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quarta-feira, 24 de abril de 2024

A luta dos povos indígenas contra o Marco Temporal

Manifestação ocorrida no Acampamento Luta Pela Vida. Foto: Cícero Bezerra/CIMI

Priscila Voigt (RS) e Bibiana Rosa (DF)

LUTA POPULAR – A tese do Marco Temporal é um completo absurdo. Sabemos muito bem que toda a extensão de terra desse país chamado Brasil era ocupada pelos povos originários antes da invasão portuguesa. Com a invasão, milhares de indígenas foram assassinados e escravizados, sendo vitimados por todo tipo de violência orquestrada pelo projeto colonial. Foi um dos maiores genocídios da história da humanidade.

No entanto, os povos indígenas resistem e mantêm a sua força ancestral. Apesar da truculência da colonização, atualmente existem, segundo o IBGE, 900 mil indígenas divididos em 305 etnias, falando 247 línguas e ocupando somente 597 terras demarcadas. Podemos falar também da ditadura militar, período em que mais de 8 mil indígenas foram assassinados em massacres, esbulhos, remoções forçadas e contágio deliberado por doenças.

Nesse momento da história do Brasil, suas terras foram novamente roubadas, em nome de um suposto “desenvolvimento nacional”. Na verdade isto consistia em um processo explícito de entrega das terras e recursos naturais à grande burguesia nacional e internacional, ruralistas e grandes bancos. E é dessa mesma forma e com esse mesmo interesse que a tese do Marco Temporal foi construída. Ora, como estar em suas terras em 1988 depois de todo esse massacre e expropriação? Este é um critério falso, racista e colonial.

Manifestação do Acampamento pela Vida acompanhando a sessão do STF (26/09) Foto: Emília Silberstein / Jornal Averdade

Julgamento do Marco Temporal já foi adiado várias vezes

Em julho, já havia acontecido outra grande mobilização em Brasília por conta do julgamento do Marco Temporal que foi adiado na ocasião. Novamente, essa é a estratégia do STF para desmobilizar a potente pressão que a mobilização nacional indígena tem colocado na casa. Já é a quinta vez em dois meses que isso acontece. O julgamento estava marcado para acontecer no dia 25 de agosto, no entanto entrou em pauta primeiro o julgamento sobre a autonomia do Banco Central (outro grande ataque à população brasileira) e assim o julgamento da tese genocida do Marco Temporal passou para o dia 26. E então, já quase no fim da tarde, se deu início ao julgamento e após a leitura do relatório de Edson Fachin, o julgamento foi adiado para hoje (1) com a justificativa de que seriam muitas sustentações orais.

Mesmo diante de mais um adiamento, o Acampamento Luta pela Vida seguiu mobilizado. Ainda que com dificuldades, uma vez que diversas delegações de povos indígenas não conseguiram permanecer acampadas, as atividades e agendas se mantiveram.

Na manhã da última sexta (27), aconteceu uma plenária do Pacto Pela Vida com os movimentos sociais presentes e que apoiaram o acampamento. Depois, os indígenas se colocaram em marcha em direção à Esplanada, passando pelo Congresso Nacional, pelo Palácio do Planalto e, por fim, pelo Ministério da Justiça.

Na frente da sede do Executivo, realizaram uma ação direta ao queimar um caixão que denunciava o caráter genocida do Marco Temporal. É importante ressaltar que a pauta indígena é central na luta contra o governo Bolsonaro e contra o capitalismo. A defesa de seus territórios e de seus direitos originários à terra são a antítese da exploração predatória e violenta da terra, dos biomas, dos povos tradicionais, dos camponeses. Frente à aceleração da crise climática, a sanha ruralista, chancelada pelo governo, é sintoma da já acirrada crise do sistema capitalista.

Manifestação queima caixão denunciando o caráter genocida do Marco Temporal (27/09) Foto: Emília Silberstein / Jornal Averdade

Povos de todo país estiveram presentes no acampamento Luta Pela Vida

Estiveram no acampamento alguns companheiros indígenas da UP do norte do estado do Rio grande do Sul, da região de Passo Fundo, da etnia Kaingang, das comunidades Goj Jur e Vyi Kupri. A retomada Goj Jur se localiza em um terreno atrás da rodoviária de Passo Fundo e a Vyi Kupri em uma reserva ambiental em Carazinho que já está em processo de demarcação.

A tese do Marco Temporal afeta profundamente essas comunidades e tantas outras retomadas indígenas. Algumas já estão no processo de demarcação e outras ainda seguem na luta por esse reconhecimento. Importante ressaltar que, se aprovada, a tese do Marco Temporal ameaça até mesmos territórios já demarcados. Por isso a grande importância da mobilização em torno dessa pauta.

Para Jocemar, cacique da Goj Jur e Elizeu, liderança da Vyi Kupri, a estratégia de ficar adiando o julgamento serve para desmobilizar, não querem entrar em confronto com os ruralistas e não querem votar com a presença e mobilização dos povos indígenas em Brasília. As dificuldades materiais acabam sendo um impedimento para que muitas delegações possam permanecer em luta em Brasília, como foi o caso dos nossos camaradas, que inclusive só conseguiram viajar devido às campanhas de finanças realizadas coletivamente.

Foram mais de 6.000 lideranças indígenas de 176 povos que, vencendo as dificuldades financeiras de transporte, de estrutura, de alimentação nas longas viagens até chegar a Brasília, que conseguiram se somar ao Acampamento Luta pela Vida e construir uma das maiores mobilizações indígenas dos últimos 30 anos.

Mobilização indígena em frente ao Palácio do Planalto na semana passada (27/09). Foto: Alass Derivas

Mobilização também é contra o PL 490

A tese do Marco Temporal não é o único ataque que compõem a extensa agenda anti-indígena deste governo. A Mobilização Nacional Indígena também é um protesto contra o PL 490/2007, mais conhecido como PL da grilagem. É um projeto que, na prática, serve para inviabilizar a demarcação de terras indígenas e permitir que elas sejam usadas para o agronegócio e a mineração, por exemplo.

Além da manifestação em Brasília, aconteceram fechamento de rodovias e atos em diversas regiões do país. No Rio de Janeiro, foi ateado fogo em uma estátua do colonizador Pedro Álvares Cabral. Em Iraí (região norte de Passo Fundo/RS), houve manifestação na rodovia 386 e em Porto Alegre, em frente ao TRF4.

Os povos indígenas, apesar de todo ataque que seguem sofrendo, sempre resistiram e lutaram pelo seu povo, pela sua liberdade,. Precisamos contar a verdadeira história do nosso país, lembrar de heróis como Ajuricaba, Aimberê, Sepé Tiaraju, e também dos lutadores e lutadoras que fazem história hoje.

Precisamos aprender com o exemplo daqueles que lutam há mais de 520 anos pelo direito à demarcação de suas terras, pela sua cultura e vida. Derrotar o Marco Temporal é uma necessidade histórica, é uma questão de vida ou de morte, e é avançar também na luta contra este fascista que ocupa hoje a cadeira de presidente da República.

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