Trezentas famílias organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) ocupou um terreno da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que estava desocupado há 30 anos e fica localizado no Bairro do Engenho do Meio, Recife, cidade que tem um déficit habitacional de 80 mil moradias.
A ocupação aconteceu no dia 31 de janeiro e após um mês de resistência foi batizada pelo nome de Ruy Frazão Soares. Hoje, funciona com cozinha coletiva, banheiros, creche, segurança, portaria, ruas com coordenadores e assembleias diárias. Três reuniões foram realizadas com a reitoria da UFPE e a última teve a presença de um representante da União.
Mas quem são os moradores da Ruy Frazão e por que eles decidiram participar de uma ocupação?
Mulher de um sorriso contagiante, Josefa Izaura da Silva Gomes, 45 anos, vive de vender empadas e seu único bem é uma bicicleta velha que utiliza para carregar e vender seus salgados. Quando conheceu o MLB, começou a participar de várias reuniões e logo veio a decisão de ocupar. “Tenho 25 anos de casada, uma filha de 18 anos. Morava com meu marido em um terreno numa casa que é herança de sete irmãos; durante esse tempo, sofri ameaças e agressões; quando ocupei, ele não gostou e para se vingar deu fim a tudo que tinha, só sobrou a bicicleta que estava na casa do vizinho. Hoje, em primeiro lugar é Deus, depois minha família da ocupação. Quando a gente começou a limpar o mato e o dia começou a raiar, eu só pensava aqui agora é minha casa.”
A luta não tem idade. Lindalva Nunes de Oliveira, 53 anos, viúva, mãe de dois filhos, sobrevive cuidando de idosos e passou os últimos seis meses na reunião de preparação da ocupação. “O dia da ocupação foi emocionante porque nunca participei de nada parecido; hoje eu olho e digo: meu Deus, eu sou uma mulher muito corajosa, estou feliz, apesar da minha saúde; quando preciso dormir fora, fico o tempo todo pensando no meu barraquinho, acredito que agora é só vitória”
Sulamita Ramos da Silva, 44 anos, casada e mãe de três filhos, decidiu participar da luta por moradia, na Associação de Moradores do Bairro do Joana Bezerra. “Fiz minha inscrição e comecei a participar, foram cinco meses de reuniões. No começo fiquei com o pé atrás, pois minha irmã tinha participado de uma ocupação com outro grupo, que tinha tráfico, muita violência, até o dia que ela desistiu; com o passar do tempo, todos começamos a participar das reuniões do MLB e a acreditar no movimento, porque para dar certo primeiro você tem que acreditar.”
Mãe de seis filhos, Roseane Bezerra da Silva, 28 anos, vive na ocupação com sua filha caçula, a pequena Clarise Stefane, de seis meses. Conheceu a ocupação de Mulheres de Tejicupapo; na época não pode participar e ficou numa lista para uma nova ocupação do movimento. Participou de reuniões por sete meses. “É a situação que faz a gente ocupar, na hora da entrada eu fiquei desesperada, quando vi cobra, bichos, pensei não vou agüentar! Hoje, tudo tá valendo a pena, porque pagar aluguel não é fácil não, meu marido tem mais dois filhos e paga pensão, ele dizia que não ia dar certo, eu ia sozinha. Quando ele viu que eu não ia desistir, que era sério, começou a lutar comigo.”
Com uma barriga de sete meses, Priscila Moura Francisco, 20 anos, já participava das reuniões a seis meses. Soube por vizinhos da Iputinga que estava acontecendo uma reunião no Casarão do Barbalho. “No começo, pensei em representar minha mãe, já que moramos juntas de aluguel, mas fiquei grávida, desisti por um tempo, aí foi ela que me chamou para voltar; na noite que ocupamos, só estávamos nós duas, nem meu pai ou o pai de minha filha vieram. Tive medo que pudesse acontecer algo de errado, mas hoje tá tudo tranqüilo acredito na vitória, terei minha casa com um quartinho para minha filha.”
O desejo de realizar o sonho de ser mãe fez com que Daniela Rodrigues da Silva, 28 anos, casada, começasse a participar das reuniões do Movimento. “A necessidade faz a gente aprender muita coisa. Quero muito ter um filho, mas penso, como? Se tudo é tão caro, pagamos aluguel e não sobra nada. No dia que ocupamos, senti medo, não sabia o que me esperava, mas quando o muro caiu, eu pensei: é minha casa e vou atrás agora; o maior patrimônio do pobre é sua casa.”
As razões que levam uma pessoa a participar de uma ocupação, como vimos, são muitas: desejo de libertar-se de vários tipos de violência, consolidar uma família, envelhecer com tranqüilidade, etc. Ao povo, nada ou quase nada sobra na divisão dos recursos do governo. Resta ao povo apenas a luta, a resistência.
Elizabeth Araújo, Recife
Veja vídeo de matéria feita pela jornalista Amanda Miranda para o NE10.