(Foto: Wilson Majé Martins e Mathaus Caricate)
Florianópolis/Santa Catarina
Wilson Májè Martins
Mathaüs Caricate
(Entrevista realizada em Agosto de 2021 durante a marcha dos povos originários a Brasília contra o Marco Temporal)
Somos herdeiros de uma contínua e violenta guerra que dura 521 anos. Nosso povo indígena luta continuamente para se manter vivo praticando seus valores culturais de respeito a terra e a todos os seres vivos, pois antes mesmo de qualquer luta ambientalista os indígenas já enfrentavam a defesa de suas terras, e dia a dia o agro e suas máquinas avançam sobre territórios indígenas.
Nós do jornal A Verdade acompanhamos as lutas indígenas em todo o território nacional e nos juntamos a essa luta com nossos militantes, pois entendemos que suas lutas são nossas lutas. Entendemos que a mesma violência policial que sobe as favelas, entra nas matas, nas ocupações e nas aldeias para exterminar os povos negro e indígena da sociedade. Essa violência é a mesma que tem claro objetivo de defender os valores burgueses.
Com a chegada da pandemia de COVID-19 no Brasil no desgoverno de Jair Bolsonaro, as aldeias sofreram com a fome, com a doença e com as mais de 544 ocorrências de invasões das terras indígenas que foram alarmadas nesse período. Para entendermos um pouco, viemos até o antigo terminal do TISAC – Terminal Integrado dos Sacos dos Limões, onde deveria funcionar uma casa de passagem dos povos originários na capital catarinense.
Cidclay Cardoso, líder indígena do povo da etnia Kaingang, está ocupando junto com a sua comunidade o antigo terminal do TISAC, espaço esse que juntamente com mais dois terminais TICAP e TIJAR custaram o valor de R$ 13 milhões para os cofres públicos e estão desativados e abandonados. Cidclay relata para o jornal A Verdade a realidade que seu povo vem enfrentando na cidade de Florianópolis ao ocuparem o terminal do TISAC, local prometido pelo Ministério Público de Santa Catarina para ser uma Casa de Passagem para os povos Indígenas.
Jornal A Verdade: Companheiro Cidclay relate para nós como estão sendo os enfrentamentos no terminal TISAC?
Líder Indígena Cidclay: Nossa luta vem de muito tempo. No primeiro momento que viemos não tinha esse local. Ficávamos embaixo da ponte e fomos lutando até conseguir esse terminal. Luta em que já viemos a tempo pedindo uma casa de passagem, porque quando chove molha tudo, quando dá as tempestades molha as barracas, os artesanatos, as roupas e é uma perda total.
Os povos indígenas nesse momento de pandemia estão precisando, nas suas terras, de alimento. A fome está em todo lugar. Este terminal foi prometido como casa de passagem para nós pelo MPSC e se desocuparmos iremos perde-lo.
Nesse terminal é muito difícil de viver. Tem pouca estrutura. É um espaço aberto onde tanto no frio quanto no calor nosso povo indígena sofre, mas ainda assim, por não temos opção, é algo. Queremos uma casa de passagem adequada, bem equipada, que não molhe os artesanato, roupas, alimentos, e etc. Queremos um espaço melhorado e temos direito a isso.
Um dia saímos desse terminal e logo colocaram a reciclagem aqui. Mas ocupamos, lutamos, resistimos e hoje estamos aqui.
O povo de Florianópolis é querido, solidário, e a gente adora o povo catarinense.
Jornal A Verdade: No momento que retornaram e que a reciclagem estava aqui, tiveram vários ataques do Estado, da Funai, na tentativa de retirar vocês desse território. Poderia relatar um pouco sobre, como foi esse momento?
Líder Indígena Cidclay: Quando partimos a prefeitura colocou a COMCAP (Autarquia Municipal que trabalha com com a limpeza urbana, entre outros serviços) com a reciclagem no TISAC para que não conseguíssemos retornar e ficar aqui. Sabendo dessa traição pela prefeitura, nos organizamos e optamos por lutar e recuperar o local. De surpresa viemos na madrugada com outras lideranças Kaingang e com nossas famílias e ocupamos novamente o local, e a polícia foi muito violenta com nosso povo. Tentaram nos tirar de todas as maneiras, mas firmamos o pé aqui e até hoje estamos aqui.
A Funai é contra nós, o próprio Aécio da Funai, mente muito sobre nós. Em vez dele lutar por nós, ele critica nós. Quer nossa saída daqui e não sabemos a razão. Ele é pago pelo povo, por nós, e se não fosse nós ele não tinha o salário dele, mas, em vez dele fazer o trabalho dele de nos ajudar, ele critica e nos ataca.
Jornal A Verdade: Esse ataque aos povos indígenas faz parte de um conjunto de ataques históricos, que pode ser considerada como uma das guerras mais milenares do mundo?
Líder Indígina Cidclay: Em Brasília por exemplo, o que está acontecendo: nós queremos nossos direitos, eles querem derrubar nosso direito de terra, de demarcação. Está lá o Sadrak que é o primeiro chefe daqui, eu sou o segundo, temos uma equipe de liderança, e eles estão lá sofrendo ataque da polícia, desse governo Bolsonaro. Nós também queremos a saída do Bolsonaro, não aguentamos mais esse governo. O povo Kaingang o povo brasileiro não aguenta mais, ninguém aguenta mais. E nós estamos lá também pedindo essa casa de passagem indígena.
