Precarização na Educação gera doenças e provoca ausências de professores

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Em 2008, o Congresso Nacional aprovou a chamada “Lei do Piso”, que instituiu um valor mínimo para o salário do professor e estabeleceu que um terço do trabalho deveria se dar fora da sala de aula. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a decisão, contra um recurso colocado por governadores de cinco estados, que não queriam pagar para o professor enquanto ele estava fora da aula. Mesmo assim, até hoje a grande maioria dos professores não recebe pelo trabalho de preparar aulas ou de corrigir trabalhos e provas. Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), esse trabalho realizado de graça, geralmente em casa, chega a 14 horas semanais, praticamente uma dupla jornada.

Outra situação é a criação rotineira de trabalho extra para os professores sem aumento de salário. Só nos últimos anos, professores paulistas foram obrigados a preencher um diário digital, além daquele tradicional em papel. Foram criadas avaliações externas que são obrigatórias para português e matemática, em que o professor tem que digitar as respostas de cada estudante, uma a uma. Pense quanto levaria para você digitar dez respostas de cada para mais de 240 estudantes (média para professores dessas disciplinas). Seriam 2.400 respostas digitadas, por bimestre, fora do seu horário de trabalho, sem ganhar nada, sendo pressionado pela direção até por meio de legislação. E pior, sem ver nenhuma aplicação prática dessas avaliações.

Sobrecarga de trabalho e precarização  

O número de professores temporários aumenta a cada ano. Para substituir aqueles que faltam ou pedem exoneração, o Estado recorre a uma forma de contratação precária na qual praticamente não existem direitos. O professor temporário não pode faltar, não tem direito aos mesmos benefícios e é tratado como se fosse inferior, o que se reflete na atitude dos estudantes.

Com a terceirização e a “reforma do ensino médio” aprovadas pelo governo golpista de Temer, teremos o fim dos professores concursados. Poderão ser contratados os chamados “de notório saber”, que não precisarão ter formação para a docência. Na prática, um técnico ou advogado pode virar professor depois de sair da oficina ou escritório, se provar que sabe consertar um motor ou que entende as leis do país. Mas será que sabe ensinar?

Professores terceirizados, com contratos apenas para a duração do ano letivo dominarão as escolas. Já acontece com o serviço de limpeza e merenda das escolas. Este ano, 30 escolas da Zona Norte de São Paulo ficaram sem faxina desde o mês de junho, enquanto ainda tinham um mês de aulas pela frente. Tudo porque o governo fez um contrato que acabava no meio do período de aulas. Essas escolas serão atendidas por um plano emergencial de 90 dias, em que a empresa terceirizada mandará apenas uma trabalhadora (a maioria são mulheres negras) por turno para limpar mais de 15 salas, corredores, dezenas de banheiros, etc.

Baixos salários

A rede estadual de São Paulo tem mais ausências por licença médica que as prefeituras. Isso não é coincidência, afinal, é o Estado que paga o pior salário, sem reajuste há quase quatro anos. Enquanto a inflação chegou a mais de 20%, o salário aumentou 0%. Em consequência, temos uma situação em que a maioria trabalha em duas ou mais escolas e também em duas ou mais redes de ensino. Professores e professoras que atuam na rede estadual, entram na municipal para complementar a renda ou trabalham na rede particular, em que geralmente se paga melhor.

O resultado é que na casa de um professor em que se comiam cinco quilos de arroz, agora só se comem quatro quilos. Não é compreensível que alguém entre em depressão ou passe a ter crises de ansiedade ao saber que executa a profissão mais importante e recebe os mais baixos salários a ponto de não ter certeza do seu futuro? Não criaria confusão na sua cabeça querer dar um futuro melhor para a juventude enquanto seu futuro é nebuloso?

Que escola é essa?

Por fora, a escola não se parece com uma escola. Muros em tom pastel e tristes, quando não são pichados. Acima deles emanam prédios sempre com a mesma arquitetura sombria e, na maioria dos casos, cercados de grades, arames farpados e cadeados enormes. Muitas são rodeadas por bares, avenidas com carros circulando em alta velocidade ou estão em regiões em que a violência e as drogas imperam.

