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terça-feira, 16 de abril de 2024

Entrevista: “Banco do Brasil vem esquecendo seu papel social”

RESISTÊNCIA. Trabalhadores do Banco do Brasil são contrários ao desmonte da empresa (Foto: Contraf)

TRABALHADOR UNIDO – Em meados de janeiro, o Banco do Brasil anunciou um plano de demissão voluntária e o fechamento de dezenas de agências em todo o país. Esse plano faz parte da política de Bolsonaro e seu ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, de privatizar o que resta do patrimônio público, entregando nossas estatais de bandeja ao capital financeiro.

Para entender melhor as consequências dessa política para o país, A Verdade entrevistou os bancários Célio e Roberto, funcionários do Banco do Brasil no Rio de Janeiro, que falaram como a categoria tem enfrentado essas ameaças do governo e quais ações devem ser encampadas pelos bancários para impedir a venda do Banco do Brasil.

Por Christian Vincenzi
Rio de Janeiro

A Verdade: Recentemente, o Banco do Brasil anunciou um programa de demissão voluntária e o fechamento de mais de 100 agências em todo o país. Se forem efetivadas, como estas medidas vão interferir na vida dos brasileiros?

Célio: Isso criará muita dificuldade para os clientes utilizarem as agências, especialmente o público mais idoso, criando uma insatisfação muito grande na população, que optará por migrar para outros bancos. Além disso, o cliente será obrigado a utilizar os meios eletrônicos. O grande problema é que boa parte da população ainda não está adaptada à era digital. Essa decisão do governo acaba afetando a imagem da instituição, porque o público fica com o sentimento de que o BB pertence cada vez menos à população.

Há vários anos, o Banco do Brasil está na mira da privatização. Qual o prejuízo disso para o país e para os funcionários do banco?

Célio: O Banco do Brasil é uma empresa muito lucrativa. Todo ano, repassa mais de 5 bilhões para o governo. Com a venda, não haverá mais esse repasse. Não podemos esquecer, também, que o banco tem um espírito público, pois atua em algumas áreas que os bancos privados não querem atuar, por não haver lucratividade nesses tipos de serviços. Outro prejuízo para o país é que o Banco do Brasil, junto com a Caixa Econômica Federal, trabalha com a menor taxa de crédito. São esses bancos que puxam a taxa de empréstimo para baixo. Com o Banco do Brasil privatizado, a tendência é que as taxas passem a aumentar porque o maior concorrente dos bancos privados deixará de existir. Por exemplo: quem vai emprestar dinheiro a juros baixos para rodar o agronegócio? Quanto aos funcionários, praticamente todos serão demitidos. E são mais de 90.000 funcionários. A remuneração de um bancário do Banco do Brasil é maior do que a de um bancário do banco privado. Se o Banco do Brasil for comprado por um banco privado, quase todos os funcionários serão demitidos, pois sua remuneração é maior. Não podemos esquecer que isso também afetará todo o mercado, pois serão mais de 90.000 trabalhadores que diminuíram o seu consumo por não ter mais emprego.

Que papel social o Banco do Brasil cumpre atualmente? O que impede que o banco esteja mais presente na vida da população na luta contra as desigualdades?

Célio: O Banco do Brasil cumpre um papel social no crescimento econômico do país, nas indústrias e na parte comercial e social do Brasil. Fazemos financiamento para o agronegócio, financiamos a educação através do FIES e mais outras ações que os bancos privados não fazem. Podemos até dizer que uma das coisas que impedem que o Banco do Brasil esteja menos presente na vida da população é que hoje há uma busca incessante por lucros para os acionistas, e isso passou a ser a principal meta do Banco do Brasil. Em 2012, na era do PT, a presidente Dilma Rousseff fez com que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica reduzissem a taxa de empréstimo e de financiamento para estimular o mercado automobilístico, eletrodomésticos e outras empresas. Isso ajudou a população a adquirir bens e as empresas a não quebrarem, consequentemente ajudando muitos trabalhadores a manterem esses empregos. Quando houve a pandemia, em que várias pessoas ficaram sem emprego ou tiveram seus salários reduzidos, o Banco do Brasil quase não baixou os juros, que continuam altos, principalmente os dos empréstimos não consignados.

