Amanda Melo e Fernanda Alves
RECIFE (PE) – Em Os fundamentos sociais da questão feminina, escrito em 1907, a revolucionária bolchevique Alexandra Kollontai afirma que a prostituição é apoiada e sustentada pela sociedade burguesa. De acordo com ela, a existência da prostituição se deve ao sistema econômico em vigor e à existência da propriedade privada. Ou seja, uma vez desaparecida a propriedade privada, o comércio da mulher será erradicado.
Já no texto A prostituição e as maneiras de combatê-la, de 1921, Kollontai combate o comércio sexual feminino e as atitudes hipócritas que herdamos da burguesia, parcialmente por causa da nossa relutância em considerar e aceitar os danos que a prostituição em larga escala causa à coletividade.
A pornografia, por sua vez, não surge apenas na Idade Contemporânea, suas datações aparecem em diversos períodos históricos, antes do advento tecnológico.
Definida enquanto qualquer material que desperte comportamentos e/ou pensamentos de natureza sexual de forma vulgar e explícita, foi com o advento da internet que a pornografia aumentou drasticamente e se tornou o que é atualmente: uma indústria. E isso nos leva ao primeiro ponto: alguns dos empresários mais bem sucedidos no campo cibernético estão envolvidos com a indústria pornográfica.
A internet, por um longo período, foi um ambiente sem qualquer tipo de regulamentação jurídica, o que possibilitou que qualquer usuário tivesse acesso a conteúdos pornográficos, inclusive a materiais contendo violência sexual, imagens produzidas sem o consentimento de ambas as partes e pornografia infantil. Segundo a Forbes, revista de economia e negócios, a indústria pornográfica fatura em torno de US$ 60 bilhões ao redor do planeta.
Durante o período de surto pandêmico do coronavírus, de acordo com Serviço Europeu de Polícia (Europol), houve um aumento do abuso sexual infantil online nos países mais afetados pelo vírus. O PornHub, um dos mais famosos sites de pornografia do mundo, registrou um aumento global de acessos, que tem crescido diariamente. Em março, houve um aumento de 11,6% em comparação a um dia médio, segundo a empresa.
O “Pornô Feminista” Existe?
Na indústria sexual, com ênfase nas mulheres, as condições psicológicas e físicas a que são submetidas provocam sensações contraditórias e confusas sobre as circunstâncias enfrentadas, seja por constrangimento, medo, nervosismo ou fúria. Muitas nem mesmo distinguem as circunstâncias em que estão, como é o caso da ex-atriz pornô Vanessa Danielli, quando disse abertamente que mesmo três anos após ter saído do ramo ainda estranhava ser chamada pelo próprio nome e também ser reconhecida como uma mulher, e não como objeto. Vanessa diz também que defende o fim da indústria da qual ela, infelizmente, abarcou por desamparo.
Tentando fazer com que as pessoas entendam o que, de fato, acontece por detrás das câmeras dos filmes pornôs, Vanessa, assim como Mia Khalifa e tantas outras ex-atrizes, que tiveram seus corpos abusados por anos, passa hoje mensagens pelas redes de comunicações de que a visão de sexo perpetuada pela indústria pornográfica contribui com a misoginia, relacionamentos abusivos, feminicídio e diversos transtornos psicológicos.
O Turismo Sexual
Nos últimos 100 anos, o Brasil esteve como destino para países fornecedores do tráfico de mulheres e crianças. Com o tráfico de mulheres e jovens, o país tem, restritamente, a finalidade de exploração sexual. Segundo a Agência das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (ONUDC), todos os anos, entre 800 mil a 2,4 milhões de pessoas são vítimas de tráfico humano no mundo.
E, ainda assim, o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, em abril do ano passado, declarou abertamente que o Brasil não pode se tornar um destino de “turismo gay”, no entanto, “se quiser vir fazer sexo com mulher, fique à vontade”.
O ano de 1990 foi um marco no enfrentamento do uso sexual de crianças e de adolescentes no país. A mobilização em torno dessa problemática se deu principalmente por conta da investida organizada e agressiva do turismo sexual no país. A exploração sexual comercial é um tipo de violência sexual tida como crime pela legislação brasileira. Na mercantilização do sexo, isto é, tendo o envolvimento das explorações sexuais tais como o tráfico, a pornografia e prostituição, a sexualidade deixa de ser objeto de domínio somente da esfera íntima da família e das instituições da sociedade moderna para ser, também, da esfera privada do mercado. Na ditadura militar foi garantida uma força maior e mais brusca de dominação masculina, sendo que, para as mulheres poderem alcançar uma voz política e reconhecimento social foi preciso uma união estratégica do movimento feminista com o comunista.
A forma como a prostituição é concebida muda conforme o espaço-tempo adotado, visto que ele é fruto da cultura, tendo interligação com o sistema capitalista e a sexualidade. No texto A exploração sexual de meninas e adolescentes: aspectos históricos e conceituais, Heleieth Saffiotti deixa à nossa vista a tamanha importância do adulto em relação às crianças e jovens, pois por exercerem um poder grande sobre eles, automaticamente os têm em suas mãos. É importante frisar duas coisas que não podem ser esquecidas: não existe prostituição infantil sem que haja um adulto responsável, porque ou ele é o cliente ou é o explorador; e o capitalismo não é uma mera divisão de classes opostas, e sim um sistema que marginaliza setores e inferioriza as mulheres em função do sexo.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, são causas relevantes para o tráfico de mulheres a ausência de oportunidades de trabalho, discriminação de gênero, instabilidade política, econômica e civil em regiões de conflito, violência doméstica, emigração indocumentada e corrupção de funcionários públicos (há situações em que funcionários públicos obtêm suborno de traficantes para descomplicar o acesso das vítimas por divisas).
No Manifesto Comunista, publicado em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels, é proclamado que a revolução socialista vai acabar tanto com “a prostituição pública quanto a privada”. A teoria marxista, portanto, desconstrói toda a ideia de que a mercantilização de corpos femininos é uma “escolha” no sistema capitalista. A pornografia, bem como a prostituição, é um fenômeno social intrinsecamente relacionado à posição de vulnerabilidade econômica da mulher. O trabalho mal remunerado, a pobreza e a marginalização são os fatores que produzem a maior porcentagem de trabalhadoras sexuais.
A exploração sexual é um fenômeno que está intimamente ligado à renda não produtiva e que prospera na época dominada pelo capital e pela propriedade privada. Sendo assim, nós devemos não somente confrontar o problema da exploração sexual, mas ir em busca de uma solução que se alinhe aos princípios basilares da construção socialista.
No entanto, enquanto a luta dos trabalhadores pelo socialismo não é conquistada por completo, denuncie! Ligue 180 para casos de violência contra a mulher e disque 100 em casos de exploração sexual infantil e violência contra idosos.