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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Apenas 5,97% dos apresentadores e repórteres de TV gaúchos são negros

Gabriel Bandeira, autor do trabalho “A gente não se vê por aqui: o jornalista negro no maior grupo de comunicação do Rio Grande do Sul”. Foto: Reprodução

Carla Castro*

Mais da metade da população brasileira é composta por negros e pardos. Porém, quando analisamos o mercado de trabalho, mesmo somando 57,7 milhões dos trabalhadores, os negros estão entre o percentual com maior índice de desemprego e de subutilização, perante os 46,1 milhões de brancos. Esses dados foram disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) através da Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Parte deste estudo está presente no trabalho para a conclusão do curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) de Gabriel dos Santos Bandeira, 23 anos. Negro e oriundo do bairro Guarujá, zona sul da capital, se debruçou sobre um tema pouco falado no Rio Grande do Sul. Onde estão os negros na emissora tida como mais relevante entre os gaúchos? 

Com o título A gente não se vê por aqui: o jornalista negro no maior grupo de comunicação do Rio Grande do Sul, a pesquisa já chama a atenção por fazer alusão à famosa frase “a gente vai se ver na Globo”, já que a RBS, emissora analisada por Bandeira, é afiliada da empresa de Roberto Marinho. De acordo com o jornalista, a decisão de abordar o tema veio no último semestre da faculdade, quando uma professora o orientou a pesquisar algo que falasse sobre o seu universo. “Pautar a negritude, sendo um dos poucos negros nesse espaço (o acadêmico e de uma universidade privada), foi algo natural. Ao mesmo tempo, a pauta antirracista estava ganhando muita visibilidade. Não senti que houvesse algo mais importante a ser pesquisado naquele momento”. 

Motivos não faltavam para que Gabriel questionasse sobre o racismo estrutural e a falta de negros na tv. “O mercado de comunicação é extremamente embranquecido e no Rio Grande do Sul, um estado de população de maioria branca, que historicamente coloca a contribuição negra em segundo plano, isso se acentua ainda mais. Isso sempre foi muito presente para mim, mas para as outras pessoas não. Muitos levam como um desafio a ser vencido ou algo que está mudando com o tempo, mas esse é o mesmo discurso de dez anos atrás. O que aparece é que as coisas mudam, mas muito pouco perto do que deve e pode ser”.

Quando perguntado sobre o motivo que leva ao tardio ou até mesmo raso debate em torno da falta da presença de negros na RBS TV, o estudante afirma que durante a pesquisa e a apuração de dados, conversou com chefes de redação que disseram não haver jornalistas negros porque os negros não procuram ou não estão no mercado. Nesse sentido, Bandeira afirma não ser verdade e demonstra um desconhecimento e desinteresse sobre a pauta racial por estes profissionais. “Em paralelo, no Brasil nós ainda temos um discurso meritocrático muito forte, de que não se contrata por raça ou etnia, mas sim por talento. Bom, se você contrata por talento e no fim do processo seletivo não há contratados negros, devemos então pensar que negros não são talentosos ou competentes?” 

Ao final da conversa que tivemos com Bandeira, ele destaca que o racismo funciona como um grande sistema de opressão que atinge o nosso consciente e inconsciente, tanto de quem sofre quanto de quem se beneficia. Para começar a mudança, a branquitude precisa perder o medo de discutir raça e racismo e conseguir se entender enquanto racista. “Tem que haver uma conversa ampla e franca sobre o tema dentro das redações, faculdades e universidades. Isso não pode ficar restrito a um grupo que se sente incomodado. Tem que estar no executivo, na diretoria, nas posições de poder. A diversidade tem que parar de ser algo que anda em paralelo, mas algo central nas discussões, nas produções e nos processos seletivos. Tem bastante coisa a ser feita. Ouvir as pessoas negras pode ser um primeiro passo”.

Vale lembrar que há dez anos, o jornalista Wagner Machado se formava na mesma instituição e trabalhou a questão da invisibilidade do negro no telejornalismo gaúcho. Na época, dos 421 jornalistas analisados, apenas três eram negros. Esse foi o ponto de partida de Bandeira que em sua pesquisa, chegou aos seguintes números: 

– SBT – são três apresentadores, todos brancos, seis repórteres, sendo dois negros; – TV – Record são seis apresentadores, todos brancos e 12 repórteres, sendo uma negra; 

– TVE – são onze apresentadores e repórteres e apenas dois são negros. Neste caso, em específico, o pesquisador foi informado que em função da pandemia os critérios de apresentador e repórter mudaram. 

– RDC TV – a emissora que tem produções próprias e independentes. Ao todo, são 22 apresentadores, nenhum negro. 

– TV Pampa – são três apresentadores e dois repórteres, onde não há nenhum negro, informou a chefe de reportagem Vanessa Costa que é negra. 

– Band – são cinco apresentadores e quatro repórteres, onde também não há negros. 

– RBS – conta com mais de 60 profissionais de vídeo, onde apenas três negros ocupam a tela. 

Na soma de todos os veículos chegamos a 134 profissionais de vídeo, onde somente oito são negros (cinco homens e três mulheres). Triste, decepcionante e questionador dado: apenas 5,97% dos apresentadores e repórteres dos principais canais de TV são negros. Chama a atenção, a observação feita na conclusão da pesquisa pelo diretor de jornalismo da RBS, Cezar Freitas, responsável pelas contratações dos profissionais. Ele critica a falta de negros, diz que é “necessário baixar a régua e remover as barreiras que impedem que mais negros ingressem nas telas”, porém, o que vemos é que nos últimos dez anos, o jornalismo gaúcho teve uma queda nas contratações, já à época que Machado pesquisou eram 421 profissionais e agora são 134. A única leitura que podemos fazer é que o capitalismo afeta cada vez mais os trabalhadores, principalmente os negros e negras.

Para combater o racismo é preciso mais que crítica e vontade de gestor. Como afirma a comunista norte-americana Angela Davis “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Sabemos que corre no Senado um projeto que prevê cota de 46% para negros na empresas privadas com mais de 200 empregados. A pergunta que fica é: por que não aplicar na contratação dos negros e negras?

 * Jornalista negra e coordenadora estadual do MLB/RS

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