É visível o aumento da população em situação de rua em São Paulo. Essa percepção pode ser comprovada com a pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), que aponta quase 14.000 pessoas nessa situação na cidade. Em 2000, quando foi feito o censo anterior, eram pouco mais de 8.000 pessoas nessa situação; assim, um aumento de quase 50%.
É importante lembrar que a rua não é lugar feito para morar: uma pessoa que se encontra hoje obrigada a dormir, comer e permanecer pelas calçadas está nessa situação porque já foi privada de todos os seu direitos, inclusive o de ter um lugar para morar. Por isso é que, quando falamos dessa população, dizemos “população em situação de rua” e não “moradores de rua”.
Percebe-se com tal cenário que está cada vez mais aguda a precarização da vida dos trabalhadores. Excluída do sistema de produção ou carente de política social dos governos – ou ainda os dois fatores conjugados –, uma parcela da população sem a estrutura mínima de um teto para se abrigar é forçada a dormir nas ruas, embaixo de viadutos e marquises.
Quem vive em situação de rua trava – e não é exagero dizer – uma luta diária para se manter vivo: para conseguir comida, evitar a violência da polícia e da população que não o aceita, manter-se distante das drogas e das doenças psicológicas, além de enfrentar as oscilações do tempo.
Nos meses de junho e julho deste ano, os termômetros de todo o Estado registraram as madrugadas mais frias do ano; na capital a temperatura chegou a 4ºC, mas em algumas cidades do interior desceu abaixo de 0ºC. Em decorrência das baixas temperaturas morreram por hipotermia algumas dessas pessoas em situação de rua, como os dois casos ocorridos na última semana de junho, um na cidade de Juquitiba e outro na de Penápolis.
Geni dos Santos, responsável pela Associação Rede Rua, relata que está cada dia mais difícil atender à demanda da população em situação de rua. “De alguns anos para cá, principalmente nas épocas de frentes frias, as filas que continuam depois que a lotação [do albergue] está completa são bem grandes. Isso é bastante preocupante, demonstra a descaso do governo em resolver a situação dessas pessoas.”
Para tentar esconder essa realidade, a Prefeitura de São Paulo vem deslocando os albergues, centros de acolhida e projetos de assistência para os bairros mais afastados do Centro, sem considerar que essa população necessita das condições dos centros urbanos para sobreviver. “Essa já parece ser uma movimentação do governo para se preparar para a Copa do Mundo, mas é um paliativo que não resolve em nada a problema dessas pessoas, só atrapalha”, afirma Geni.
Com o pretexto do combate às drogas, essa mesma prefeitura deseja adotar a internação compulsória dos dependentes químicos que estão em situação de rua, algo semelhante ao que já é feito no Rio de Janeiro. Trata-se da internação involuntária de jovens e adolescentes dependentes químicos (usuários principalmente de crack) sem nem sequer a autorização dos pais/responsáveis. Nos noticiários esta medida ditatorial acaba sendo mencionada como uma iniciativa boa dos governantes. Na realidade, não há estrutura, muito menos profissionais adequados para tratar essas pessoas; mais do que isso, especialistas confirmam que a maioria dos casos de internação involuntária tornam a recair.
Esses seres humanos são jogados às ruas se tornando invisíveis, e apenas sendo lembrados quando sua presença incomoda interesses políticos e econômicos. Guilherme Manoel de Araújo, que está em situação de rua, fala sobre essa política do governo: “O intuito disso, na realidade, nada mais é do que uma limpeza urbana; tirando pela situação em que eu me encontro, se tivesse a possibilidade de proporcionar uma vida melhor seria legal, porém obrigatoriamente não surtirá efeito algum. Querendo ou não, vai ser uma prisão!”
Esta é mais uma tentativa frustrada de tirar essas pessoas da vista dos turistas, não porque a pobreza e a dependência química dessa população sejam uma preocupação dos governos, mas porque isso não dá a São Paulo status de uma boa cidade metrópole.
Isabela Melo e Ana Rosa Carrara, São Paulo
Interessante.