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sábado, 21 de dezembro de 2024

A ditadura caiu pela força das ruas

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audalio_dantasAudálio Dantas nasceu, há 85 anos, no pequeno município de Tanque d’Arca, no Agreste de Alagoas, que hoje tem pouco mais de seis mil habitantes. Do berço, conservou as imagens da vida difícil do nordestino, e se transformou num dos principais jornalistas brasileiros a viver e trabalhar em São Paulo. Foi premiado pela ONU por uma série de reportagens sobre o Nordeste publicadas na extinta revista Realidade e tem ainda em seu currículo profissional obras de referência para o jornalismo brasileiro, como Tempo de reportagem.

Foi também presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo à época do assassinato do jornalista Vladimir Herzog (25 de outubro de 1975) e, posteriormente, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o primeiro a ser eleito pelo voto direto, mostrando, assim, que o povo brasileiro tinha o direito de eleger seus representantes. Por sua coragem e coerência política, foi eleito deputado federal constituinte pelo MDB de São Paulo. Atualmente se dedica à revista Negócios da Comunicação e à Comissão Nacional da Verdade dos Jornalistas. Também foi vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

No fim de 2013, ganhou o mais importante prêmio literário do Brasil, o Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, na categoria Reportagem e como Livro do Ano (Não Ficção). Sua obra As Duas Guerras de Vlado Herzog – Da perseguição nazista à morte sob tortura no Brasil traz um relato vibrante e direto da vida do jornalista nascido na Iugoslávia e naturalizado brasileiro, abrindo um capítulo à parte na historiografia da ditadura militar acerca da relevância da denúncia realizada pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo para que esse crime não fosse silenciado. É sobre esta história que Audálio concedeu entrevista exclusiva a A Verdade.

A Verdade – Conte-nos o que o levou a escrever As Duas Guerras de Vlado Herzog.

Audálio Dantas Foi um processo curioso. Ao mesmo tempo em que havia o bloqueio, eu me sentia como que obrigado a pagar a dívida que tinha comigo mesmo. A decisão de fazê-lo me trouxe, de pronto, um alívio. Foi o bastante para que eu iniciasse a organização dos documentos que tinha guardado e relacionasse as fontes que deveria consultar, as entrevistas que deveria fazer. Com isso, fui descobrindo que a parte principal da história que eu tinha a contar estava registrada na memória. Faltava, apenas, ajustar datas, nomes, locais. Parti então para o plano do livro. A ideia era tratar dos dois tempos vividos pelo Vlado – a infância, sob o terror do nazismo, e a juventude e a formação no Brasil, até a fase adulta, sua atuação no jornalismo e na vida cultural do país, no qual enfrentaria outra guerra, a que lhe custou a vida. A parte central do livro é a reconstituição dos fatos que levaram à morte de Vlado, tendo como pano de fundo a ditadura militar. Dei o devido destaque ao papel desempenhado pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, de onde partiu a denúncia do assassinato. Sem essa denúncia o Vlado seria apenas mais uma vítima. Quanto ao pesadelo, revivi-o ao contar os dias de terror que antecederam e sucederam ao seu assassinato. Foi a história contada de dentro para fora, por quem a viveu.

 Além de recompor um capítulo da história da resistência à ditadura militar, você também concebeu esta obra como um material de agitação pelo direito à memória, verdade e justiça? Minha principal preocupação era exatamente a de recompor o capítulo que marcou o início da queda da ditadura. Muito do que havia sido escrito sobre o episódio estava incompleto, com informações erradas ou com omissões graves, como a do papel do Sindicato dos Jornalistas. Considero que o meu livro contribui para o estabelecimento da verdade dos fatos. Mais do que isso, é um documento que traz uma contribuição para o debate sobre o período do regime militar e os crimes cometidos nele. A Comissão Nacional da Verdade e as comissões que foram constituídas pela sociedade civil para apurar esses crimes, como a dos Jornalistas Brasileiros, são instrumentos importantes para a busca de esclarecimento dos abusos cometidos contra os direitos humanos. A tortura, por exemplo, que constitui crime imprescritível.

Que papel você atribui às organizações de classe (partidos, sindicatos, entidades estudantis etc.) para a derrota moral e política do regime militar?

A ditadura conseguiu, por meio do arbítrio total, como a decretação do Ato Institucional nº 5 e uma brutal repressão, manter o controle das entidades representativas dos diversos setores da sociedade. Até que se chegou ao ponto de ruptura, como aconteceu no caso Herzog, quando a consciência nacional levou a uma reação que envolveu sindicatos, organizações políticas e estudantis. O movimento operário, depois amplos setores da classe média, se organizou, o que resultou em movimentos de massa sem precedentes no país, como as campanhas pelas eleições diretas e pela anistia. A ditadura caiu pela força das ruas.

Como você define Vladimir Herzog?

Vlado era, essencialmente, um homem de cultura. Como jornalista, entendia que a informação é um direito dos cidadãos e como tal deve refletir a verdade dos fatos. O jornalista deve, antes de tudo, ter responsabilidade social. Vlado desprezava slogans. A verdade, para ele, dispensava o panfleto.

Qual a sensação de vencer o principal prêmio literário do Brasil com uma obra que é um chamado à rebeldia, uma denúncia dos crimes até hoje impunes cometidos pela ditadura militar?

Entendo que a história contada em profundidade, mas em linguagem direta, com a marca do jornalismo, constituiu o principal fator para a premiação do livro. A concessão do Jabuti na categoria máxima, a de Livro do Ano de Não Ficção, e do Juca Pato – Intelectual do Ano me surpreenderam. Eu tinha consciência da importância do meu trabalho, mas, ao mesmo tempo, considerava difícil que ele fosse assim reconhecido, pois tinha sido praticamente ignorado pela grande mídia. Posso afirmar que o livro foi reconhecido pelo boca a boca, graças à internet. E, a despeito de ignorado nas chamadas colunas literárias, terminou caindo nas mãos das comissões julgadoras, que o “descobriram”.

Rafael Freire, João Pessoa 

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