Assim como a luta da reforma sanitária, nos anos 1970 e 1980, trouxe a bandeira do fim do modelo centrado no hospital, a reforma psiquiátrica tem como principal luta a desinstitucionalização na saúde mental, ou seja, a retirada dos doentes do isolamento social causado pela internação em hospitais psiquiátricos. A efetiva reintegração dos doentes mentais graves na comunidade é uma tarefa a que o Sistema Único de Saúde (SUS) vem se dedicando com especial empenho nos últimos anos.
O Serviço de Residência Terapêutica (SRT), assim como os programas governamentais “De Volta pra Casa”1 e o Programa de Reestruturação dos Hospitais Psiquiátricos, vem concretizando as diretrizes de superação do modelo de atenção centrado no hospital psiquiátrico. As residências terapêuticas constituem-se numa alternativa de moradia para um grande número de pessoas que estão internadas há anos em hospitais psiquiátricos e que, ao sair, não têm um suporte adequado na comunidade, muitas vezes sendo abandonadas pelas suas famílias.
A luta pela desinstitucionalização
Em uma visita ao Brasil na década de 1950, Franco Basaglia, precursor do movimento de reforma psiquiátrica italiano (conhecido como Psiquiatria Democrática), afirmou que os manicômios brasileiros lembravam um “campo de concentração”. A partir da década de 1970, com o surgimento do movimento da reforma psiquiátrica no Brasil, começou-se a discutir o modelo assistencial limitado à internação em asilos manicomiais, com função segregadora, que se mostrava muito mais alienante do que ressocializador e reabilitador. O movimento, formado a princípio por profissionais da área da saúde mental, teve a adesão de usuários do SUS e seus familiares. O movimento se caracterizou por iniciativas políticas, sociais, culturais, administrativas e jurídicas, que visavam à transformação da relação da sociedade com os portadores de transtorno mental, da instituição e do setor psiquiátrico, e das práticas estabelecidas séculos antes para lidar com esses indivíduos.
Em 2006, o jornal O Estado de S. Paulo editou uma matéria bastante polêmica, com o título “Hospital de Pernambuco é a cidade dos loucos”, referindo-se ao Hospital José Alberto Maia, localizado no Município de Camaragibe, na qual denunciava os maus-tratos e abusos sofridos por seus pacientes. “Os pacientes que sobreviviam naquele lugar inóspito dormiam pelo chão sobre papelões, as paredes eram sujas com fungos e vários pacientes se encontravam debilitados, apresentavam doenças respiratórias e de pele”.
O hospital teve suas portas fechadas para a entrada de novos pacientes em 2002, e o processo de desinstitucionalização se iniciou em 2010, unindo os esforços das esferas federal, estadual e municipal. No total, 536 pacientes foram transferidos da unidade. Destes, 48% foram para centros de desinstitucionalização localizados em Aldeia, também em Camaragibe, 25% foram para outros hospitais psiquiátricos e 20% foram para residências terapêuticas (Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, 2010). O objetivo era diminuir o índice de óbitos no local, melhorar a assistência e acelerar o encaminhamento dos pacientes para outros serviços de referência ou possibilitar o retorno ao convívio familiar.
A reforma psiquiátrica hoje
Diante do processo de reforma psiquiátrica, a desinstitucionalização por meio do Sistema de Residência Terapêutica (SRT) é a ferramenta precursora no processo de reabilitar e reintegrar os pacientes egressos dos manicômios judiciários e hospitais psiquiátricos. É por meio deles que ocorre o processo de reinserção dos egressos dos hospitais psiquiátricos e manicômios dentro da comunidade. O olhar em busca de um novo horizonte permite que o morador da Residência Terapêutica restabeleça alguns vínculos, com outros moradores e com o cuidador, que é o mediador desse novo processo.
Desde a construção dos SRTs geridos na cidade do Recife e com a introdução das Organizações de Saúde (OSs), funcionários relatam abusos e assédio moral. Consequentemente, para o assediado ocorrem várias perdas, entre elas: perda de motivação, criatividade, capacidade de liderança; aumento da ansiedade, insegurança, depressão, entre outras doenças; aumento das doenças profissionais e acidentes de trabalho; dificuldade de se manter empregado. Esse é o reflexo da saúde mental na cidade do Recife, que privatiza seus serviços sob a alegação de que a iniciativa privada pode complementar os serviços de saúde.
O objeto da desinstitucionalização começa mostrando que se faz necessário quebrar os moldes conhecidos e estabelecer novas práticas, promovendo a articulação dos envolvidos, com um modelo de Gestão Participativa da Saúde. Uma gestão participativa na Atenção Psicossocial envolve todos os seus atores: cuidadores de residência terapêutica, redutores de danos, técnicos de referência e moradores das residências terapêuticas e equipe dos Centros de Assistência Psicossocial (Caps).
Os desafios postos trazem a necessidade de ampliar o diálogo, o cuidado e as intervenções relacionadas com o cuidador, garantindo boas condições de trabalho, o fim do assédio moral sofrido e a vinculação direta desses profissionais com o Estado, pondo fim às OSs. Assim, será possível garantir um bom desenvolvimento deste trabalho de reintegração dos doentes à sociedade.
Nayara Silva, Pernambuco
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