Em uma reunião da Coordenação da Ocupação Lanceiros Negros, conversamos sobre o Minha Casa, Minha Vida. Comentei que o programa tinha dado acesso à moradia para algumas pessoas, mas que não era o suficiente. De fato, o Brasil ainda está longe de garantir moradia digna para todos àqueles e àquelas que nele residem e trabalham. De acordo com dados oficiais, 12% da população vive sem as mínimas condições. Isso corresponde a 7 milhões de famílias. Após falar isto, levei uma resposta à altura, ou uma verdadeira lapada, como dizemos por aqui.
Uma companheira respondeu: “o Programa Minha Casa, Minha Vida deu acesso à casa só pra quem tem dinheiro. Eu não consegui pagar as prestações com o meu salário de terceirizada”. Estava ali, diante de nós, a verdade, nua e crua.
Este é um exemplo emblemático que mostra o quanto o verdadeiro conhecimento vem da experiência. Hoje, as políticas habitacionais e as cidades são formuladas de cima e de fora, não levam em consideração a realidade e a opinião daqueles e daquelas que literalmente constroem a cidade. E este será um grande desafio para a formulação de cidades menos excludentes. Acredito que um bom “primeiro passo” para vencermos tal desafio seja mirarmos exemplos de resistência e organização popular que ocorrem nas cidades brasileiras.
Em Porto Alegre, a Ocupação Lanceiros Negros é um desses exemplos. A Ocupação vem resistindo há três meses em um dos bairros com o mais alto metro quadrado da cidade. Próximo à Ocupação, encontra-se o Palácio Piratini, sede do Poder Executivo do Rio Grande do Sul (ou, em outras palavras, atual covil do PMDB). Esta pequena distância é muito simbólica. Quantas vezes os moradores da Ocupação já se pegaram pensando: “Como tudo seria se nós estivéssemos lá no Piratini, mandando na situação?”.
Nos primeiros meses, nosso principal desafio era ter uma noite tranquila de sono. A maioria de nós não dormia, cumprindo as devidas tarefas de segurança pois a polícia (Brigada Militar e Batalhão de Operações Especiais – BOE) estavam sempre em frente à Ocupação, ligando sirenes, passando em viaturas em alta velocidade, cantando pneus, tentando amedrontar adultos e crianças. Lembro bem de um camarada que disse: “Desculpa, não vamos ficar. Eu tenho muito medo”. Conversamos, compreendemos, mas mal sabia a polícia que a grande maioria das famílias de alguma forma acostumou-se com a truculência da polícia. Não a temem e já viram muitas vezes a Brigada Militar sair de fininho do morro. Muitos da Ocupação já entenderam que os brigadianos também tem medo. Medo do povo organizado.
Pois o povo da ocupação se organizou e fomos bater na porta de um outro vizinho, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, a cerca de uma quadra da Ocupação. Lá, ocorreu uma audiência pública com diversas ocupações. Denunciamos as ações da polícia, e ao sairmos, fomos surpreendidos por diversos policiais que nos repreenderam. O episódio foi parar na mídia e houve uma pressão popular grande para divulgar a ação da polícia contra crianças e adolescentes no centro da cidade. Aos poucos, a polícia parou de nos incomodar em frente à Ocupação.
Foi uma pequena vitória, mas só demonstra o quanto só conseguiremos conquistar o nosso principal objetivo, que é derrubar todas as formas de injustiça e opressão que existem, se estivermos bem unidos. Diz o provérbio popular que “a união faz a força”. Repetimos isto exaustivamente, mas poucos, no sistema capitalista, sentem ou já sentiram isto. Poucos sabem de fato o que é conquistar algo através da unidade, mas na ocupação Lanceiros Negros já sabemos que este é o único caminho.
E será através da união que conseguiremos vencer o último desafio imposto às trabalhadoras e aos trabalhadores da Ocupação: manter uma creche exemplar no centro da cidade de Porto Alegre. Ao longo destes três meses, tanto moradores da Ocupação quanto apoiadores próximos apresentaram dificuldades em matricular crianças nas creches da redondeza. Faltam vagas. E deixar os filhos em um ambiente acolhedor é necessário para liberar homens e mulheres para o estudo e o trabalho. É por isso que a Coordenação da Ocupação Lanceiros Negros decidiu iniciar a campanha pela organização da Creche Valdete Guerra, nome dado em homenagem à companheira Valdete do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas de Natal, falecida em 2011. Valdete Guerra sempre será lembrada como uma verdadeira revolucionária que lutou pelo fim da exploração do homem pelo homem, fim do capitalismo. Que lutou por um País mais justo. E é este exemplo que queremos seguir.
Com a creche Valdete Guerra, os lanceirinhos e as lanceirinhas da Ocupação terão condições de desenvolver-se socialmente, conviver com outras crianças e estar em um ambiente seguro de aprendizagem. Estamos buscando padrinhos e madrinhas para tornar este projeto uma realidade. Se você quiser apadrinhar a creche Valdete Guerra, entre em contato com o MLB-RS através de nossas páginas no facebook (facebook.com/LanceirosNegrosRSMLB ou procure MLB-Rio Grande do Sul).
AJUDE-NOS A CONSTRUIR A CRECHE VALDETE GUERRA! SEJA PADRINHO/MADRINHA DESTE PROJETO!
Redação Rio Grande do Sul.