O ano de 2012 termina com a publicação do novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 e alterações da Lei nº 12.727, de 2012). Após três anos de debates, o novo Código Florestal se assemelha à proposta inicial dos ruralistas, elaborada em 2009 pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Acaba, assim, a legislação de 1934 para preservar parte da vegetação nativa dentro de propriedades privadas. A burguesia e os latifundiários finalmente têm um código para chamar de seu.
A Lei nº 12.727, sancionada pela presidente Dilma em outubro, é cheia de contradições, mas na essência defende os interesses dos latifundiários. Vejamos.
Os produtores que respeitaram o Código Florestal antigo, independente do tamanho do imóvel, terão de manter 50m de florestas ao redor de nascentes perenes, 30m ao largo dos pequenos rios, respeitar as florestas dos topos de morro e encostas; os que desrespeitaram não precisarão recuperar a vegetação dos topos de morro e encostas, terão só 15m ao redor de nascentes e, a depender da área do imóvel, poderão nem ter mata ciliar ao largo dos pequenos rios.
Outra característica é a sua complexidade, assim, ocorrendo desmatamento de áreas protegidas (Área de Preservação Permanente – APP e Reserva Legal – RL), a punição depende de quando ocorreu e da área do imóvel. Um pequeno proprietário que tinha todo seu imóvel desmatado antes de 2008 terá que recuperar muito pouco da vegetação original. Um médio proprietário, na mesma situação, terá que recuperar bem menos do que na legislação anterior. Se o desmatamento ocorreu após 2008, no entanto, a situação será completamente diferente para ambos. Se parte do desmatamento foi antes e parte depois de 2008, a situação será outra ainda; na prática, não vai ocorrer punição aos infratores..
No caso da Amazônia, em 90 municípios a RL cairá de 80% para 50%. Os imensos igapós e várzeas (com área do tamanho do Estado de SP) deixaram de ser considerados APP. Todas as nascentes intermitentes, abundantes nas áreas de transição com o Cerrado, poderão ser desmatadas. Foi concedida anistia ao desmatamento do Cerrado (49% da área total) e da Mata Atlântica (76% da área total), seguindo de exemplo para estimular aos que quiserem avançar um pouco mais do que a legislação permite.
Apesar dos nove pontos vetados pela presidente Dilma, que aumentavam ainda mais a anistia a grandes proprietários, a possibilidade de “restauração” de matas ciliares com frutíferas, outros pontos importantes passaram: a anistia dos desmatamentos ilegais e redução da proteção de áreas ambientalmente sensíveis. Substituindo a lacuna dos vetos, veio um decreto que regulamenta alguns itens do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), que serão desenvolvidos pelos governos estaduais. O governo federal garante que a nova lei não permite anistias, mas é bom lembrar que, na vigência do antigo Código Florestal, que era mais rígido, os desmatadores na maioria não pagaram um centavo das multas aplicadas até hoje é ver para crer.
A legislação aprovada abre brecha para que médios e grandes proprietários não precisem ter RL, simplesmente alegando que a área já estava desmatada antes da existência da legislação de 1934, que determina a existência da RL. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) explica que a RL só passou a existir no Cerrado em 1989 e, nos biomas da Caatinga, Pantanal e Pampas, em 2001. Interessante que a CNA não se lembra de que a lei da propriedade privada da terra é de 1850, e que os indígenas brasileiros até hoje não têm direito às suas terras demarcadas (e já moravam havia milhares de anos no País, antes da lei de 1850).
As reações com a publicação do novo Código Florestal pela burguesia tiveram variações. O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), afirmou que entrará com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra as medidas. “Esse AGU [advogado-geral da União], Luís Inácio Adams, é um analfabeto. O que foi feito foi de uma total arrogância, prepotência e inconstitucionalidade”, afirmou Caiado. A avaliação do AGU e do Ministério do Meio Ambiente é de que o próprio Congresso deu a autorização para o Executivo legislar nesse caso, ao determinar que as regras do PRA fossem feitas por decreto. Outros representantes da burguesia tinham a intenção de derrubar os vetos da presidente Dilma, mas o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), disse que tem de furar uma fila de outros 2.424 vetos engavetados.
Para finalizar, com a palavra a representante oficial dos ruralistas, a senadora do PSD-TO Kátia Abreu: “Se não estou 100% satisfeita como produtora rural, me considero 100% contemplada como cidadã, pois tivemos espaço para debater e chegamos a um bom termo na legislação.”
Hinamar de Medeiros, Recife