No ano de 2013, uma proposta apelidada de Reforma do Ensino Médio foi colocada em discussão com a intenção de encontrar uma solução para o segmento da educação que apresenta mais problemas – o ensino médio. A proposta foi engavetada pelo congresso e manteve-se assim até o dia 22 de setembro de 2016, quando o Ministro da Educação do governo golpista, Mendonça Filho, enviou a proposta para ser aprovada com uma canetada pelo presidente Michel Temer.
MP para fugir do debate
Como a reforma é rejeitada por ampla maioria da população, foi tomada uma decisão que reforça o caráter autoritário do governo golpista. Já são mais de 500 emendas apresentadas por deputados e, no site do senado, uma consulta pública já registra mais de 60 mil votos (95%) contrários e apenas 3 mil (5%) favoráveis. Essa é a prova de que não vai ser fácil destruir a educação com mais um golpe.
Por que reformar?
Segundo dados do MEC, a educação brasileira vai mal e a educação pública vai ainda pior. Mas se destrincharmos um pouco mais, separando-a por blocos (ou ciclos), veremos o ensino médio com os maiores índices de reprovação (11,5%) e abandono (6,8%). E a roda da história mostra que o que não evolui é substituído.
Aí vem a “boa intenção” do governo em dar solução para um anseio de um país que nunca viu sua educação funcionar. Antes da ditadura, a educação era privilégio de poucos. Para responder a necessidade de aumentar o grau de formação da população, a escola foi popularizada ao mesmo tempo em que era precarizada. Hoje temos, pela lei, a garantia da educação básica para todas as crianças e jovens, ao mesmo tempo em que grande parte termina os estudos sem alcançar o nível básico de conhecimento.
O que diz a MP
Sob o título “Política de Fomento à Implementação do Ensino Médio em Tempo Integral”, são propostos alguns pontos principais:
– Aumentar a carga horária de 800 para 1.400 horas.
– A divisão do ensino médio em cinco áreas de conhecimento: linguagens, matemática, ciências naturais, humanas e formação técnica.
– Currículo voltado para a construção de um projeto de vida e formação cognitiva.
– Obrigação apenas da matemática e línguas inglesa e portuguesa.
– Organização em módulos e sistema de créditos.
– Aulas dadas por profissionais de “notório saber”.
– Recursos por quantidade de alunos para escolas que se tornarem de tempo integral e que adotarem o projeto político pedagógico da MP.
O que realmente vai acontecer
Escolas de tempo integral serão criadas seguindo um único critério: receber mais verbas. Para isso, as escolas terão salas superlotadas, aumentando o rendimento financeiro de cada unidade. Professores e coordenadores serão pressionados a garantir que o estudante não abandone a escola para não perder dinheiro. Isso já acontece com estudantes que têm alguma deficiência e são obrigados a frequentar a escola comum, sob a desculpa de inclusão social, só para garantir verba extra ao estado.
O governo diz que vai investir R$ 1,5 bilhão até 2018 para atender 500 mil estudantes. Façamos as contas: R$ 1,5 bilhão dividido por 500 mil dá R$ 3 mil por estudante em dois anos (até 2018) ou R$ 1.500 por ano. Dividido por 12 meses, serão R$ 125 por mês. A pergunta é: esse dinheiro muda o futuro de um estudante?
A tal liberdade para estudar o que gosta vai ser só ilusão. Os estados poderão oferecer apenas uma área se quiserem e as unidades serão divididas por área, com isso estudantes serão separados dos colegas e poderão ter que se deslocar por longas distâncias para achar a área que gostam ou aceitar a área que será oferecida na escola, isso se tiver vaga. Quem não se lembra do Chris, do famoso seriado em que ele é o único negro da escola?
Matérias essenciais para o pensamento crítico e aquelas que exigem mais investimentos em infraestrutura serão excluídas. Mas os estudantes saberão se comunicar em inglês! Como somos um país do progresso, teremos analfabetos funcionais em inglês.
E a precarização da categoria será levada ao limite, já que diploma será enfeite e qualquer pessoa poderá dar aula, abrindo espaço para a corrupção no reconhecimento do “notório saber”, além da contratação de forma semelhante ao PJ no jornalismo e design.
A reforma que queremos
É fato que a escola afasta o estudante, que o ensino é chato, etc., e que precisamos de uma reforma urgente, mas não com a forma e conteúdo dessa MP. Antes de qualquer coisa, a educação só vai melhorar com o aumento do investimento e o Governo já anunciou cortes na verba da educação.
Professores desvalorizados, adoecidos e desmotivados, junto a uma escola sem infraestrutura (65,5% não tem quadra de esportes), semelhante a um presídio, sem considerar a comunidade em que está envolvida, jamais terá um ensino de qualidade.
Desde a década de 1930, com o movimento pela “Escola Nova”, que se buscam melhorias no ensino básico. Paulo Freire deu várias contribuições, sendo preso e expulso do país. Após a redemocratização, a LDB e os PCN foram aprovados seguindo modelos importados; agora querem uma reforma nos moldes americanos, como se o sonho americano não tivesse virado um pesadelo. A educação brasileira só terá melhorias com alto investimento e aplicação de uma concepção pedagógica construída sobre a realidade nacional e local.
“Na escola de samba aprende a sorrir/ aprende a sofrer/ aprende a sambar/ mas não sabe ler, doutor, seu destino qual será?” (Garoto de pobre – Geraldo Filme).
Lucas Marcelino, professor da rede estadual de São Paulo e militante do MLC