Existem muitos hospitais no Brasil. Esta foi a conclusão a que chegou Ricardo Barros, Ministro da Saúde. Durante um evento em São Paulo, em 20 de setembro do ano passado, Barros soltou a pérola de que 80% dos hospitais públicos deveriam ser fechados. “Poderíamos resolver tudo com 1.500 hospitais (hoje são 7.500). Esse é o dado estatístico com base numa análise criteriosa de atendimentos”, declarou à revista Exame. Esqueceu de dizer, porém, em que país foi feita tal análise, já que esta afirmação é absurda para o Brasil.
Vamos à realidade do nosso país: segundo dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), em dezembro de 2017, pelo menos 904 mil pessoas esperavam por uma cirurgia eletiva (não urgente) no Sistema Único Saúde (SUS), sendo que uma parte delas já aguarda há 10 anos pelo procedimento. Porém, o quadro pode ser ainda pior, já que somente 16 estados participaram da pesquisa (ficaram de fora estados importantes, como o Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina e Distrito Federal).
Todos os dias, centenas de pacientes morrem à espera de um leito na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), pois não há vagas suficientes. Em agosto de 2013, 209 pacientes das emergências do Rio de Janeiro morreram enquanto aguardavam vagas numa UTI. O dado é antigo, mas permanece atual e se estende a todo o país. Diariamente, dezenas de famílias ingressam com pedidos liminares de vagas em UTI através do Ministério Público, porém nem mesmo judicialmente as vagas são conseguidas simplesmente porque não existem!
Pessoas com doença renal crônica também amargam em longas filas para ter acesso ao procedimento de hemodiálise. O procedimento, que assegura o “funcionamento mecânico” dos rins, filtrando o sangue através de uma máquina, é essencial para manter vivos os doentes. Porém, no ano passado, em Aracaju, 28 pacientes esperavam na fila para ter acesso às clínicas conveniadas ao SUS. “As vagas só são disponibilizadas em três casos: a primeira é se o rim do paciente voltar a funcionar – o que é raro. A segunda hipótese é que ele saia para fazer o transplante fora do estado. A terceira é a morte do paciente”, afirmou o representante da Associação dos Renais Crônicos de Sergipe, Lúcio Alves. Como o transplante também não é fácil, os pacientes literalmente aguardam a morte do outro ou a sua própria!
Futuro tenebroso
O que Ricardo Barros alega em sua loucura é que muitos dos casos atendidos nos hospitais poderiam ser resolvidos através da atenção básica. Porém, fechar hospitais não é a solução. Primeiro, porque hoje não temos atendimento suficiente na atenção básica para todos: apenas 64% da população é coberta pelo Programa Saúde da Família, principal estrutura da atenção básica e que é responsável pela prevenção de doenças e promoção da saúde. Se 36% da população não tem acesso nem ao sistema básico de saúde e os hospitais forem fechados, o que farão essas pessoas?
Além do mais, nem todos que são cobertos pelos postos de saúde recebem os cuidados necessários: faltam equipes suficientes, faltam vacinas, faltam medicações para controle de pressão arterial e glicemia… ou seja: não se faz uma prevenção adequada por falta de financiamento e sucateamento das unidades existentes.
“Segundo os dados do Banco Mundial, o gasto público com saúde no Brasil, em 2013, foi de US$ 525 por habitante. Isso é muito pouco quando comparado a países que têm sistemas universais de saúde. Em 2013, o Reino Unido, que é um país que tem sistema universal de saúde, teve um gasto público de US$ 3 mil. Se você quer garantir da vacina ao transplante, não há como gastar tão pouco”, afirmou Arthur Chioro, médico sanitarista professor da Unifesp, que foi ministro da Saúde no governo de Dilma Rousseff.
E o cenário tende a se agravar, já que o governo golpista de Michel Temer e dos banqueiros aprovou a “PEC da Morte”, que congela por 20 anos os investimentos na saúde pública!
Menos SUS, mais privado
Mas, o que realmente está por trás dessa “análise” foi revelado na mesma entrevista: “É difícil fechar um hospital. Por isso, estamos propondo medidas como a formação de consórcios de gestão e rateio de custos. Dessa forma, a decisão de fechar uma unidade ou de ampliá-la não será mais do gestor local, será do conjunto dos que financiam o serviço”. Em outras palavras, a intenção é privatizar os hospitais públicos.
E esse não foi o primeiro ataque ao SUS impetrado pelo ministro Ricardo Barros. Logo que assumiu o ministério, ele propôs a criação de planos de saúde populares para “desafogar o SUS”. Agora, já se esqueceu que o SUS está sobrecarregado e inventa que o melhor é menos hospitais! A verdade é que para o Governo Temer o que interessa mesmo é privatizar tudo, não importando quais prejuízos trarão à população.
Não podemos permitir que mais esse golpe aos trabalhadores seja concretizado. Precisamos defender o SUS e melhorá-lo, aproximá-lo da realidade do sistema de saúde cubano, uma de suas inspirações: universal, gratuito e de qualidade, que promova a equidade nos atendimentos à população, tanto no âmbito da prevenção quanto do tratamento das doenças.
Ludmila Outtes é enfermeira especializada em Neurologia e Neurocirurgia