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sexta-feira, 19 de abril de 2024

200 anos de Anita Garibaldi: uma guerrilheira contra os impérios de seu tempo

REVOLUCIONÁRIA – Anita Garibaldi lutou em defesa da liberdade dos povos e contra o domínio dos impérios (Foto: Reprodução)

Júlia Andrade Ew

SANTA CATARINA – Em 30 de agosto de 1821, no município de Laguna, em Santa Catarina, nasce Ana Maria de Jesus Ribeiro, ou Aninha, como era conhecida. Filha de Bento e Maria, um casal pobre e simples, Ana era a segunda entre dez filhos. Não teve acesso à educação formal, não sabia ler nem escrever. Mas desde muito cedo, sabia e fazia coisas que não eram comuns às mulheres de seu tempo; acompanhava o pai, que era tropeiro, em suas viagens levando gado do Rio Grande do Sul à São Paulo, aprendendo assim seu ofício. Desde menina, Ana era determinada e dominava como ninguém a montaria a cavalo e a laçada, gostava de tomar banho de mar e de falar de política: tudo muito mal visto por uma sociedade conservadora e machista do século XIX, que não aceitava para as mulheres nada mais que o papel secundário de baixar a cabeça e sorrir.

Ana vivia o período regencial da história do Brasil Império (1831-1840), em que o país estava submetido aos interesses da monarquia representada pelo regente de plantão, que oprimia a grande maioria do povo brasileiro. O período, que sucedia uma independência proclamada em 1822, mas nunca verdadeiramente realizada, foi de intensa luta de classes. Ocorreram grandes rebeliões contra o governo e a política monarquista, a exemplo da revolta dos Malês (1835) e da Sabinada (1837-38) na Bahia, a Cabanagem no Grão-Pará (1835-40), a Balaiada no Maranhão (1838-41), e a Revolta Farroupilha no Rio grande do Sul e Santa Catarina (1835-45). Algumas dessas revoltas, embora refletissem o interesse geral pelo fim da monarquia, da escravidão e a proclamação da república, foram capitalizadas por uma burguesia golpista, que traiu as camadas mais pobres dos combatentes em prol de seus interesses de classe, à exemplo do que aconteceria com os Lanceiros Negros, na revolta farroupilha.

Quando Ana tinha aproximadamente 12 anos, Bento morre e a filha assume as tarefas do pai na família, fazendo as funções da lida enquanto sua mãe trabalhava nas casas de famílias abastadas de Laguna. Um dia, enquanto cavalgava, Ana sofre assédio sexual, enfrenta o assediador e vai imediatamente a polícia de Laguna denunciá-lo, um ato de coragem hoje em dia, quem dirá então. A jovem foi desacreditada, e para “acalmá-la”, o padre local propõe à Maria que casasse a filha com o sapateiro Manuel Duarte, um legalista, declarado defensor da monarquia. A mãe, que se preocupava com a miséria que a família sofria, acata, e Aninha é obrigada a casar-se aos 14 anos.

União pela revolução

Em julho de 1839, soldados farroupilhas comandados por Giuseppe Garibaldi, marinheiro italiano refugiado no Brasil e condenado à morte na Itália, tomam a cidade de Laguna e proclamam a República Juliana em Santa Catarina, que duraria poucos meses. O marido de Anita havia se alistado para as tropas imperiais; Ana e Giuseppe vivenciam uma paixão intensa e Ana, apelidada agora de Anita, em mais um ato rompante com os “bons costumes”, decide entrar na guerra, sendo treinada por Giuseppe nas técnicas militares, mas ensinando ao italiano as técnicas de montar a cavalo.

Anita inicia sua vida de soldado aos 18 anos em um combate naval na primeira linha de atiradores, abastece os republicanos de mantimentos e munição transitando sob fogo cruzado, e participa de muitas vitórias militares. Em 1840, grávida, é feita refém dos imperiais. O Correio Official do Rio de Janeiro chega a publicar uma matéria afirmando que Anita, a amazona que entrava em fogo com os soldados, havia caído em combate. Mas a verdade é que a guerrilheira consegue fugir, montar em um cavalo a pelo, cruzar a mata e depois atravessar o Rio Canoas a nado, reencontrando enfim seus companheiros. Meses depois, em Mostardas – RS, com apenas 12 dias de nascimento de seu primeiro filho, é atacada por tropas imperiais no rancho onde se recuperava das dores do parto, e foge a cavalo, debaixo de chuva com seu recém-nascido, salvando-lhe a vida.

