Entre os anos de 1976 e 1983, o sangrento Regime Militar que se instalou na Argentina sequestrou 500 bebês, e cerca de nove mil pessoas desapareceram ou foram assassinadas. Entretanto, segundo organismos de direitos humanos, este número supera a casa dos 30 mil.
Vários meios foram utilizados pelos militares para reprimir o movimento popular e deter a ação revolucionária dos militantes contrários à Ditadura, e um deles eram os “voos da morte”, durante os quais os presos políticos, depois de torturados, eram lançados ao mar. No caso dos bebês, as crianças sequestradas eram entregues a famílias de militares ou de apoiadores do Regime.
Uma dessas crianças foi Hilda Victoria Montenegro, nascida em 13 de janeiro de 1976 e hoje com 36 anos. Seu pai, Roque Orlando Montenegro, era um guerrilheiro do Exército Revolucionário do Povo (ERP). Assassinado aos 20 anos num daqueles voos da morte, seu corpo arremessado sobre o Rio da Prata. Sua mãe, Hilda Romana Torres, continua desaparecida até hoje.
Em uma entrevista recente, Victoria contou que foi presa com os pais, aos 13 dias de vida, quando eles moravam em Buenos Aires. Ela foi roubada pelo tenente-coronel Hernán Antonio Tezlaff, um dos responsáveis pela morte de seu pai e de muitos outros pais de bebês sequestrados.
“Me deram o nome de María Sol Tetzlaff Eduartes, nascida em 28 de maio de 1976, em Boulogne, San Isidro, como filha de Herman Antonio Tetzlaff e sua esposa María del Carmen Eduartes. Eu nunca tive dúvidas de que não era María Sol, mas eles me diziam que eu era filha deles. Em 1989, as Avós da Praça de Maio começaram a desconfiar do meu caso e a pedir os exames de DNA”, relata Victoria.
Ela diz que viveu sem saber o que acontecia e que sempre foi tratada como uma filha pelos apropriadores: “Era uma relação de pai e filha. Durante minha infância, não desconfiava de nada. Cresci num entorno militar, os amigos da família, os encontros, as festas, eram as típicas desse meio”. Em 2000, Victoria realizou um exame de DNA e descobriu a verdade.
Esta história se assemelha à de tantas outras famílias argentinas, e todas elas só querem uma coisa: justiça!
Hoje, mais de 30 anos depois, Victoria está perto de conseguir seu mais forte desejo: no dia 5 de julho deste ano, a Justiça argentina condenou nove responsáveis por esses crimes, entre eles o ditador Jorge Rafael Videla, que recebeu a pena de 50 anos de prisão pelo sequestro de bebês. O ex-ditador Reynaldo Bignone foi sentenciado a 15 anos, no mesmo julgamento. Vale lembrar que Videla já havia recebido, em 2010, sua segunda condenação à prisão perpétua por crimes contra a Humanidade. Seu “pai-sequestrador”, o tenente-coronel Tezlaff, já havia sido condenado a oito anos de prisão pelo crime de rapto de menores, em agosto de 2001, mas faleceu ainda em meados de 2003.
Conforme a associação Avós da Praça de Maio, formada por mães de militantes de esquerda, já foram localizados 105 bebês. Até o momento, segundo a imprensa argentina, outros julgamentos para casos pontuais de roubo de bebês foram realizados, com condenações de até 16 anos para os acusados.
Lene Correia e Ludmila Outtes, Recife