Ocorreu mais um feminicídio no Ceará: um homem invadiu um shopping na cidade de Maracanaú e matou com um tiro a ex-companheira. Lidiane Gomes da Silva, 22 anos, já tinha sofrido várias ameaças após ter terminado o relacionamento até ser assassinada em seu trabalho. Esta é mais uma morte que ocorreu nos primeiros 11 dias do ano, em que 33 mulheres foram vítimas de feminicídio e 17 sobreviveram; a média é de cinco casos a cada 24 horas.
Segundo o Instituto Sou da Paz, ONG de referência na promoção de iniciativas contra a violência, mostra o seguinte ranking, considerando a porcentagem de mortes femininas envolvendo armas entre o total de homicídios de mulheres por estado: Rio Grande do Norte (75,8%), Alagoas (71%), Sergipe (64,4%), Ceará (64,1%), Rio Grande do Sul (61,7%), Pará (60,1%), Paraíba (59,8%), Bahia (59,4%), Goiás (54,9%), Espírito Santo (53,5%) e Maranhão (52,5%).
O Brasil tem, em média, 720 mulheres vítimas de arma de fogo, por ano. Em 11 estados, a morte de mulheres por armas de fogo chegou a ultrapassar a média nacional. Em 2017, por exemplo, o Anuário de Segurança Pública registrou 946 feminicídios. De todas as mulheres mortas por arma de fogo, 560 foram assassinadas dentro de casa.
Dados estatísticos não deixam dúvida de que se trata de um fenômeno preocupante e em ascendência. Foram registradas 92.323 denúncias e encaminhadas pelo Ligue 180. Para se ter dimensão da barbárie, 391 mulheres foram agredidas por dia em dezembro do ano passado, mês no qual 12.123 se tornaram vítimas de todo o tipo de violência.
Em dez anos, entre 2006 e 2016, o homicídio de mulheres aumentou 15%. Segundo dados dos Anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2017, ocorreram 4.539 homicídios dolosos com vítimas femininas, um aumento de 6,9% em relação a 2016. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que as medidas protetivas expedidas no Brasil com base na Lei Maria da Penha, vigente desde 2006 e que prevê punições mais graves e maior proteção às vítimas de violência doméstica, somaram 236.641, em 2017 – um aumento de 21% em relação a 2016. Os processos de violência doméstica contra a mulher iniciados no Brasil chegaram a 452.988, 12% a mais do que em 2016.
Já não bastasse essa realidade tão cruel para as mulheres brasileiras, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), assina um decreto que facilita a posse de armas no país. O direito à posse é a autorização para manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho. Para andar com a arma na rua é preciso ter direito ao porte, cujas regras são mais rigorosas e não foram tratadas no decreto.
O decreto permite que uma pessoa residente em área urbana ou rural mantenha até quatro armas de fogo em casa, limite que pode ser ultrapassado em casos específicos desde que sejam cumpridos os requisitos de “efetiva necessidade”, a serem examinados pela Polícia Federal. O decreto também prevê que o prazo de validade do registro da arma, hoje de cinco anos, passará para dez anos.
Pelas novas regras, ficam estabelecidos os seguintes critérios para possuir arma em casa: 1. Ser agente público (ativo ou inativo) de categorias como: agentes de segurança, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), agentes penitenciários, funcionários do sistema socioeducativo e trabalhadores de polícia administrativa; 2. Ser militar (ativo ou inativo); 3. Residir em área rural; 4. Residir em área urbana de estados com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, segundo dados de 2016 apresentados no Atlas da Violência 2018 (todos os estados e o Distrito Federal se encaixam nesse critério); 5. Ser dono ou responsável legal de estabelecimentos comerciais ou industriais; 6. Ser colecionador, atirador e caçador, devidamente registrados no Comando do Exército.
Se cerca de 40% dos casos de assassinatos de mulheres ocorrem dentro de casa, esse novo decreto torna tal situação ainda mais grave para a vida das mulheres. Provavelmente, haverá um crescimento brutal da violência nos lares brasileiros. Maridos e ex-companheiros são os principais algozes e agem, cada vez mais, com crueldade e banalidade.
A mulher não vai se sentir mais segura com arma em casa. A arma é elemento de risco, não de segurança. Provavelmente, elas passarão a ser mais ameaçadas em ambientes de violência doméstica.
Na verdade, isso ocorre devido ao patriarcado existente há milênios e designa uma formação social em que os homens detêm o poder, ou ainda, mais simplesmente, o poder é dos homens. Ele é assim, quase sinônimo de dominação masculina ou opressão das mulheres.
Precisamos acabar com a cultura de que a mulher é um objeto sexual e uma propriedade privada do homem. É urgente, e necessário, transformar os padrões machistas e patriarcais que são oferecidos à mulher. Se continuarmos no atual caminho, é a humanidade quem estará dando passas atrás na História.
Claudiane Lopes, jornalista e membro da Coordenação Nacional do Movimento de Mulheres Olga Benario