Heroína de dois mundos

Em 1841 Anita e Garibaldi mudam-se para o Uruguai, onde têm mais 3 filhos e lutam na “Guerra Grande” em defesa da nova República do Uruguai. Com a morte prematura de sua segunda filha, Anita sofre de uma grande tristeza, que enfrenta ao ir curar os feridos no campo de batalha. Em 1847, viaja para a Itália, onde luta pela independência e unificação do país, recebendo, por isso, o título de “heroína de dois mundos” e “mãe da pátria italiana”. Recusando-se a abandonar a guerra para cuidar de sua saúde, Anita morre com 27 anos de idade no dia 04 de agosto de 1849, vítima de uma fortíssima febre e grávida do quinto filho.

Seu corpo foi enterrado 7 vezes, e encontra-se atualmente em Roma, sob a única estátua equestre feminina do país, esculpida com seu filho em um braço e sua arma empunhada com o outro, tal qual no momento de sua fuga em Mostardas. Ao fim de sua breve vida, havia se alfabetizado e aprendido 3 idiomas além do português: o italiano, espanhol e o dialeto piemontês. De seus 18 aos 27 anos participou de batalhas no mar e em terra, em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai e Itália.

Garibaldi, ao narrar suas memórias a Alexandre Dumas, assim descreve Anita: Sublime em sua coragem em face do perigo, ela ainda se engrandecia (fosse isto possível!) diante da adversidade. Assim, frente a frente com aquele estado-maior assombrado com a sua bravura – mas que não tivera o escrúpulo de dissimular à vista de uma mulher a sua empáfia de vitorioso -, ela repeliu com uma áspera e orgulhosa altivez alguns termos que pareciam-lhe exaltar o desprezo pelos republicanos vencidos. Anita combateu tão energicamente com as palavras quanto o fizera com as armas.”

Diferentemente de Giuseppe Garibaldi, imensamente fotografado, existe apenas um único registro de Anita, de 1849, em que ela se encontra de cabelos curtos, vestida com o que na época se entendia como “roupas de homem”. Anita, uma mulher pobre, cabocla, descrita na Itália como “crioula” e uma guerreira de vestimentas práticas e simples, é comumente retratada como uma dama europeia, uma forma de adequar sua imagem a um padrão que não condiz com a realidade da mulher que ela foi.

No marco dos 200 anos após seu nascimento, vemos que Anita representava o que havia de mais avançado em sua época e território (lembremos que o Manifesto do Partido Comunista foi publicado em 1848, apenas um ano antes da morte de Anita). Foi uma mulher corajosa, que lutou com e pelos oprimidos, e não à toa, anos depois, a comunista Olga Benário nomeia sua filha, nascida sob o cárcere nazista, de Anita, em homenagem à destemida revolucionária catarinense.

É charlatanismo puro (e recorrente) associá-la ao que hoje há de mais atrasado, aos ideais racistas e reacionários de movimentos como “o sul é meu país”, etc. Anita, se viva, estaria lutando contra os impérios de nosso tempo: seu campo de batalha seriam as ocupações urbanas e rurais, os movimentos de mulheres feministas, as manifestações, as lutas do povo pobre do Brasil, e de todos os povos oprimidos pelo imperialismo no mundo que ousam levantar um grito por liberdade.

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1 COMENTÁRIO

  1. Bela matéria, autêntica passagem da história, a matéria não me revelou o autor, mas pelas nuancias da escrita, posso imaginar, quem eu eu imagino nascera em outro Estado mas com vivência no Rio Grande (RS), se não acerto, minhas desculpas por essa conclusão precipitada.
    Sobre a personagem, um exemplo de Mulher, de guerreira, Anita Garibaldi. Presente.

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