Por dentro, a escola não se parece com o que deveria ser uma escola. Não existe alegria, prazer em ensinar e estudar. As grades e paredes reforçadas impedem a luz de entrar nos corredores, já as janelas das salas não têm cortinas para barrar a luz que bate na lousa ou em uma apresentação com projetor (quando este existe e está disponível). A pintura, quando existe, é nos mesmos tons frios e é proibido colar cartazes, colorir as salas e corredores ou fazer grafites.

O barulho é proibido, mesmo em salas superlotadas. Só se pode ouvir o sinal de troca de aula ou a voz da autoridade, quase sempre autoritária.

O professor é obrigado a garantir o silêncio ou pode ter sua sala invadida e sua atenção chamada pelas pessoas que deveriam ajudar – coordenação e direção. Para manter o interesse dos estudantes (e o consequente silêncio durante uma explicação) não se pode usar métodos alternativos, mais próximos da realidade da juventude. Escolas chegam a proibir trabalhos em grupo e outras têm carteiras parafusadas para que não se mude o lugar delas.

A falta de material é rotina. Há alguns anos, o governador Geraldo Alckmin mandou recolher as impressoras ou cortou a verba que garantia a manutenção. Projetores são raridade. Quando existem, são disputados e têm de ser reservados com antecedência. Resta apenas a lousa, o giz e a voz. Isso quando um integrante desse trio não falta. Muitas vezes só resta giz branco. Em outras, até o giz branco acaba. Lousas podem ser as mesmas há vinte anos, impossíveis de apagar. E a voz vai embora no meio da jornada.

Professores pagam do próprio bolso para imprimir textos e provas, compram projetores (muitas vezes fazendo vaquinha em que quem contribui pode se revezar no uso) e pagam até pelo seu apagador. Estudantes são obrigados a comprar a própria cartolina para os cartazes. Na Escola Rômulo Pero, na Zona Norte de São Paulo, até a água é paga. Existe uma vaquinha para comprar galões de água potável e só quem paga pode consumir, e se trouxer sua caneca ou comprar um copo plástico. Vi essa situação em várias escolas durante as eleições para a Apeoesp (Sindicato dos Professores).

Sem esquecermos da situação já amplamente conhecida de salas superlotadas, turmas formadas exclusivamente pelos estudantes com mais dificuldades – como uma punição – e os casos de agressão, os pequenos detalhes somados ao que foi discutido neste texto vão formando uma grave doença conhecida como Síndrome de Burnout. Esta síndrome tem como sintomas o esgotamento físico e emocional que se refletem em ausências no trabalho, agressividade, lapsos de memória, depressão, entre outros. É comum que as pessoas com essa síndrome tenham enxaqueca, cansaço, palpitação, pressão alta, dores musculares e outras doenças que podem levar o professor a procurar um médico e solicitar uma licença.

Portanto, não são as ausências de professores que causam os problemas da educação brasileira, mas sim os problemas da educação que geram doenças e provocam as ausências de professores.

Governo ausente

E esse índice só não é maior por causa de medidas como a nova regra para licença médica que o Governo de São Paulo impôs aos professores no final do ano passado, exigindo uma série de trâmites burocráticos para ter acesso à perícia médica.

Para eliminar esse problema, o governo não busca as soluções apontadas por todos: valorização da carreira docente, aumento dos investimentos na educação pública, melhoria das condições de trabalho, entre outras. Ao contrário, procura maquiar a realidade obrigando professores a constituírem jornadas maiores do que as que desejam, dificultando o acesso à aposentadoria, contratando temporários com menos direitos e orientando médicos a negarem licenças mesmo em casos graves, além de obrigar professores afastados das salas de aula a voltarem ao trabalho mesmo sem condições.

O conhecimento dessa situação é fundamental para que a sociedade intervenha em defesa da educação pública e da profissão responsável por todas as outras profissões. É urgente que professores e professoras também dominem a nossa realidade para reivindicar mudanças. A verdadeira doença que afeta nosso sistema de ensino é um regime que promove a ausência de qualidade de vida e de humanidade na educação.

Lucas Marcelino é professor, conselheiro regional da Apeoesp e militante do MLC