devoção”. Em vez de escravizar os prisioneiros, como faziam com os indígenas, o Exército Guarani tratava dos vencidos, libertava-os e até colocava guias à disposição para deixá-los num lugar onde pudessem tomar seu rumo.

Quando a República Guarani estava em seu esplendor, no dia 13 de janeiro de 1750, Espanha e Portugal assinam o Tratado de Madri para resolver uma velha pendência. Os portugueses reivindicavam há muito tempo a posse do rico território das Missões, em troca da Colônia de Sacramento, na Argentina, ocupada pelos espanhóis, que a queriam de volta. Portugal pediu em troca o território situado à margem esquerda do rio Uruguai, onde se situavam parte das reduções (comunidades) integrantes da República Guarani.  A Espanha concordou.

Com os jesuítas acuados diante da ordem de retirada emanada dos seus superiores, os indígenas tomaram em suas mãos a defesa do território, de sua república comunista cristã, chefiados pelo jovem corregedor da Redução de São Miguel, Sepé Tiaraju (sobre Sepé, leiam A Verdade, nº 5).  Os corregedores (governantes) indígenas das sete reduções ameaçadas assinaram uma Carta Aberta na qual proclamam que tudo que existe ali foi construído com seu esforço, nada pertencendo ao rei para que ele pudesse entregar a quem quer que fosse e conclamam a que se unam todas as 30 reduções em defesa de sua República.

Infelizmente, não foi o que aconteceu. Provavelmente, a união de todas as comunidades teria possibilitado a derrota dos exércitos coloniais. Entretanto, a maioria dos padres vacilou ante as pressões dos superiores. Não incentivaram e até desestimularam a adesão das demais repúblicas, argumentando que naquela conjuntura seria melhor abrir mão das sete para garantir a grande maioria, o que foi, no mínimo, uma demonstração de ingenuidade.

A maioria dos padres das sete comunidades desobedeceu aos superiores e permaneceu junto aos indígenas, organizando heroicamente a resistência. Essa desobediência foi a gota d’água para o Marquês de Pombal determinar a expulsão dos jesuítas de todos os domínios da Coroa Portuguesa, em 1759.

Apesar das batalhas heroicas, a junção dos exércitos português e espanhol contra sete comunidades, apenas, levou à derrota, mas não à morte daquela experiência. As belas igrejas, as escolas, as bibliotecas, tudo foi se transformando em ruína. Diante da desordem instaurada pelo capitalismo, muitos indígenas voltaram para as matas.

Cerca de 10 mil guaranis se reencontraram nas matas em território paraguaio e restabeleceram o regime comunitário, que foi destruído pelo governo de Carlos Antônio López. em 1848. Em 1891, final do século 19, exploradores encontraram nas margens do rio Paraná 300 famílias procedentes das antigas comunidades guaranis, que ainda mantinham o regime comunitário, vivendo exclusivamente da agricultura.

É que as plantações foram destruídas, mas sementes restaram e brotam de vez em quando aqui e ali, até encontrarem o terreno fértil no qual crescerão, darão frutos, se multiplicarão e serão milhões, resistindo às pragas e a todas as intempéries. Elas até brotam espontaneamente, mas, para florescer, impedindo a destruição da Humanidade pelo capitalismo desumano e construindo o Reino do Bem-Viver, precisam de mãos que se dediquem a cultivá-las e desenvolvê-las, mãos revolucionárias como as dos indígenas e dos padres das missões guaranis.

 “Proteção” aos índios na República

Apenas em 1910, cria-se o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), cuja missão era “civilizar” os indígenas, incorporando seus territórios e suas populações à sociedade brasileira. Essa política, cujo principal mentor foi o Marechal Rondon, implicou a subordinação dos índios ao mercado capitalista, com sua aniquilação cultural e física. Aqueles que não aceitassem tal incorporação, não recebiam proteção alguma, ficando à mercê dos novos invasores interessados em mineração, extração da borracha (seringais), projetos agropecuários.

