Carla Castro*
No dia 18 de maio, a acadêmica de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Dolores Silveira, fez história. Com três dos cinco participantes negros, a estudante fez com que pela primeira vez na história da instituição, que tem 87 anos, tivesse mais negros do que brancos em um atividade deste nível. Além disso, Dolores contou com a presença virtual de 58 pessoas, fato destacado pelo orientador Rodrigo Valin.
“Participo de muitas bancas e, pela primeira vez, vejo mais pessoas em uma banca de graduação do que de mestrado e doutorado. Com certeza, isso se dá pela tua história, Dolores”, afirmou Valin. A atividade foi acompanhada pelos avaliadores Alejandro Montiel Alves e Silva Beatriz Ferreira Alves, além do professor Lúcio Antônio Machado Almeira, que foi coorientador.
O motivo do trabalho se destacar entre tantos outros é que a estudante se dedicou a analisar a obra de Carolina Maria de Jesus, que deu origem à pesquisa intitulada “Quarto de Despejo – Sessenta anos depois: uma análise da violação dos direitos e garantias fundamentais das mulheres pretas e periféricas”. O tema da pesquisa veio após a participação de Dolores em uma formação do Movimento de Mulheres Olga Benario, em 2020.
Ao final da exposição de todos, Valin anunciou que a avaliação do trabalho foi unânime e que a estudante havia recebido conceito A. “O dia 18 de maio de 2021, foi um dia com um significado muito especial para mim e acredito que para todas alunas negras do Direito da UFRGS. O fato de ter realizado um trabalho tendo como base o livro de uma mulher preta, pobre e periférica, quebra paradigmas dentro de um curso ainda elitizado dentro da universidade pública. Tenho a esperança que possamos trazer para dentro da academia nossas experiências. Que para além da judicialidade e das leis ensinadas em sala de aula, possamos juntar também a justiça e as políticas sociais, que possamos trazer ao público e aos demais alunos e professores do curso que vivem um sua bolha limitando-se a olhar somente seus umbigos, que existem pessoas sendo providas de seus direitos e garantias mais básicos”, salienta Dolores.
O acesso de pessoas negras nas universidades públicas é tema do livro Além da invisibilidade: história social do racismo em Porto Alegre durante o pós-abolição, do historiador Marcus Vinicius de Freitas Rosa, que também é professor da UFRGS. Em entrevista concedida à Agência Brasil, ele ressaltou que a quantidade de pretos e pardos estudando nas universidades públicas ainda não é o equivalente ao peso no conjunto da população. De acordo com Freitas Rosa, a ampliação do ingresso de negros nas universidades tem, no entanto, “demandado urgentemente a adoção de políticas públicas com foco na permanência dos estudantes negros”.
Nesse ponto, Dolores é enfática. “Por mais que a Carta Magna determine nossa igualdade, a população negra segue na marginalidade e mais ainda nós mulheres negras que somos invisibilizadas pelo estado e pela sociedade. A universidade ainda não é, mas acredito que um dia será direito de todas e todos e que nós mulheres negras possamos num futuro muito próximo estarmos ocupando todos os espaços que ainda nos são negados, e um deles é a universidade pública”.
De acordo com dados do IBGE, 52% da população do país é de negros e que esse montante é majoritariamente o mais pobre no Brasil, enquanto a população branca está bem distribuída ao longo da hierarquia social. “Sendo mais pobres, os negros acabam encontrando maiores dificuldades de permanecer na universidade. Os horários de oferecimento das aulas, de funcionamento das bibliotecas, das reuniões dos grupos de pesquisa, das atividades de extensão, tudo isso condiciona, dificulta ou inviabiliza a participação dos alunos negros, que via de regra são os menos abastados e frequentemente precisam complementar a renda familiar”, afirma o professor.
*Jornalista e coordenadora estadual do MLB/RS
Estamos orgulhosos.