No último dia 15 de março, em ato realizado na Universidade de São Paulo (USP), o Governo do Estado retificou formalmente o atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog (ver A Verdade nº112), assassinado pela Ditadura Militar em 25 de outubro de 1975. A correção corresponde à execução da sentença do juiz Márcio Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, que acatou pedido da viúva do jornalista, Clarice Herzog. Ao invés da versão falsificada de suicídio, agora consta no atestado: “A morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do 2º Exército – SP (DOI-Codi)”.
A ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que entregou à família o novo documento, disse que o antigo atestado de óbito “foi escrito pela caneta dos que tinham o poder”. Para o filho de Vlado, Ivo Herzog, o reconhecimento por parte do Estado pela morte de seu pai “significa enterrar um documento mentiroso que nos humilhava”.
O Estado brasileiro foi denunciado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em março de 2012, por não apurar as circunstâncias da morte do jornalista (já rejeitada a tese de suicídio), bem como punir os culpados. O Governo Federal, por sua vez, defendeu-se com base na Lei da Anistia, que impede punições aos agentes estatais responsáveis pela repressão.
Sendo assim, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, baseada em jurisprudência da Corte Interamericana, que estabelece como inadmissíveis disposições de anistia destinadas a impedir a investigação e a punição dos responsáveis por violações de direitos humanos, como a tortura, execuções sumárias, prisões e desaparecimentos forçados, anunciou oficialmente, em janeiro deste ano, que vai abrir investigação por conta própria para apurar os fatos e os responsáveis pelo assassinato.
Um novo marco jurídico pode estar sendo aberto no tocante aos crimes da Ditadura Militar no Brasil. “Essa decisão não favorece só a minha família. Beneficia muitas famílias que vivem situações semelhantes”, afirmou Ivo Herzog.
Jornalistas perseguidos, torturados e mortos
“O direito à informação foi violentado de forma brutal na Ditadura, com prisões, empastelamento de jornais, exílio e a morte de muitos companheiros jornalistas”, atestou Rose Nogueira, integrante da Comissão Nacional da Verdade dos Jornalistas, após assinar convênio de cooperação com a Comissão Nacional da Verdade (CNV), no último dia 25 de março. A Comissão foi criada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) no Congresso da categoria, em Rio Branco, no Acre, em dezembro passado.
Rose Nogueira (ver A Verdade nº 125) é ainda diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais (SP). Fazia parte da equipe de redação dirigida por Vladimir Herzog na TV Cultura, na ocasião em que foi assassinado.
Fazem parte ainda da Comissão os jornalistas Audálio Dantas (presidindo os trabalhos), ele que era presidente do SJSP há época da morte de Vlado e que foi também presidente da Fenaj e deputado federal; Carlos Alberto Oliveira, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Município Rio de Janeiro; Nilmário Miranda, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, ex-deputado federal, ex-ministro dos Direitos Humanos e atualmente membro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça; e Sérgio Murillo de Andrade, diretor e ex-presidente da Fenaj. Até agora, foram confirmados os nomes de 16 jornalistas desaparecidos, mas há informações de outras investigações que apontam um total de 25 jornalistas mortos.
O livro “Direito à Memória e à Verdade”, lançado em 2007 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, traz registrados, como jornalistas, 16 companheiros que tombaram na luta contra o regime militar e que são considerados desaparecidos políticos. São eles:
- EDMUR PÉRICLES CAMARGO
- HIRAN DE LIMA PEREIRA
- JAYME AMORIM DE MIRANDA
- JOAQUIM CÂMARA FERREIRA
- JOSÉ ROBERTO SPIEGNER
- LINCOLN CORDEIRO OEST
- LUIZ EDUARDO DA ROCHA MERLINO
- LUIZ GHILARDINI
- LUIZ IGNÁCIO MARANHÃO FILHO
- MÁRIO ALVES DE SOUZA VIEIRA
- NESTOR VERA
- ORLANDO DA SILVA ROSA BONFIM JÚNIOR
- PEDRO VENTURA FELIPE DE ARAÚJO POMAR
- RUI OSVALDO AGUIAR PFÜTZENREUTER
- THOMAZ ANTÔNIO DA SILVA MEIRELLES NETTO
- WÂNIO JOSÉ DE MATTOS
A Verdade destaca a história de alguns destes jornalistas que, seja na imprensa comercial, alternativa ou partidária, combateram pela liberdade de expressão, pela derrubada da Ditadura Militar e pelo socialismo.
