A luta das mulheres pela liberdade na Colômbia

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ColombiaCatalina Revollo é uma jovem psicóloga colombiana que cursou mestrado e doutorado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu estudo é sobre mulheres colombianas vítimas do “desplazamiento” (“deslocamento”, termo que designa os camponeses que migraram forçadamente de suas terras devido à guerra civil) e está sendo publicada na íntegra em espanhol na Revista da UFRJ.

A Verdade – Fale um pouco sobre sua trajetória de vida.

Catalina Revollo – Ao entrar na faculdade de Psicologia, em 1998, me inquietava a situação da chegada massiva de camponeses ‘desplazados às cidades, a criação da legislação especial para sua atenção e as tomadas dos espaços públicos e privados feitas por alguns grupos de vítimas que tinham tombado espaços urbanos (como o campus da Universidade Nacional e o prédio da Cruz Vermelha Internacional). Este fato me levou a fazer minha primeira prática de pesquisa com a população vítima do desplazamiento.

Depois de trâmites burocráticos na faculdade, exigidos para este tipo de prática pelo risco que representava, consegui ir morar e trabalhar no Caribe colombiano. Um povoado simples onde implementei, em 2002, junto com outros 60 companheiros em todo o país, o Programa Computadores para Educar, do Ministério da Educação e do Ministério das Comunicações. A experiência nesse local me mostrou bem de perto a realidade dos camponeses colombianos e o dia a dia deles em meio ao conflito social, político, econômico e armado. Estava conhecendo outra região do meu país, outro lado e outro tempo do conflito. Esta experiência marcou minha trajetória. A situação do meu país sempre esteve presente nas minhas pesquisas e militância política, mesmo depois da graduação.

Em março de 2009, ingressei no mestrado de Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social. O projeto que defendi na qualificação tinha como título Análise dos testemunhos de mulheres deslocadas vítimas da migração forçada na Colômbia. Em 2011, ingressei no doutorado, concluindo a tese chamada: Traduzindo testemunhos de mulheres vítimas do desplazamiento na Colômbia”, aprofundando a temática desenvolvida no mestrado.

Quais os motivos da escolha deste tema para sua tese de doutorado?

O desplazamiento na Colômbia é um fenômeno de migração interna forçada extremadamente complexo, com múltiplas causas e várias modalidades, e representa uma situação crítica para a região, tendo a taxa mais alta de migração forçada do Ocidente e uma das mais elevadas do mundo. O fenômeno afeta a todos os setores da população colombiana, predominantemente o setor rural e áreas populares das grandes cidades, mas os efeitos são mais severos sobre alguns grupos vulneráveis, afetando de maneira diferenciada as mulheres, crianças, comunidades indígenas e afro-colombianas.

As mulheres são mais da metade da população vítima do desplazamiento na Colômbia; muitas delas assumem a manutenção total do lar, partindo para a economia informal e construindo redes de apoio entre a população vitimada, articulando uma luta política para reivindicar seus direitos. São as mulheres que se tornaram militantes do Movimento de Vítimas do Desplazamiento que inspiram o desenvolvimento do meu trabalho. A militância que essas mulheres têm empreendido pelo reconhecimento, a reparação, o retorno e o melhoramento do nível de vida em seu cotidiano está ligada à construção da memória do conflito político, social, econômico e armado: narram o que lhes tem acontecido no país. Sou uma mulher migrante colombiana comprometida em divulgar a situação do meu país, porque, como bem sabemos, a internacionalização da luta ajuda as nossas companheiras e companheiros na Colômbia; ajuda a proteger suas vidas.

Movimentos como o Primeiro Foro Internacional pela Paz da Colômbia, na cidade de Porto Alegre, em 2013, e o segundo, na cidade de Montevidéu, em 2015, são muito importantes. Somos muitos os estudantes colombianos de pós-graduação desenvolvendo mestrados e doutorados em solo brasileiro, em diversas áreas do conhecimento. Também há estudantes brasileiros trabalhando com a situação colombiana nas universidades brasileiras. Sendo assim, evoco as palavras do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica no fechamento do último Foro Internacional pela Paz da Colômbia, feito em Montevidéu: “A paz na Colômbia é uma causa de todos os latino-americanos”.

Você esteve no Encontro Nacional do Movimento Olga Benario, em Recife, apresentando um pouco de sua tese de mestrado. Quais os desafios e os avanços para chegar ao doutorado?

A experiência no Encontro Nacional do Movimento Olga Benario foi única. Estar em meio a mulheres guerreiras que viajaram de todo o Brasil para o encontro, procurando a reivindicação da luta popular para toda a sociedade brasileira e latino-americana. Nossa luta anticapitalista, feminina e popular é nutrida pela troca das experiências das lutas nos diferentes Estados brasileiros e na luta das mulheres da América Latina. Compartilhar o trabalho da pesquisa nesse encontro me levou a desenvolver importantes questões no andamento da pesquisa para a tese do doutorado, tais como a problemática da tradução dos fatos acontecidos na Colômbia para o contexto brasileiro.

Deixe aqui uma mensagem para as aguerridas mulheres da América Latina, exemplos de coragem e luta.

Acho pertinente deixar a mensagem literal que uma mulher de 18 anos, vítima do desplazamiento, deixou durante a elaboração da pesquisa, precisamente o último parágrafo que fecha todo o texto da tese: “Gostaria de dizer uma coisa, fazer um chamado a todas as mulheres, não somente as colombianas, mas as do Brasil, Chile, Venezuela… todo o mundo sabe o que está acontecendo, então é importante fazer um chamado, que toda essa gente que ainda está metida nesse círculo do capitalismo, que não abriu sua mente, fazer um chamado à leitura e ao estudo da nossa história para que não se repita”.

Agradeço profundamente o convide para compartilhar com A Verdade a trajetória do meu trabalho. É uma honra pela contundência política que esta publicação representa. Admiro e respeito muito sua trajetória e trabalho. Também agradeço ao Movimento Olga Benario. Vocês são exemplo de luta numa sociedade machista e capitalista que precisa ser constantemente questionada e transformada.

Fátima Magalhães, Porto Alegre