Esses dias, sentado no metrô ao lado de um cidadão com aqueles bigodes que impõem respeito, lia no jornal que a cesta básica novamente aumentava de preço. E pensava como podia a carestia da vida estar tão em alta no país, se mesmo o futebol, orgulho nacional, está em declínio. Aliás, o futebol não, a seleção canarinho, que, comandada pelos experts em futebol da CBF, qualquer dia vai exigir do treinador a escalação de oito volantes (para dar mais segurança ao time) e exigir que o centroavante marque homem a homem o lateral esquerdo adversário. Mas isso é assunto para outra conversa.
Como ia dizendo, com tantas coisas em baixa na vida nacional, é realmente uma proeza da cesta básica bater consecutivos recordes nos últimos tempos. A educação vai mal, com índices aterradores quanto à semialfabetização de nosso povo, e a saúde pública cada vez mais nos transforma no país das filas intermináveis dos postos de saúde. Inclusive, fui marcar uma consulta recentemente e recebi a seguinte resposta da atendente:
– O senhor vai estar nos desculpando, mas nós não temos mais horários para esse surto de virose. Se já quiser adiantar consulta para a virose do próximo verão, vá ficando à vontade. – disse com voz anasalada.
Bom, por via das dúvidas eu marquei.
Em recente entrevista, o nosso ministro da Fazenda colocou o problema de o país andar tanto por baixo. O problema seria a falta de espírito empreendedor e confiança no futuro do povo brasileiro. Faltava ao pequeno empresário brasileiro esse tal de self-made man que sobra nos Estados Unidos.
Taí, gostei da sinceridade do ministro (apesar de não ter gostado nadinha do arrocho salarial anunciado para o funcionalismo público para os próximos anos). E longe de mim ficar como esses que só sabem reclamar e agourar nossa economia! Quero ajudar o governo nessa cruzada contra o pensamento pequeno do povo brasileiro, que decerto ainda não se acostumou a ser sexta potência econômica mundial. Talvez não tenha se acostumado pelo fato de o governo não saber fazer propaganda de nossas conquistas econômicas e sociais de forma correta.
Por exemplo, a cesta básica. Sugiro ao ministro que empreenda uma campanha nacional para mostrar ao povo os avanços concretos da cesta básica. Afinal, estamos obstinadamente lutando pela posição de cesta básica mais cara do mundo! Mesmo em meio à crise mundial, não é todo país que pode ter esse orgulho. Imagine a campanha publicitária: “Os EUA estão se esforçando para chegar a ter tanto desemprego quanto o Brasil, esses danadinhos pensam que vai ficar por isso mesmo?? Não. Nós temos a cesta básica mais cara das Américas!” (com certeza, algum corintiano gritaria: Chupa Ianques!!)
Ou talvez, quem sabe, a gente fazer inveja mesmo aos chiquérrimos franceses e sua culinária que quase não leva carne. Poderíamos fazer a campanha “Em toda favela brasileira, se espalha a culinária francesa”. Claro, porque daqui a pouco, o que vai dar para almoçar vai ser um pouquinho de arroz branco, uma folhinha de alface e um pedacinho de bife de frango. Todos os pobres brasileiros baterão no peito e dirão com orgulho singular: “Antigamente, só os ricaços podiam comer essa merrequinha de comida como símbolo maior de finesse. Nós, pobres, estávamos fadados a ‘bater’ sempre aquele pratão de pedreiro com duas conchas de feijão, no mínimo. Mas agora não, estou me sentindo um bon vivant”.
Com certeza, a partir desta campanha, o povo passaria a ter orgulho de ser brasileiro. E pensaria sempre grande e rumo a novas realizações. Empreenderia cotidianamente forças para ajudar nossos ministros e nossa presidenta a construir esse país. Mas, para colocar de vez uma pá de cal sobre nossa mentalidade subdesenvolvida e nosso espírito de colonizado, sugeriria por último um discurso oficial da presidenta. Aí sim! Fico até imaginando:
“Povo brasileiro, venho hoje à televisão falar sobre algo importante para todos nós: a carestia de vida, o altíssimo custo de nossa cesta básica. Não venho aqui para esconder a realidade de vocês, povo forte e destemido, algumas nações ainda conseguem ter um custo de vida mais alto que o brasileiro. Mas se trata de povos africanos e asiáticos, que como sabemos são obstinados como o diabo, e, quando colocam uma coisa na cabeça, vão até o fim, basta ver os quenianos nas maratonas. Pois bem, agora eles mexeram com quem não devia. Não pouparemos esforços para, no prazo máximo de um ano, ter a cesta básica mais cara do mundo [Imagino que nesse momento, em milhões de lares brasileiros, as pessoas bateriam palmas efusivamente e alguns, mais exaltados, pulariam em seus sofás]! Estamos trabalhando dia e noite para isso. Nunca na história deste país, como diria um grande amigo, nós demos tantos incentivos aos latifundiários brasileiros! Esses verdadeiros heróis são grandes parceiros, obstinados como o quê, em tornar a cesta básica brasileira a mais cara do mundo [E o povo gritando vivas aos usineiros e senhores da soja]!! Não temeremos nenhum esforço; inclusive, se o preço dos alimentos não subir satisfatoriamente, eu congelo os salários todos, para que o poder de compra se mantenha. Prometo, povo brasileiro, não descansarei enquanto não fizer deste país uma carestia só, de norte a sul!”
Tenho certeza de que isso elevaria nosso espírito empreendedor. Qualquer brasileiro, passeando pelas ruas de Londres, ou Paris ou mesmo Washington, diria para um transeunte qualquer: “Meu filho, eu sou brasileiro, ouviu bem? Bra-si-lei-ro! No meu país, até o Eike Batista pensa duas vezes antes de comprar carne de primeira!”
José Lucas, São Paulo