Criado pela Constituição Federal de 1988, o sistema de seguridade social brasileiro é o maior da América Latina. Somente a previdência urbana e rural atendem hoje aproximadamente 30 milhões de famílias (cerca de 90 milhões de pessoas). Desse total, dois terços recebem apenas um salário mínimo por mês de aposentadoria.
É a cobertura dada pela Previdência Social que faz com que a população idosa brasileira em condição de pobreza seja inferior a 10%. Sem isso, esse percentual seria de mais de 70%.
Apesar disso, governo e patrões, com auxílio dos grandes meios de comunicação, estão empenhados em fazer uma nova “reforma” na Previdência, cujo objetivo não é outro senão economizar o máximo de recursos a fim de garantir o pagamento religioso da dívida pública e abrir mercado para a previdência privada.
A mentira do rombo na Previdência
A estratégia do governo de desmonte da Previdência começou com a extinção do Ministério da Previdência Social e sua fusão com o Ministério da Fazenda. Dessa forma, a questão passou inteiramente às mãos dos banqueiros que comandam as finanças do país.
Em seguida, uma campanha midiática de massas foi posta em andamento para convencer a população de que a reforma era necessária para “garantir o amanhã”. Entrou em cena um batalhão de especialistas, professores, economistas, analistas e comentaristas, mobilizados dia e noite para criticar os supostos rombos na Previdência de R$ 85,8 bilhões em 2015, R$ 56,7 bilhões em 2014, R$ 51,2 bilhões em 2013, R$ 42,3 bilhões em 2012, R$ 36,5 bilhões em 2011 e R$ 44,3 bilhões em 2010. Estava aí a causa dos problemas nas contas públicas do país.
Tudo mentira. Puro bode expiatório. Na realidade, não existe déficit na Previdência. Se forem consideradas todas as receitas previstas na Constituição, o saldo na Previdência é positivo e suficiente para financiar todos os gastos do Governo Federal com aposentadorias, pensões, saúde e assistência social.
É isso o que explica a economista Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: “O resultado do encontro do total de receitas e despesas é amplamente superavitário, incluídos os gastos administrativos com pessoal, custeio e pagamento da dívida de cada setor. O superávit foi de R$ 56,7 bilhões em 2010, R$ 78,1 bilhões em 2012, R$ 56,4 bilhões em 2014, e R$ 20,1 bilhões em 2015, apesar das enormes desonerações tributárias realizadas nos últimos cinco anos”.
Segundo a Constituição, o financiamento da Previdência deve ser dividido entre trabalhadores, patrões e governo. Para isso, foi criado o Orçamento da Seguridade Social, no qual o governo participa com os recursos recolhidos através da Contribuição Social para o financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL).
Entretanto, desde a gestão Sarney (1985-1989), todos os governos – inclusive os do PT – vêm deixando de cumprir com essa obrigação e se apropriando indevidamente dos recursos que deveriam ser investidos na seguridade social. Dessa forma, apenas as contribuições de patrões e trabalhadores são contabilizadas como fontes de financiamento da Previdência Social.
Além disso, as desonerações fiscais concedidas às empresas geraram uma perda de arrecadação estimada em R$ 986 bilhões entre 2010 e 2014, dos quais R$ 136 bilhões deveriam ser destinados ao orçamento da seguridade social somente em 2014.
Logo, bastaria pôr fim aos desvios de receitas e às renúncias fiscais para acabar de vez com o mito da Previdência deficitária.
Outra medida seria eliminar a sonegação previdenciária das empresas e ampliar ainda mais a abrangência da seguridade social, sem ser preciso para isso aumentar o tempo de contribuição ou a idade mínima.
Se todos os trabalhadores brasileiros possuíssem carteira assinada, R$ 47 bilhões entrariam a mais nos cofres da Previdência todos os anos. O fim do pagamento “por fora” aos trabalhadores representaria mais R$ 20 bilhões. Outros R$ 8,8 bilhões seriam arrecadados com o reembolso pelas empresas das despesas com acidentes de trabalho, outros R$ 17 bilhões com a extinção do enquadramento desses acidentes como doenças comuns e R$ 13 bilhões com o fim das perdas de arrecadação por acidentes não comunicados.
Onde está o verdadeiro rombo no orçamento?
Entretanto, o governo esconde da população o verdadeiro problema das contas públicas: o pagamento de juros da dívida pública.
Somente em 2015, esses juros foram responsáveis por 80% do déficit do setor público. Ao todo, R$ 962 bilhões foram gastos com juros e amortizações da dívida, o que representa 42% do orçamento daquele ano. Apesar disso, a dívida não para de crescer e já ultrapassa os R$ 6 trilhões. Ainda em 2015, foram gastos com a Previdência Social R$ 514,4 bilhões
A dívida pública brasileira age sobre as nossas contas públicas como um câncer. O custo de juros sobre juros, as amortizações e serviços da dívida drenam cada vez mais recursos e impedem o desenvolvimento do país, além de manterem e aprofundarem a desigualdade social. É aí que está o buraco nas contas que o governo Temer não quer consertar.
Heron Barroso, Rio de Janeiro.