Roberto: Eu acho que o Banco do Brasil sempre teve uma função de ser (comparando com a Caixa Econômica Federal) um banco mais “de mercado” porque ele sempre foi mais forte em relação a isso. Então o Banco do Brasil exerce uma função de intervenção do governo (se houver essa intenção) no mercado. Ele é o braço forte pro governo dizer assim: “Itaú, Bradesco, etc., olha, a gente vai fazer isso aqui. Se vocês não quiserem fazer, é um problema de vocês”. E aí o mercado geralmente tem que seguir porque o BB é muito grande, é muito forte. É o banco mais presente se considerarmos o território nacional inteiro. O Itaú, Bradesco, Santander e outros querem abrir uma agência ou estarem presentes fortemente onde a população concentra dinheiro. Então, no Rio de Janeiro, você encontra Itaú em tudo que é esquina e pode dizer: “pô, tem Itaú em tudo o que é lugar. Banco do Brasil não tem tanto”, embora tenha bastante, mas não tanto. Mas o Banco do Brasil vai estar naquela cidadezinha de interior que tem 20.000 habitantes. Eu já morei numa cidade de interior de quase 30.000 habitantes, e as pessoas diziam: “Esse mercado aqui, eu abri graças ao Banco do Brasil”. Então, o BB tem uma função de desenvolvimento da cidade mesmo. E tem a questão rural da agricultura familiar, do Pronaf e Pronamp, que é praticamente monopólio do Banco do Brasil. Desde o governo Temer para cá, o BB vem esquecendo completamente a sua parte social e a sua importância para o país. Ele vem trabalhando da mesma forma que os outros bancos. “Olha, se a gente diminuir mil funcionários aqui, a gente vai economizar tanto e o mercado vai entender que o Banco do Brasil está se modernizando, se enxugando, está sendo uma empresa mais moderna”. Assim, começou o processo de reestruturação e a gente já está na terceira ou quarta do governo Temer para cá. Éramos 120.000 funcionários, e hoje somos cerca de 90.000. É uma precarização em relação ao atendimento do Banco do Brasil para que isso possibilite a criação de uma onda que justifique a privatização do banco ou de qualquer outra coisa que seja parecida. A perda do Banco do Brasil vai fazer com que um próximo governo que queira intervir no mercado, através de um banco público, tenha muito mais dificuldades.

Protesto de bancários contra o fechamento de agências (Foto: Contraf)

Existe uma pressão dos bancos privados e do mercado financeiro pela privatização do Banco do Brasil?

Célio: Sim, todos querem comprá-lo e eliminar um grande concorrente dos bancos privados. A BB DTVM, que é uma empresa do Banco do Brasil que cuida da parte de investimentos e aplicações financeiras, possui uma carteira de mais de um trilhão em investimentos. A pouco tempo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou fazer com que o Banco do Brasil vendesse essa empresa, que é um dos pilares do lucro do Banco do Brasil.

Que outras medidas o governo Bolsonaro/Guedes tem tomado em relação ao Banco do Brasil nos últimos dois anos?

Célio: A venda de imóveis, obrigando o banco a pagar aluguel. Inclusive, o prédio onde ficam localizados os principais escritórios de negócios do Rio de Janeiro foi vendido e os funcionários irão para outro prédio que será alugado pelo Banco Pactual, que era do ministro da Economia, o senhor Paulo Guedes. O Banco Pactual é a mesma empresa que comprou uma carteira de empréstimos de clientes inadimplentes, que era avaliada em mais de 3 bilhões de reais, por pouco mais de 300 milhões de reais, e que também tinha como sócio o atual ministro da Economia.

Diante disso, como tem sido a atuação do movimento sindical bancário? Quais são as reivindicações dos trabalhadores para impedir o desmonte do Banco do Brasil?

Roberto: Eu acho que o movimento sindical depende da participação da categoria. O sindicato tenta atuar da maneira que dá para atuar, só que sem a participação do próprio bancário, o sindicato é só uma forma de a gente atuar em conjunto. A gente ouve muita coisa do tipo: “o sindicato é vendido, só serve pra manter aquelas mamatas lá”. Mas, se tem votação todo ano, é só trocar. Só pode reclamar se participar. A questão é que o enfrentamento a tudo isso é uma questão de unidade da categoria. A gente está num momento de pandemia para as pessoas tentarem refletir em relação justamente a esse pensamento individual. É um caminho coletivo. Tem que ser um caminho em que todos possam estar bem, e para muita gente é difícil entender isso. É muito difícil pensar no próximo. Dentro do Banco do Brasil a gente tem colegas sofrendo, colegas passando mal, colegas sofrendo psicologicamente com toda a pressão de meta e agora com a restruturação, por medo de perderem suas comissões, salários, etc. Então, a pessoa mantém o seu trabalho e não olha para o lado. É difícil a gente manter uma unidade. Fora que você tem todo o trabalho psicológico do próprio banco para evitar que essas pessoas façam esse tipo de movimento. É complicada a relação do comparativo de forças, é desproporcional. O sindicato tenta fazer o que pode, mas o sindicato não é nada sem a categoria. A categoria tem que estar unida. A categoria que tem que estar no sindicato.

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