O Fashion Revolution, maior movimento de moda ativista do mundo, não é apenas sobre moda, mas sobre a contestação do modelo capitalista de consumo degradante do meio ambiente e das pessoas.
Isabella Morais | Carpina(PE)
No dia 24 de abril de 2013, o glamour do mundo da moda veio abaixo junto ao desabamento do prédio Rana Plaza, em Dakha, capital de Bangladesh. O desastre matou mais de 1.100 pessoas e deixou, aproximadamente, outras 2.500 feridas, desmascarando as condições precárias, indignas e inseguras de trabalho dentro das indústrias de confecções no país.
No prédio, funcionavam confecções de vestuário que forneciam peças para grandes marcas, a exemplo da C&A, Carrefour, Gap, J.C. Penney (ex-dona das Lojas Renner), Clothing, Primark, Walmart, Zara, entre outras. Essas marcas, grandes varejistas de vestuário, levavam suas produções para lugares como esse devido à baixa ou inexistente fiscalização do trabalho, além da disponibilidade de mão-de-obra barata.
Após o desabamento, nenhuma dessas empresas assumiu suas responsabilidades perante as vítimas e seus familiares. Também se verificou que o edifício, que tinha 8 andares, deveria ter sido interditado antes da tragédia, quando foram apontadas rachaduras em sua estrutura, o que não aconteceu, levando, assim, trabalhadoras e trabalhadores que estavam no local a terem suas vidas ceifadas ou marcadas para sempre.
Diante desse desastre, a indústria da moda não poderia mais ser a mesma, era preciso que houvesse uma revolução. Surge então o Movimento Fashion Revolution, a princípio acontecia anualmente em torno do dia 24 de abril – como “Fashion Revolution Day” – rememorando a tragédia ocorrida em Dakha, no fatídico ano de 2013, inclusive denunciando para que fatos dessa natureza nunca mais se repetissem.
Fundado pela estilista e ativista britânica Carry Somers, em parceria com a designer de moda italiana Orsola de Castro, o Movimento ganha força e visibilidade quando passa a existir a Semana Fashion Revolution, que promove, em mais de um dia, ações de sensibilização e conscientização sobre os impactos socioambientais da indústria de confecções de vestuário.
A partir da pergunta “Quem fez minhas roupas?”, o Movimento faz refletir sobre quem trabalha na confecção das roupas que compramos e vestimos, muitas vezes sem questionar a exploração do trabalho de uma indústria que lucra, aproximadamente, R$ 194 bilhões por ano, só no Brasil.
As ações acontecem durante todo o ano, no entanto, a movimentação é ainda mais intensa durante a Semana Fashion Revolution, que organiza e promove o acontecimento com palestras, debates, mesas-redondas, rodas de conversa, exibições de filmes, minicursos, oficinas e workshops, gerando o entrosamento de comunidades e a troca de experiências.
Ainda em 2018, junto com o Instituto, foi criado o Fórum Fashion Revolution, que em 2022 teve a sua 4ª edição, após uma pausa devido à pandemia da Covid-19. Foi instituído como um espaço de incentivo à pesquisa e debates para o fortalecimento da sustentabilidade da indústria da moda, e a partir desse evento é elaborado um e-book com os trabalhos apresentados e/ou selecionados para publicação.
Ações no Brasil
Outro grande ponto forte do movimento, foi a criação do Índice de Transparência da Moda Brasil, que analisa anualmente reconhecidas marcas de moda, observando o nível de informações que divulgam sobre seus processos produtivos. Ou seja, pela transparência dos seus procedimentos internos e externos, quanto ao exercício dos direitos humanos e do seu impacto ambiental.
Esse Índice revisa a divulgação pública dessas marcas, com o respaldo de mais de 200 indicadores de diversas áreas, um dos tópicos em destaque, no ano de 2022, era o “trabalho decente, cobrindo combate ao trabalho escravo contemporâneo, salários justos para viver, sindicalização e negociação coletiva e práticas de compra”, o que corrobora a atuação do Fashion Revolution como totalmente contrária e combativa à exploração capitalista em situação precária.
Em 2021 o Fashion Revolution lançou o seu primeiro livro, “A revolução da moda: jornadas para a sustentabilidade”, um compilado de ensaios que versam sobre sustentabilidade, no sentido mais amplo da palavra. Com o detalhe de contar com a autoria somente de mulheres que, apesar de serem maioria nessa indústria, ainda precisam lutar para conquistar espaços.
Outras pautas fazem parte da agenda do Fashion Revolution, como o fim do desmatamento da Amazônia, já que muitas marcas de moda trabalham com fornecedores e empresas que, por sua vez, trabalham com criação de gado em terras amazônicas desmatadas; a campanha “moda sem veneno”, contra o uso deliberado de agrotóxicos nas plantações de algodão, por exemplo, também é uma bandeira levantada no que diz respeito à proteção e regeneração do nosso ecossistema e, nesse sentido, pesquisas e estudos que apontam que o cânhamo é uma fibra natural “alternativa para a moda zero desperdício”, porque cada parte da planta é aproveitada e o tecido feito a partir dela pode ser biodegradável e compostável.
Não se pode deixar de mencionar o próprio manifesto Fashion Revolution: documento com 10 tópicos ou apontamentos que afirmam, resumidamente, que a moda não deve priorizar o lucro acima das pessoas e do meio ambiente. A Semana Fashion Revolution 2023, que nessa edição tem como tema principal esse manifesto, os tópicos 4 e 5 são os norteadores das atividades que deverão ser desenvolvidas.
O quarto tópico afirma que “a moda respeite as heranças culturais, celebrando e fomentando a artesania, honrando os artesãos e artesãs; que reconheça a criatividade como seu ativo mais forte, que não se aproprie de nada sem permissão ou reconhecimento.” O quinto tópico indica que “a moda fortaleça a solidariedade, inclusão e democracia; e que lute contra opressões de gênero, raça e classe e contra tudo que exclui, e que reconheça a diversidade como seu sucesso”.