Renúncia do Papa expõe grave crise na igreja

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O Papa renuncia e expõe a grave crise na igrejaNunca se saberá com exatidão os motivos de ordem subjetiva que levaram o octogenário papa Bento XVI à renúncia durante o Carnaval. Seria uma tarefa esotérica buscar as reais motivações subjacentes a essa decisão que – interpretada de modo superficial – revelou um gesto de humildade e de relativização do exercício do poder.

Aos 83 anos, com sua energia física e mental cada vez mais reduzida, Ratzinger recebeu elogios de quase todos os lados. Aqueles que, porém, buscam analisar a renúncia de modo objetivo e dialético, observam, nesse gesto, um componente que mostra e projeta cabalmente alguns dos reais fatores  para essa decisão pontifícia.

É inegável, em primeiro lugar, o fracasso do projeto neoconservador do Papa. Quando ele entrou no consistório, para disputar a sucessão de João Paulo II, com 50 por cento dos votos garantidos em seu favor, de acordo com fontes do próprio colégio cardinalício.

Depois da primeira ofensiva contra a Teologia da Libertação, feita por seu antecessor, Bento XVI  passou a liderar, como chefe da Igreja, a segunda ofensiva.

O seu objetivo era igual ao de seu antecessor: deslegitimar as teorias e práticas decorrentes da primeira elaboração teológica com o rosto dos indígenas, dos negros, dos trabalhadores rurais e urbanos, das mulheres, enfim do povo, das massas que continuam oprimidas nos países periféricos deste mundo.

Profundamente abalada pela migração de católicos para o indiferentismo religioso e as experiências neopentecostais, a Igreja Católica Romana continua a sofrer um abalo sísmico contínuo e profundo. O projeto eclesial da direita revelou-se tímido, com os seus movimentos-líderes (Opus Dei, Comunhão e Libertação e outros) envolvidos na luta pelo poder, entre eles e a burocracia da Cúria Romana. Numa sociedade altamente impactada pelo referencial das novas tecnologias da informação e da comunicação, a Igreja tentou o impossível: conciliar as formas e os métodos da Cristandade com o modus operandi da pós-modernidade.

O quadro da crise é completado com o uso do espaço e dos instrumentos de poder do Vaticano para fins espúrios, tais como a lavagem de dinheiro e outros crimes.

Diante de tudo isto, as cartas estão lançadas. Mas o diagnóstico parece ser esse: do ponto de vista político e sociológico, somente a reabertura de espaços plurais pode aliviar a atual crise da Igreja.

Dermi  Azevedo
Jornalista e cientista político com tese sobre “Igreja e Democracia. A Democracia na Igreja”.