Embora integrantes do grupo de Rondon, os irmãos Villas Boas (Orlando, Cláudio e Leonardo), desenvolveram uma visão diferenciada no sentido de realmente preservar os indígenas e sua cultura, mantendo relações com a economia de mercado, mas de forma gradual, sem permitir contatos indiscriminados e aculturação. Pela sua seriedade, conseguiram a criação do Parque Nacional do Xingu, primeira reserva indígena brasileira, de grande dimensão, no ano de 1961.

A política indigenista dos Villas Boas é revertida pela ditadura militar, que, em 1967, extingue o Serviço de Proteção ao Índio e cria a Fundação Nacional do Índio (Funai), mas adota a política inicial do SPI de integração rápida, cabendo aos índios transformar-se em mão de obra das empresas ou produtores de bens para o mercado. Neste sentido, quando decide implantar grandes projetos na Amazônia – colonização, construção da Transamazônica, projetos agropecuários nacionais e estrangeiros, as tribos resistentes são desalojadas, e os bravos, que resistem, são torturados e mortos.

Massacre da ditatura militar

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) estima em pelo menos 8.350 o número de indígenas mortos por ação ou omissão do Estado no período do regime militar, em geral, mortes relacionadas à implantação de obras de infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrelétricas), extração de minérios e madeira, esbulho de suas terras. Vários povos indígenas foram removidos à força para a construção da Transamazônica, que cortou terras de 29 etnias, da hidrelétrica de Tucuruí e da estrada de ferro Carajás. Também a hidrelétrica de Itaipu, inaugurada em 1984, foi responsável pela remoção de dezenas de guaranis das suas terras, provocando sofrimento e mortes.

O próprio Ministro da Justiça da ditadura Médici, Jarbas Passarinho, reconhece, dizendo: “... Não foi só nessa tribo, mas em várias outras. Os garimpeiros poluíram rios com mercúrio, afastaram a caça, provocaram fome e desnutrição dos índios, enquanto contra nós (o governo) avolumava-se a acusação de que praticávamos o genocídio. Não era exagerada a denúncia”.

O Estatuto do Índio, promulgado em 1973, apenas legalizou uma situação já existente. De avanço, apenas a determinação de que os índios receberiam uma renda pela exploração de minérios em suas terras. Esta renda, na verdade, serviu para manter a Funai, que ficava com 80% do que os exploradores pagavam.  O Estatuto prevê a possibilidade de remoção de índios por motivos de segurança nacional ou para realização de obras que interessem ao desenvolvimento nacional, inclusive mineração. O argumento de defesa da segurança nacional foi utilizado nas décadas seguintes para impedir a demarcação de terras próximas à fronteira.

Maurício Rangel Reis, Ministro do Interior do governo do General Ernesto Geisel (1974-1979), declarou com todas as letras: “Os índios não podem impedir a passagem do progresso. Dentro de 10 a 20 anos, não haverá mais índios no Brasil”.

 Avanço com a Constituição de 1988

Os bravos, entretanto, não se rendem.  No seu processo de resistência, contam com um aliado que surgiu em plena ditadura (1972) – o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Contrário à política de integração promovida pelo regime, o CIMI buscou articular aldeias, tribos e nações, estimulando a realização de encontros, assembleias e um trabalho educativo no sentido do resgate, preservação e continuidade da cultura original.

Com esse apoio, o Movimento Indígena decidiu participar da Constituição de 1988, encaminhando suas reivindicações, aprovadas em grande parte. Foram inseridas na Constituição Federal medidas que asseguram a demarcação das terras indígenas (TI), preservação de sua cultura, crenças e línguas.

Os índios não ficaram parados esperando que o Estado executasse o decidido. Ao contrário, a vitória intensificou a mobilização, fortaleceu a organização, o resgate da cultura, a identificação, a aparição de comunidades que viviam completamente isoladas (muitas ainda estão). Logo começou a retomada dos territórios em todo o país.

A resistência da burguesia à demarcação do território indígena também cresceu e não se dá apenas por meios legais. São inúmeros os conflitos que têm resultado no assassinato de índios, vítimas da violência de pistoleiros e jagunços contratados pelos que se consideram proprietários das terras e das próprias forças policiais que deveriam protegê-los. No capitalismo, assim como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, o braço armado do Estado também não existe para defender o povo, e sim as classes dominantes, isto é, aqueles que detêm o poder econômico.