A luta pela casa de passagem está dando certo. A prefeitura tem prazo e está sujeita a multar caso não cumpra os melhoramentos que tem que fazer aqui. Com certeza eles vão recorrer, mas nós vamos ficar firme aqui, vamos ficar até nossa casa de passagem sair.
Pelo MP nós podemos ficar aqui, porque no momento que sairmos daqui nós não entramos mais, e nós temos o sonho dessa casa de passagem indígena.
Será algo turístico onde poderemos mostrar nossa cultura e valorizar as nossas diferenças. Queremos colocar uma Ocá grande para o povo conhecer a sobrevivência do povo indígena. Nossa cultura, comida, roupas, música, arte. Poderemos ensinar nossos artesanatos com oficinas. Será bom para nossa geração e para as futuras gerações. Teremos um lugar para manter nosso trabalho e nossa história, entendeu, essa é e será nossa realidade.
Jornal A Verdade: Inclusive vocês já tem alguns projetos aqui, correto? Ficamos sabendo do projeto da escola popular. Você poderia falar um pouco sobre os projetos que vocês estão desenvolvendo aqui na casa de passagem?
Líder Indígena Cidclay: Estamos com um projeto de aulas de artesanato aqui que começará logo. O povo poderá conhecer e ver como fazer uma taquara é difícil. Para isso nós temos que mostrar a nossa cultura. Não é em vão que nós estamos aqui. Nós também queremos apresentar o que é nosso.
Jornal A Verdade: É bem importante! Para conscientizar a população sobre a luta dos povos indígenas, da história. Aqui, você também tem a venda dos artesanatos. Você gostaria de falar um pouco para nós das lutas dos povos indígenas que vem acontecendo em Brasília? A casa de passagem daqui de Florianópolis também está em pauta, nesta luta em Brasília?
Líder Indígena Cidclay: É sobre a casa de passagem também. Estão lá o Sadrak, Merong, Osias, Marcus. Estamos em 6 lá, lutando e nos comunicando, sempre. Estamos preocupados com os ataques da polícia lá. Nos comunicamos com frequência para saber como eles estão. Alguns foram para o hospital, mas também tem policial que foi pro hospital por atacarem os índios. Porque atacar os índios? Porque eles não nos recebem? Eu fico pensando… Eles recebem os garimpeiros, fazendeiros, esses eles recebem com abraços. E porque o índio brasileiro, os primeiros habitantes, eles não recebem? Porque ficam fazendo isso com o povo Kaingang, com o povo indígena? É o direito de nosso povo, só queremos nossos direitos. Porque o governo quer acabar com as retomadas indígenas? E sim, estamos lá em Brasília na luta pela casa de passagem indígena também.
Jornal A Verdade: É, e tem também a questão das cidades. À medida que as cidades avançam, os povos indígenas perdem terras em um processo genocida de urbanização e modernização. Nesse sentido, você considera o sistema capitalista é um dos fatores causadores dos ataques aos povos indígenas?
Líder Indígena Cidclay: É, afeta muito… Um exemplo, os garimpeiros querem invadir o território indígena. Querem entrar, fazer lavouras, destruir a mata. E nós somos contra, nós somos protetores das matas, das naturezas, que é o ar que nós respiramos. Caso isso continue com esse sistema, daqui uns anos vão destruir tudo. A mata amazônica por exemplo, está em extinção. Então nós não aceitamos, nós somos contra isso. Ao invés da gente destruir, nós vamos lá e plantamos. Entendeu? Por que, olha, eu vou lhe dizer… Daqui uns anos eu não sei o que vai acontecer se continuar do jeito que está indo. Nós não vamos ter mais ar para respirar. Então a gente está lutando sobre isso também em Brasília. Contra o desmatamento. Entendeu?
Jornal A Verdade: Entendi. E esse governo Bolsonaro está, no caso, fazendo políticas de desmatamento, não é mesmo?
Líder Indígena Cidclay: Ele está querendo é abrir tudo. Ele quer limpar. E nós não. E é por causa disso também que os Kaingang estão lá em Brasília. Lutando contra o desmatamento, contra garimpo.
Jornal A Verdade: Recentemente houve uma descoberta de tráfico ilegal de madeiras da Amazônia em que o ministro do meio ambiente pouco se posicionou sobre. Na verdade, a posição dele é favorável a tudo isso. É favorável ao desmatamento e ao agronegócio. Que a gente sabe que não é pop, não é tec, não é nada e gera milhões. Na verdade esse agro mata. Não tem nada desse pop que passam nas mídias burguesas, né?
Líder Indígena Cidclay: O agronegócio tem que acabar.
Jornal A Verdade: E divulgam isso em massa né? Sobre essa questão do agro ser pop. Nós vemos muito isso em televisão.
Líder Indígena Cidclay: É complicado. Para eles está tudo normal, bom, mas para quem tá lá nas florestas não é fácil… Meu deus! Eu quero agradecer a vocês do Jornal A Verdade. Sejam bem-vindos sempre. A hora que quiserem fazer um vídeo, conversar, dar uma força para nós, podem vir aqui que vocês estão em casa.