JAYME AMORIM DE MIRANDA
Nascido em 18 de julho de 1926, em Maceió, Alagoas, além de jornalista, foi advogado e sargento do Exército. Membro do Comitê Central do PCB, chegando a ocupar sua Secretaria de Organização. Era casado e pai de quatro filhos. Trabalhou no jornal A Voz do Povo, na Capital alagoana, até ser preso, e como tradutor clandestino de várias publicações importantes do Rio de Janeiro e São Paulo, já que era poliglota. Viajou várias vezes à União Soviética para cumprir tarefas partidárias e para tratamento da saúde. No dia 04 de fevereiro de 1975, deixou sua casa pela última vez e desapareceu. Há dúvidas se foi morto em São Paulo, Capital, ou no interior do Estado, e há relatos de que seu corpo teria sido jogado ao mar.
JOAQUIM CÂMARA FERREIRA
Nascido em 05 de setembro de 1913, em Jaboticabal, São Paulo, era mais conhecido pelo codinome Toledo, tendo assumido o comando da Ação Libertadora Nacional (ALN) após a morte de Carlos Marighella, em novembro de 1968. Foi um dos dirigentes do sequestro do então embaixador dos EUA no Brasil Charles Burke Elbrick, em fevereiro de 1969, resultando na libertação de 15 presos políticos de diversas organizações (ver os filmes O que é isso, companheiro? e Hércules 56). Antes, foi diretor de diversas publicações do PCB, até ser preso e torturado no Estado Novo de Getúlio Vargas. Depois disso, concentra sua atuação entre os trabalhadores ferroviários. É preso, antes do golpe de 1964, quando realizava palestra para os operários de São Bernardo do Campo sobre a importância da imprensa na luta pelas Reformas de Base propostas pelo presidente João Goulart. Anos depois, já na clandestinidade, foi novamente preso e morto, sob torturas, no mesmo dia, 23 de setembro de 1973, a partir do que não se tem mais registros sobre seu corpo.
LUIZ IGNÁCIO MARANHÃO FILHO
Nascido em 25 de janeiro de 1921, em Natal, Rio Grande do Norte, também atuou como advogado, professor universitário e chegou a se eleger deputado estadual em seu Estado, em 1958. Seu irmão, Djalma Maranhão, era prefeito da Capital potiguar quando da deposição de Jango em 1964. Colaborou com diversas publicações impressas, especialmente para o Diário de Natal e a Revista Civilização Brasileira. Preso e torturado, em 1952, na Base da Aeronáutica de Natal. Viajou a Cuba juntamente com Francisco Julião, das Ligas Camponesas, pouco antes do golpe de 1964, para se encontrar com Fidel Castro. Após seu regresso, foi preso e levado à Ilha de Itamaracá, com seu irmão e o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, ambos com mandatos cassados. Solto, cai na clandestinidade e se fixa no Rio de Janeiro. Em maio de 1974, é morto nas dependências do DOI-Codi/RJ, estando seu corpo desaparecido até hoje.
MÁRIOS ALVES DE SOUZA VIEIRA
Nascido em 14 de junho de 1923, em Sento Sé, Bahia. Iniciou sua militância política aos 16 anos. Foi um dos fundadores da União dos Estudantes da Bahia e participou ativamente da vida da UNE durante o Estado Novo. Chegou a se formar no curso de superior de Letras, em Salvador. Em 1957, é eleito para o Comitê Central do PCB, dirigindo organismos do Partido nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Como jornalista, dirigiu os jornais Novos Rumos e Imprensa Popular. Já na clandestinidade, ficou preso por um ano pouco depois do golpe de 1964. Em 1968, formalizou sua dissidência com a linha de Prestes e do PCB, organizando o PCBR, junto com o histórico dirigente Apolônio de Carvalho. No dia 16 de janeiro de 1970, saiu de casa, à noite, e não mais voltou. Morreu no dia seguinte, nas dependências de um quartel do Exército na Rua Barão de Mesquita, na Capital Rio de Janeiro. Foi brutalmente espancado e empalado até a morte no pau-de-arara. Do seu corpo não se tem notícias. Sua esposa, Dilma Borges Vieira, foi uma das precursoras do movimento dos mortos e desaparecidos.
Rafael Freire,
presidente do Sindicato dos Jornalistas da Paraíba