No campo da legalidade, em 2003, o Movimento Indígena conseguiu mais uma vitória, quando o Governo do Brasil assinou a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura a proteção dos territórios indígenas. Daí em diante, entretanto, com a formação de um Congresso altamente conservador, a ofensiva do Agronegócio se dá também no campo Legislativo com a apresentação de Projetos de Emendas à Constituição que possibilitam a anulação das conquistas da Constituição, especialmente a PEC-215, que retira da Presidência da República e passa para o Congresso Nacional a última palavra sobre a homologação de terras indígenas; a PEC-237, que permite à União a concessão de terras indígenas aos produtores para cultivo, produção e extração de minérios. Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu um marco temporário para reconhecimento dos territórios indígenas e realização das demarcações: a data da promulgação da Constituição de 1988, decisão absurda, pois anula todas as retomadas ocorridas daquela data até hoje.  Por outro lado, não se tratam apenas de normas jurídicas. O fato é que os projetos agropecuários continuam avançando sobre os territórios indígenas, assim como projetos governamentais que atendem aos interesses da burguesia, como a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que afetou 12 territórios indígenas e foi inaugurada no governo de Dilma Rousseff (PT).

A burguesia brasileira quer a extinção pura e simples dos índios, como, aliás, aconteceu nos Estados Unidos da América do Norte, país que lhe serve de referência. O genocídio dos indígenas norte-americanos está descrito brilhantemente no livro Enterrem meu Coração na Curva do Rio, do historiador estadunidense Dee Brown.

A luta hoje      

 No Censo de 2000, eram 350 mil indígenas no país. Dez anos depois, o censo de 2010 registra a existência de 900 mil índios no Brasil; provavelmente, já passam de um milhão, apesar de tudo. São 305 povos, 174 línguas; 40% vivem nas cidades, mas o autorreconhecimento indica que a cultura não foi extinta; algo resta na consciência.

O 14º Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em Brasília, de 24 a 28 de abril, foi o maior da nossa história. Com cerca de quatro mil representantes dos povos indígenas do Brasil, denunciaram a política de destruição adotada pelo Estado brasileiro e reafirmaram sua disposição de lutar até o fim para defender seu território e seu Bem-Viver e chamaram a todo o povo para se unir a eles nessa luta, como segue no trecho do documento, que também foi entregue nos órgãos centrais do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário:  “Soma-se a essa grave onda de ataques aos nossos direitos o aumento exponencial do racismo institucional e a criminalização promovidos em todo o País contra nossas lideranças, organizações, comunidades e entidades parceiras. Diante desse drástico cenário, reafirmamos que não admitiremos as violências, retrocessos e ameaças perpetrados pelo Estado brasileiro e pelas oligarquias econômicas contra nossas vidas e nossos direitos, assim como conclamamos toda a sociedade brasileira e a comunidade internacional a se unir à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais e da mãe natureza, pelo bem-estar de todas as formas de vida…”.

Dos indígenas, temos a aprender a vida comunitária pela qual lutamos: sem propriedade privada (a terra não era propriedade de ninguém; estava ali, como mãe, para dela se tirar o sustento). Este sustento (o trabalho) era feito de forma coletiva e não havia exploração de uns por outros; os bens adquiridos da natureza eram repartidos. A natureza e os animais eram utilizados para a sobrevivência com cuidado e respeito.

Por isso, a luta dos indígenas é de todo o povo brasileiro. Até porque isoladamente nenhum dos setores e classes que compõem o povo conseguirá derrotar o poder da burguesia e transformar a sociedade brasileira.

É como dizem Chico César e Carlos Rennó, na música “Demarcação Já”, lançada no último Acampamento Terra Livre na voz de 25 artistas comprometidos com a causa:

“Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,

Xará.

Demarcação já!

José Levino é historiador

Obra consultada: República Comunista Cristã dos Guaranis – 1610/1768 – Editora Paz e Terra – 1977, padre Clóvis Lugon.

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