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domingo, 22 de dezembro de 2024

Cabra Marcado pra Morrer: Cinema Novo foi perseguido por criticar a Ditadura

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CENSURA – Ditadura tentou impedir a filmagem do filme “Cabra marcado para morrer” através de perseguição e assassinatos (Foto: Reprodução)

Amanda Vilas Boas

Em 1º de abril de 1964 foi articulado pelo grande capital, principalmente pelo imperialismo norte-americano e com a ação das forças armadas, um golpe para a manutenção dos privilégios da classe dominante e a continuidade do sistema capitalista no nosso país. Nas regiões do Nordeste aparece um acirramento da luta de classes em regiões do campo.

Nesse mesmo período, o “Cinema Novo” é um dos movimentos que se destacam na cena cinematográfica brasileira, e que passa influenciar outros países da América Latina. Os filmes retratam a realidade brasileira, sem embelezar as contradições sociais, e muitos carregavam em si as denúncias do sistema capitalista com apontamentos para uma saída de transformação social. Exemplos de produções como “Terra em Transe” de Glauber Rocha e “Os Fuzis” de Ruy Guerra. Essas obras citadas foram produzidas durante um dos momentos mais violentos da história brasileira, logo, os elementos da conjuntura influenciaram diretamente nas temáticas desses filmes.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou o número de 1.586 assassinatos em razão da luta pela terra no período de 1964 a 1986.  Entre os milhares de mortos causados pela ação violenta militar, dois anos antes do Golpe, em 02 de abril de 1962, João Pedro Teixeira é assassinado. João foi um fundador e líder das Ligas Camponesas de Sapé, pequeno município localizado no Estado da Paraíba. A sua vida, luta e morte será um dos principais temas do filme “Cabra Marcado para Morrer” dirigido por Eduardo Coutinho entre 1964 e 1984.

O Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, desempenhou um papel importante nessa produção. Nessa época, o CPC estava realizando uma caravana, chamada UNE Volante, com o objetivo de produzir conteúdos artísticos políticos pelo país. Eduardo Coutinho envolvido nesse projeto, soube da morte de João Pedro Teixeira e propôs realizar um filme sobre a história. Coutinho conheceu Elisabeth, esposa do Líder Camponês e seus filhos, e eles iriam gravar e encenar suas próprias vidas na cidade onde viviam. Porém, em janeiro de 1964 o local de filmagem, na Paraíba, foi invadido por policiais militares que assassinaram 11 camponeses. Devido aos ataques, não houve a continuidade da gravação e da produção da obra no local.

Porém, mesmo com a repressão das forças militares não houve desistência do projeto e se manteve a gravação, mudando apenas o local. Agora as gravações eram feitas em Pernambuco, na Galileia, um engenho em que conviviam mais de 100 famílias, lugar importante de luta do campo, onde foi construída em 1955 a primeira liga camponesa. Nesse período o trabalho foi novamente interrompido pelos militares, o exército invadiu o engenho de Galileia e alguns líderes camponeses foram presos junto aos membros da equipe de filmagem. Restaram apenas 40% do filme que ficou salvo no Rio de Janeiro.

Mesmo após toda a repressão, após 17 anos, ainda sob o regime militar, o cineasta persistiu no intuito de continuar a gravação e retomou o contato com Elisabeth Teixeira, agora mais velha. Cabra Marcado para Morrer produzido durante a Ditadura se torna um filme-dentro-do-filme, o filme sobre o filme, soa como uma metalinguagem. As imagens gravadas em preto e branco em 1962 e 64, e em cores as de 1981, narram no primeiro momento a história das Ligas Camponesas e em seguida, a história da realização do próprio filme de maneira documental. Percebe-se, um esforço em colocar como principal em sua obra as histórias dos camponeses como José Ortencio da Cruz e João Vizinio Silva, sobreviventes da repressão militar que houve em Galileia, em meio a gravação do filme.

Durante o filme-documentário, Elisabeth conta-nos sobre as lutas de João ao lado da liga e suas ações junto aos camponeses. Ele dizia: “Companheiros é preciso se organizar, porque nós organizados poderemos acabar com esse estilo do proprietário tomar a lavoura”. Os Camponeses que lutam em conjunto com o proletariado, organizaram-se nas Ligas, reivindicam a reforma agrária, a melhoria de condições de vida e trabalho no campo, justamente por essas lutas organizadas representam um perigo para o Estado.

As cenas do filme nos contam que João foi assassinado a tiro por dois soldados da polícia militar e um vaqueiro de uma fazenda do latifundiário Agnaldo Veloso Borges, que era suplente do deputado estadual na época. No período, na cidade de Sapé, foi decretado a prisão de Agnaldo, porém ele se safou e ainda assumiu uma cadeira na assembleia legislativa. Além de Agnaldo, os dois policiais do crime foram absolvidas por unanimidade pela justiça burguesa.

Elisabeth, em um momento do filme conta aos espectadores elementos importantes para análise da realidade: “A luta é que não para. A mesma necessidade de 64 está plantada, ela não fugiu um milímetro. A mesma necessidade está na fisionomia do operário, do homem do campo e do estudante. A luta que não pode parar. Enquanto se diz que tem fome e salário de miséria, o povo tem que lutar. Quem é que não luta por melhores dias de vida? Tem que lutar. Quem tem condições, quem tem sua boa vida que fique aí. Eu, como venho sofrendo, eu tenho que lutar e tenho peito de dizer: é preciso mudar o regime, é preciso que o povo lute”.

A história da produção de Cabra Marcado Para Morrer é de resistência por baixo da censura no período ditatorial, os elementos históricos do filme nos guiam à luta popular como caminho para conquistas de direitos, mas também para uma transformação radical da sociedade, vinda pelas mãos dos povos explorados e oprimidos. Após 57 anos de golpe militar no nosso pais, o Governo de Bolsonaro, composto por militares, vem sendo o responsável em causar a desordem no Brasil. Não podemos permitir comemorações à Ditadura Militar, essa data representa perseguição e assassinato de lutadores e lutadoras do nosso povo. Nossos heróis e heroínas deram suas vidas na luta pela transformação radical da sociedade. Eles merecem justiça.

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