A inclusão: uma questão embrionária

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Quero aqui abordar a questão da prática da Educação Inclusiva no contexto da escola pública, onde, há quinze anos, atuo na Educação Especial. O Brasil foi um dentre tantos países que estiveram, em 1994, na cidade de Salamanca, Espanha. Lá muitos compromissos foram assumidos, e a LDB de 1996 já veio com mudanças. Nos países europeus a inclusão foi pensada a partir das experiências, da formação dos docentes envolvidos e de adaptações físicas nas escolas. Aqui a legislação precedeu o diálogo relativo à inclusão. Temos carência de formação de nossos professores, e as escolas não são adaptadas. Mais do que isso, precisamos de muita reflexão dentro e fora dos muros de nossas escolas, pois a verdadeira inclusão se efetiva com a preparação de escolas, universidades, sindicatos, enfim, da sociedade como um todo.

Para incluir, segundo o pesquisador Bento Selau, não bastam adaptações físicas, mas mudanças de atitudes para com todas as pessoas. O sistema capitalista reproduz as desigualdades no mundo.  O papel da escola, portanto, é de permanente reflexão e de envolvimento de todos os seus segmentos para que a inclusão seja pensada num contexto que, a princípio, seja para todos.

A Declaração de Salamanca surge para contemplar as minorias em vulnerabilidade, e nós, trabalhadores em educação, precisamos entender que o processo inclusivo não pode ser tratado isoladamente. O eixo de resistência e luta, em contraposição à barbárie que o capitalista reproduz ao privilegiar quem melhor se enquadra ao sistema de produção, não atinge apenas os alunos com necessidades especiais, mas também a todas as minorias marginalizadas.

Ser professor hoje é muito mais complexo e desafiador do que no passado. Há 50 anos, estavam na escola crianças da classe média, supostamente filhos de famílias estruturadas. Hoje, estão na escola ricos, pobres, deficientes, portadores de HIV, homossexuais, usuários de drogas. Os que acham que a escola tem sentido e os que acham que pouco sentido ela tem. A educação não transforma a sociedade, dizia Paulo Freire, mas cabe a cada um de nós redimensionar o perfil da escola supostamente inclusiva.

 Sobre a acessibilidade física, que é um tema específico da Educação Especial, prega-se que é um dos primeiros requisitos para a universalização do ensino, pelo menos é o que diz um decreto e duas leis de 2004, pautadas pelo Ministério Público Federal.

Esta legislação tem prazo até 2014 para sua aplicação. Assim, nossos deficientes físicos usarão asas em suas cadeiras de rodas, e os cegos transformarão suas bengalas em belas varinhas de condão, pois faltam rampas e sinaleiras sonoras, as calçadas e as ruas estão em péssimas condições, etc. Sem falar na sinalização de nossas faixas de segurança associada à falta de educação de nossos motoristas.

Referendo por mim e por todas as pessoas comprometidas com a educação inclusiva: a Educação Especial é uma questão embrionária. Luto, porém, para que todos os envolvidos no processo educacional, sindicatos, universidades, professores e funcionários que estão no chão da escola e da sociedade em geral, reconheçam que a deficiência não é doença, nem invalida o sujeito. Tampouco é o fator determinante do fracasso escolar, disso tenho certeza. A escolarização constitui uma experiência chave para formação humana e, portanto, ninguém pode ficar fora dela (Emília Ferreiro).

Afirmo que a educação só pode se tornar uma atividade humanizadora se deixar de contemplar apenas as elites, ou seja, os mais ricos, os mais capazes, os mais inteligentes, os sarados, os de olhos azuis…, e tentar incluir aqueles que historicamente são rotulados como indesejáveis. Humanizar-se, portanto, não é estender a mão ao diferente em sinal de benevolência, mas estabelecer um contexto relacional em que a reciprocidade seja efetivamente vivida e praticada.

O projeto de humanização aqui defendido por mim pode parecer utópico. De certo modo, considerando o sentido etimológico do termo (lugar não existente) e o fato de que todo projeto se acha em vias de construção, ele é uma utopia. Este projeto não prevê a redenção da Humanidade, igualmente, quem sabe pensar algo que contemple de forma mais humana e solidária as diferenças de um mundo tão decantado como pós-moderno, mas ainda com características dos tempos medievais.

E, apesar de todas as utopias, desafios e do encantamento de poder sonhar, cito o refrão do rap feito com meus alunos: VAMOS AGIR, REAGIR, REFLETIR…. VAMOS INCLUIR!

Fátima Magalhães,
pedagoga com especialização em Educação Especial, professora da Escola de Ensino Fundamental Cândido Portinari (Cachoeira do Sul-RS)