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quinta-feira, 18 de abril de 2024

Aurora 1964: filme resgata as marcas deixadas pela ditadura

Em entrevista ao jornal A Verdade, Diego di Niglo, fotógrafo italiano e produtor do filme Aurora 1964, conta a história por trás do documentário que será lançado no próximo dia 11 de setembro às 19h no Cinema São Luiz. Com entrada gratuita, o evento fecha as homenagens dos 38 anos da Anistia.

A Verdade – Esse é seu primeiro documentário. Fale sobre sua carreira e seus outros trabalhos.

Diego di Niglo – sou formado em ciência política e trabalho há mais de 15 anos com cooperação internacional não governamental. Minha trajetória pessoal me levou a viajar bastante entre África, Ásia e América Latina. Morei dois anos na Argentina e depois aqui no Brasil, sempre junto do Instituto de Cooperação Econômica Internacional, e paralelamente à atividade de cooperação sempre mantive a minha atividade de fotografia.

Entre os meus projetos, tem um blog “Instantâneas da África”, onde temos uma série fotográfica da África que virou uma exposição itinerante aqui em Recife e Olinda, e foi para o interior com apoio da FunCultura. Paralelo a isso trabalhei também com cultura de matiz africana, maracatu, afoxé e candomblé.

O que despertou seu interesse em falar sobre os golpes que aconteceram no Brasil?

Sempre fui muito tocado pelas ditaduras latino americanas porque elas foram muito recentes e mostraram um processo muito duro, muito violento, o que muda completamente sua visão sobre qual deveria ser a função do Estado. É um Estado repressor, um Estado que deveria ser um estado que garante o exercício da cidadania, dos direitos humanos em todas as suas vertentes… e isso dá muito medo.

Tive meu primeiro contato com essa realidade quando fui à Argentina, primeiro por estudos, leituras, etc., mas também depois com a aproximação com os movimentos, como as Mães da Praça de Maio, as avós que procuram os netos, filhos de militantes. Quando cheguei no brasil também comecei a me interessar pela questão daqui e em 2013 eu conheci o livro Marcas da Memória: História oral da anistia no Brasil, realizado pela UFPE com a colaboração da UFRGS e UFRJ, pelo Ministério da Justiça e Comissão da Anistia. Achei muito interessante.

E lá nasceu a ideia de começar com um projeto fotográfico, porque o meu caminho era pela fotografia. Eu comecei com o apoio da UFPE, depois também com a Comissão pela Memória e Verdade Dom Helder Câmara, que também foi um dos fatores que me estimulou muito, o processo de abertura dessas investigações pelas Comissões de Memória e Verdade, tanto nacional, como estaduais, o que mostrava como o processo relacionado à reparação aqui no Brasil ainda não está finalizado. Ou seja, traz toda a questão do processo da ditadura à atualidade, faz disso uma questão atual, não uma questão passada.

Eu entrevistei muitas pessoas e gravei muitos depoimentos, mas depois as imagens vieram para tentar desconstruir esse tipo de universo, e a minha pesquisa me levou ao Arquivo Público do Estado e o setor do DOPS. Lá comecei a mergulhar mesmo nos objetos, nos materiais, nos documentos, nas fotografias de ex-presos políticos. Conheci Cajá, o Centro Cultural Manoel Lisboa, o Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco (CMVJ-PE), Marcelo Santa Cruz, Anacleto Julião, Amparo Araújo, muita gente.

E durante o trabalho fotográfico comecei também um documentário, porque gravamos muitos depoimentos de pessoas, porque era uma forma minha também de me aproximar das pessoas, antes de fotografá-los. E de lá nasceu a ideia de fazermos um documentário e aos poucos fomos captando recursos e conseguimos chegar a esse documentário.

Qual a história por trás do filme Aurora 1964?

Conseguimos construir uma narrativa que fosse além do historiográfico, porque sobre a história ou trajetória, linha dos fatos dos atos ligados a ditadura, já foi feito. Então nós fomos mais atraídos pela história das pessoas, pela questão da contemporaneidade, o fato de que são feridas abertas e essas pessoas levam essas marcas, essas memórias e mantém uma vida, então também história de superação, pessoas que continuam, enfrentam, encaram a vida. E por outro lado, a questão da atividade dos vários órgãos, como CMVJ-PE, a Comissão Nacional, ver como esse processo ainda tá em andamento até hoje, acontece agora, não é um processo antigo. Isso foi o pontapé inicial, foi a linha que a gente trabalhou durante o processo.

Na maioria dos documentários de caráter político, histórico, as pessoas que são entrevistadas só participam enquanto portadora de uma história, mas pouco se fala sobre a realidade dessas pessoas no próprio presente, no cotidiano. Nós tentamos um caminho diferente. Como nosso objetivo era contextualizar também o presente, e não era só trazer uma história, nos encontramos na natural necessidade de trazer elementos de referência também ao golpe de 2015, do impeachment.

Qual a relação que você enxergar entre 1964 e 2016?

Do ponto de vista puramente jurídico não podia se falar de golpe, do ponto de vista da Constituição. Uma tomada de poder na marra, como se diz “golpe”, sempre foram caracterizados por movimento militares, principalmente os golpes da época dos anos 60, 70, etc. O que aconteceu em 2015/2016 é um golpe de fato, talvez, mais do que de direito, porque de fato a Constituição prevê um impeachment, que é um processo político, mas a gente sabe que de fato isso foi por objetivos.

No século 21 talvez se usem fórmulas diferentes, mas que tem uma base, uma constituição que pode ter semelhança com aquilo que foi em 64, tem. Pode-se comparar desse ponto de vista.

Qual papel a arte teve e ainda tem na resistência ao golpe?

No caso do filme não foi casual o convite que fizemos ao Sangria pra participar do filme. Eu digo que o Sangria não é só a trilha sonora, mas um personagem, porque não só a banda como o disco de 74 foi retirado, censurado, não podia tocar no rádio porque tinha uma música que tratava do homossexualismo e ia contra a moral da época. E o álbum do Sangria só voltou a tocar ao vivo 40 anos depois e claro a mensagem que eles trazem é uma mensagem libertária.

Não só no Brasil, nos períodos de crise a arte se fortalece como instrumento de transformação social e cultural. E pra mim isso é uma posição, eu uso da fotografia e do audiovisual com um compromisso de caráter social, político. Eu vejo muito o poder que a arte tem quando é relacionada à política, ao compromisso. Tanto que os projetos que eu venho realizando sempre tem esse tipo de objetivo, o envolvimento com a questão africana, a questão negra, as manifestações culturais de matiz africana lutam para contribuir para essa emancipação, a igualdade.

Sem pensar que a fotografia seja transformadora por ela mesma, sem ter esse tipo de ilusão, mas podemos criar momentos de reflexão, acho que isso pode ser interessante. O fato por exemplo de fazer uma projeção pra muitas pessoas e poder problematizar uma questão juntos, isso já é um primeiro passo pra contribuir depois com a mudança, porque um dos problemas que temos hoje é que tem um sistema que tira a consciência das pessoas e que leva elas para o consumo, são muito manipuladas.

Que mensagem você deixa aos nossos leitores?

Penso que é muito importante o trabalho que o jornal faz como meio de luta, de resistência, para alimentar a consciência das pessoas. Agradeço a oportunidade, pra mim é uma riqueza poder participar disso. Quem puder participar do lançamento do filme no dia 11 de setembro é importante para contribuir com esse momento.

Ludmila Outtes, Recife

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