Amanda Alves
SÃO PAULO – No início da noite de ontem (29 de julho de 2021) um dos galpões da Cinemateca, localizado na Vila Leopoldina, São Paulo, pegou fogo. Segundo manifesto assinado por trabalhadores da Cinemateca, foram possivelmente perdidos grande parte dos arquivos dos extintos Embrafilme, Instituto Nacional do Cinema e Concine, parte do acervo da distribuidora Pandora Filmes, entre outros documentos importantes e equipamentos e mobiliário de cinema, fotografia e processamento laboratorial.
A Cinemateca Brasileira é classificada como um dos maiores acervos de produção audiovisual da América Latina e seu surgimento está atrelado à luta contra a censura. Um de seus fundadores, Paulo Emílio Sales, desde jovem teve uma vida política ativa: após participar do Levante Comunista de 1935, foi preso por 2 anos pelo então Ditador Getúlio Vargas, mas, em 1940, após ter fugido da prisão, Paulo fundou o Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, com o intuito de estudar e realizar ações sobre a temática; o projeto foi censurado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Estado Novo e precisou funcionar na clandestinidade, se consolidando após 5 anos, com a criação do Segundo Clube de Cinema de São Paulo, que daria origem à Cinemateca Brasileira, que passou em 1992 a ter sede no prédio localizado na Vila Mariana.
Os ataques à Cinemateca são recorrentes, houveram cinco incêndios durante nos último 64 anos, o penúltimo em fevereiro de 2016, durante o Governo Temer, no prédio principal localizado na Vila Mariana, que levou a destruição de 500 obras. O abandono também afeta diretamente os trabalhadores da Cinemateca, que organizaram em junho 2020 uma greve para denunciar a constante ameaça de demissões, atrasos de salário durante 3 meses e péssimas condições de trabalho, além dos riscos de uma tragédia por falta de manutenção.
Desde março de 2018 a instituição passou a ser gerida pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), uma organização privada vinculada ao MEC, e, em 2019, o antigo Ministro Weintraub repassou todas as decisões administrativas para a ACERP. Em Abril de 2021 os trabalhadores da Cinemateca novamente alertavam sobre o risco real de um novo incêndio em um manifesto publicado:
“A possibilidade de autocombustão das películas em nitrato de celulose, e o consequente risco de incêndio frequentemente recebem mais atenção da mídia e do público. […] O risco de um novo incêndio é real. O acompanhamento técnico contínuo é a principal forma de prevenção. A situação do acervo em acetato de celulose também é crítica. O conjunto está estimado em torno de 240 mil rolos, e corresponde à maior parte do acervo audiovisual da Cinemateca Brasileira. Tal acervo demanda temperatura e umidade constantes e, na falta de tais condições, sofre aceleração drástica de seu processo de deterioração.”
A tragédia anunciada do incêndio da Cinemateca tem culpado: o Governo Bolsonaro, governo da fome e do desemprego, que corta verba da educação e que extinguiu o Ministério da Cultura, transformando-o em Secretaria. O interesse dos ministros militares e fascistas desse governo é cada vez reduzir o investimento público, com a mentira de não ter dinheiro, sucateando serviços e equipamentos para poder repassá-los à iniciativa privada, visando o lucro acima da vida dos trabalhadores. Enquanto isso, trilhões de reais da União são destinados aos bancos, com 44% do orçamento da União destinado ao pagamento do Juros e Amortizações da Dívida Pública.
Hoje as instituições de arte estando em domínio privado e de setores da burguesia atuam na instância da conservação do sistema capitalista. Os grandes ricos buscam formas de continuar implantando o regime de exploração contra a classe trabalhadora, e isso significa o ataque à qualquer atividade contrária a essa ideologia, a marginalização e a destruição da cultura produzida pelo povo e para o povo. É necessário que a arte não dependa da sede de lucro de uma minoria, que a transformará em cinzas, e sim dos interesses da maioria do povo. A defesa da Cinemateca é a defesa de décadas de trabalho do audiovisual nacional, da pesquisa, da memória e difusão da arte cada vez mais como uma ferramenta que auxilie na compreensão da realidade histórica brasileira.