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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Vereador quer internação e tortura à gestantes que “pensem” em abortar

TORTURA Fernando Holiday propõe que mulheres sejam internadas por pensarem em abortar.


SÃO PAULO – O Vereador Fernando Holiday (DEM) apresentou um projeto de lei protocolado no dia 28 de maio que visa acabar com a possibilidade de aborto legal e prevê, dentre outros retrocessos, a internação psiquiátrica da mulher em casos em que durante o atendimento médico for identificado “propensão” ao aborto ilegal.

Atualmente, a lei permite o aborto apenas nos casos de estupro, risco para a vida da mulher e anencefalia do feto (ausência do desenvolvimento do cérebro do embrião), contudo, mesmo com a legalidade jurídica, ao buscar auxílio médico em tais casos as mulheres ainda são vítimas de preconceito e forçadas a recorrer a métodos ilegais.

É um absurdo, portanto, que o PL 0352/2019 apresentado por Holiday proponha a exigência de alvará judicial para a interrupção de gestação mesmo nos casos previsto pela lei. Com essa medida o vereador busca criar ainda mais obstáculos às mulheres vítimas de gravidez indesejada, inviabilizando o abortamento legal perante a demora da Justiça para julgar o caso, que pode durar meses. A exigência de alvará abre margem, ainda, para a possibilidade do município de recorrer, solicitando a cassação ou suspensão da decisão judicial favorável à interrupção da gravidez.

Ao impor barreiras ao aborto legal, o projeto caminha no sentido de aprofundar a vulnerabilidade das mulheres que já vivem uma situação bastante alarmante, em que, segundo dados do Ministério da Saúde, uma mulher morre a cada 2 dias por aborto inseguro. Além disso, como indica Maria de Fátima Marinho, diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde:

“A estimativa do Ministério da Saúde é de cerca de 1 milhão de abortos induzidos, portanto, uma carga extremamente alta que independe da classe social. O que depende da classe social é a gravidade e a morte. Quem mais morre por aborto no Brasil são mulheres negras, jovens, solteiras e com até o Ensino Fundamental”.

E é justamente essas mulheres mais vulnerabilidades que o fascista Fernando Holiday propõe que sejam internadas à força em clínicas psiquiátricas, ao escrever no artigo 6º de seu projeto:

“Se, em qualquer caso de atendimento médico, for detectada uma gravidez em que as condições sociais e psicológicas da gestante indiquem propensão ao abortamento ilegal, o Município requererá medidas judiciais cabíveis para impedir tal ato, inclusive a internação psiquiátrica.”

A medida recorda os fatos narrados no livro o “Holocausto brasileiro” sobre o manicômio de Barbacena que, em meados de 1903, recebia pacientes submetidos a internação apesar de apenas 30% dos indivíduos terem diagnóstico de doença mental. O manicômio funcionava como centro de reclusão de pessoas tidas como indesejáveis, como homossexuais, militantes políticos e meninas que haviam perdido a virgindade antes do casamento. Com o projeto de Holiday, essa visão da psiquiatria como forma de punição e descarte de indivíduos marginalizados é reforçada, o que ocasionou diversas críticas entre os profissionais desse ramo.

Outro artigo bastante criticado afirma que “antes de realizar o abortamento, a detentora do alvará aguardará o prazo mínimo de 15 (quinze) dias, em que se submeterá, obrigatoriamente, a: I – atendimento psicológico com vistas a dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento”. Para a psicóloga Daniela Pedroso, em entrevista a UOL, o texto fere o código de ética da profissão pois “o psicólogo não pode dissuadir ninguém a tomar uma posição. O nosso papel é acolher a mulher, independente da nossa opinião.”

Além disso, o texto prevê, ainda, tortura psicológica ao obrigar a mulher a “ver e ouvir os resultados do exame de imagem e som” do feto e a “demonstração das técnicas de abortamento, com explicação sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto, bem como sobre a reação do feto a tais medidas”, fator que, segundo psicólogos, pode funcionar como desencadeador de traumas para as mulheres, sobretudo, vítimas de estupro que decidirem por realizar o aborto. Uma proposta semelhante já havia sido vetada em 2017, considerada como violadora da constituição. Como se não bastasse, o PL indica a obrigatoriedade de atendimento religioso coibindo ainda mais as mulheres a usufruírem da liberdade de escolha sobre seus corpos.

No âmbito escolar, o PL acrescenta à Lei nº 16.163 que dispõe sobre a Política de Proteção da Saúde Sexual e Reprodutiva a obrigatoriedade de “exibição aos alunos de áudio e vídeo que demonstrem a existência de batimentos cardíacos e outros sinais vitais no feto e no embrião, bem como a exposição às técnicas de abortamento, com ênfase na reação adversa do feto”, além de “orientação religiosa sobre a bioética do abortamento”.  Fernando Holiday, que defende também o projeto Escola Sem Partido, demonstra que na realidade quer uma escola com viés religioso e que ignore todo o debate científico sobre o feto não reagir ao aborto até a 24ª semana da gestação.

Portanto, em diversos níveis esse projeto se caracteriza por seu autoritarismo, infringindo pressupostos éticos da medicina, psicologia e psiquiatria, violando tratados internacionais da qual o Brasil é signatário e desconsiderando o respeito à vida das mulheres. É inadmissível a aceitação de uma lei que dê aval à tortura psicológica e à internação psiquiátrica compulsória baseada em meros pressupostos e convicções religiosas. Somente um fascista propõe medidas como essa, travestidas de preservação da vida, mas que na prática quer submeter as mulheres a todo tipo de violência, e cada vez intensificar mais o controle de seus corpos. 

Tudo isso torna nítido que por trás da discussão do aborto ainda persiste o machismo estrutural existente na nossa sociedade, que veta para as mulheres o direito à educação sexual, o acesso a métodos contraceptivos e o direito à escolha da maternidade. Nesse Estado capitalista que lucra sobre a exploração de nossos corpos, as mulheres ainda não são tidas como detentoras de direitos. Controladas pela religião e pelo Estado, violentadas e passíveis de tratamentos torturantes em um Estado misógino que caminha cada vez mais para a redução de direitos, as mulheres devem se organizar para barrar esse projeto de lei e construir grandes mobilizações em defesa do aborto legal, seguro e gratuito, a exemplo da marcha Ni Una a Menos que tomou as ruas de Buenos Aires em junho do ano passado em defesa da despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Jady Oliveira – Movimento de Mulheres Olga Benário

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