Heloisa Villela é natural de Belo Horizonte (MG), mas se considera “totalmente carioca”. Formada pela UFRJ, é tida como uma das mais prestigiadas jornalistas do Brasil. Em mais de 30 anos de carreira, já trabalhou em jornais como O Globo e Folha de SP, além de ter sido correspondente da TV Globo, Record e CNN nos EUA, onde mora desde 1988. Atualmente, trabalha no ICL Notícias. Nesta entrevista, concedida com exclusividade para A Verdade, Heloisa fala da conjuntura internacional, da crise dos grandes meios de comunicação da burguesia e da importância do jornalismo se aproximar da classe trabalhadora.
Redação
A Verdade – Os EUA são a maior potência militar do mundo, mas têm perdido terreno na economia. Qual é a real situação da economia norte-americana? O desemprego e a falta de moradia tornaram-se problemas estruturais?
Heloisa Villela – O que se vê nas ruas das cidades do país, e não digo apenas as maiores, de maior concentração populacional, mas cidades de pequeno e médio porte também, é um grande aumento da população de rua. O problema sempre foi comum em Nova Iorque, mas no ano passado saltei na Union Station, a estação de trem de Washington, e me surpreendi com a quantidade de barracas nos parques da cidade, inclusive a duas quadras da Casa Branca! São pessoas que moram nas ruas. Existem muitos que moram em carros e trailers também. Em São Francisco é muita gente. Eu vi esse fenômeno começar nos arredores da capital norte-americana a partir da crise de 2008, quando morava em Maryland, e só piorou. Outro contraste impressionante é com a situação dos transportes públicos. A rede ferroviária para passageiros é muito ruim, cara e lenta. Comparada com o que os chineses têm, por exemplo, é uma piada. O presidente Joe Biden aprovou um pacote de investimento em infraestrutura que pode modificar isso um pouco, mas, acima de tudo, deve gerar empregos. A inflação no país está pesando; é a pior em 40 anos. Muito disso é provocada pela guerra na Ucrânia. O FED (Banco Central dos EUA) tenta resolver aumentando os juros, o que acho uma loucura, pois não é inflação provocada por demanda aquecida, mas o FED aposta no cerco ao poder de compra.
Os casos de racismo nos EUA são constantes. Na sua opinião, porque o racismo continua sendo um dos principais problemas na sociedade norte-americana?
Esse é um problema estrutural e histórico, e as políticas de inclusão não dão conta. A população negra foi marginalizada e teve a vida econômica inviabilizada desde o fim oficial da escravidão. Como no Brasil, não tiveram acesso a nada, como lotes de terra, para começar a vida, por exemplo. O racismo persiste porque os brancos privilegiados não abrem mão de nada. Houve um levante importantíssimo durante a pandemia, após o assassinato de George Floyd, que realmente sacudiu o país, mas os avanços são lentos.
Trump sonegou milhões dólares e roubou documentos secretos do governo, mas continua livre e impune. Por que essa proteção?
Não sei se dá pra falar em proteção. O processo legal nos EUA é lento. Estão entrando no terceiro ano da investigação da invasão do Capitólio e somente no fim do ano passado condenaram cinco pessoas do grupo de extrema direita Oath Keepers, incluindo o chefe dessa gangue. O julgamento de líderes do Proud Boys ainda está no comecinho. Falta chegar aos grandes mandantes. Sobre os documentos secretos, o processo também está no começo, mas vamos ver o que acontece agora, já que encontraram documentos aqui e ali com o Biden também.
Você é jornalista há muitos anos. Que mudanças acontecem hoje nos jornais nos EUA?
Sou correspondente nos EUA há 34 anos e nesse período mudou tudo. Imagine que mandei minhas primeiras reportagens para o Brasil por telex, perfurando fita! A turma mais nova nem sabe do que estou falando, aposto! Hoje faço matérias para a TV sozinha, com um celular. Nesse meio tempo, muitos jornais locais, impressos, fecharam, o que é péssimo porque eles cumprem um papel essencial. Esse deputado republicano filho de brasileiros (Heloisa se refere ao congressista George Santos), que se elegeu em novembro e mentiu sobre tudo na vida dele, foi denunciado pelo jornal local do condado dele no estado de Nova Iorque. O Boston Globe, por exemplo, foi o jornal que levantou o maior escândalo de pedofilia da Igreja Católica nos EUA e o trabalho deles virou um documentário que ganhou o Oscar. Nos EUA, muitos jornalistas conseguem sobreviver de forma independente, na internet. Muitos mesmo! No Brasil são poucos. O jornalismo local e regional sempre foi muito forte e isso está morrendo.
Em sua opinião, qual o papel de uma imprensa voltada para a conscientização popular, como o jornal A Verdade?
Acho super importante ter jornais, blogs, programas no YouTube, etc., que façam esse trabalho porque a gente viu muito bem o resultado da manipulação da opinião pública, com mentiras, tanto nos EUA como no Brasil. E, para além disso, um jornalismo voltado para a conscientização e para a organização dos trabalhadores é essencial para promover o avanço das causas caras à grande maioria da população, já que a grande mídia financiada pelos grupos econômicos joga contra o interesse da maioria o tempo todo.
Matéria publicada na edição nº 265 do Jornal A Verdade