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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Basta de impunidade para estupradores!

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Heloiza Cristina, Camu Valadares e Elise Balmat | Movimento de Mulheres Olga Benario – SP


No dia 20 de abril, o Corinthians anunciou seu novo técnico para ficar à frente do time masculino de futebol até o fim de 2023: Alexi Stival, o Cuca. O treinador, de 59 anos, carrega em sua trajetória a participação em um episódio repugnante de estupro coletivo e pedofilia contra uma menina de 13 anos, quando ainda era jogador do Grêmio. O estupro aconteceu em sua passagem pela Suíça, em 1987, e foi realizado, além de Cuca, por mais três jogadores: Eduardo Hamester, Henrique Etges e Fernando Castoldi, segundo afirmou o advogado da criança a partir dos dados oficiais que constam no processo.

Após 28 dias de detenção, os quatro foram soltos e liberados para voltar ao Brasil enquanto respondiam o processo em liberdade.

O caso foi julgado em 1989 e a sentença foi clara a partir dos depoimentos das vítimas, das testemunhas e dos acusados, além de provas materiais, como a presença de sêmen no corpo da criança. Os três primeiros citados acima foram condenados a 15 meses de prisão, mais multa de R$ 8 mil, por terem coagido (com uso de violência) a criança a praticar atos sexuais. Pela legislação brasileira, este ato é enquadrado como estupro de vulnerável. O último, foi condenado a três meses de prisão, mais multa de R$ 4 mil, por ter coagido a vítima.

A contratação de uma pessoa condenada por estupro para um cargo tão destacado no futebol expõe todas as contradições e mazelas do patriarcado. A negociação entre a diretoria e o técnico aconteceu na semana em que o clube estreou duas camisas que homenageiam a Democracia Corintiana, movimento histórico liderado pelos jogadores Sócrates, Casagrande, Zenon e Wladimir durante a década de 1980, quando o país vivia sob o regime da ditadura militar. O movimento reivindicava mudanças estruturais dentro do clube e também participou ativamente da campanha pelas “Diretas Já” e pelo fim da ditadura.

Além deste evento histórico de resistência, a própria origem do Corinthians, fundado por cinco operários no bairro do Bom Retiro, e o surgimento das torcidas organizadas durante o período da ditadura, forjaram na grande massa de torcedores corintianos um forte caráter politizado e de expressão popular.

Especialmente o setor feminino da torcida corintiana e coletivos de esquerda manifestaram seu repúdio à contratação do técnico e denunciaram a impunidade do crime. Protestos com faixas, cartazes e palavras de ordem chegaram a ser realizados em frente ao Centro de Treinamento e dentro do estádio.

Exemplo também foi o elenco feminino de futebol do Corinthians, que fez uma nota pública ressaltando que a campanha “Respeita as mina”, promovida pelo time, “não é uma frase qualquer. É, acima de tudo, um estado de espírito e um compromisso compartilhado”.

Fora estuprador!

O grito de “Fora Cuca” demonstrou a profunda contradição existente entre a moral e o caráter de milhões de torcedores e a postura dos dirigentes do clube, como o presidente Duílio Monteiro Alves, que jogou o nome do time na lama ao contratar e defender o criminoso, alegando que confia na palavra de Cuca e que a vítima não o teria reconhecido. Tudo mentira.

À época do crime, ao retorno ao Brasil, ele afirmou à imprensa: “Não sei se foi ato infantil, um passo em falso (…). Só posso garantir que isso nunca se repetirá. (…) Estou de braços abertos para qualquer decisão. Temos que pagar, todos os envolvidos. Não adianta separar menor ou maior participação”.

A pressão dos torcedores foi tamanha que, sete dias após a contratação, o técnico pediu demissão do clube.

O caso de Cuca veio voltou a chamar a atenção em 2020, quando da condenação por estupro coletivo do ex-jogador Robinho, crime cometido na Itália. Ele está no Brasil, aguardando em liberdade a execução da pena de detenção. 

Mais recentemente, o jogador Daniel Alves, detentor de uma das carreiras mais vitoriosas no futebol mundial, foi também acusado de estuprar uma jovem de 23 anos numa boate em Barcelona, e se encontra preso na Espanha enquanto o processo judicial não é concluído.

São muitos os casos de atletas que recebem salários altíssimos e contam com a complacência da mídia burguesa para amenizar seus crimes, enquanto juram não terem feito nada.

Por isso, mesmo diante de avanços consideráveis nos direitos das mulheres a partir das lutas do movimento feminista, ainda vemos a naturalização da violência sexual. A cultura do estupro, que persiste de forma hipócrita no capitalismo, se sustenta justamente pelo fato de que os direitos do capital são feitos por homens da burguesia, dirigidos para eles e reproduzidos ideologicamente pela classe dominante. O estupro, de fato, está normalizado em situações como essas, a partir da absolvição por uma suposta ignorância dos atletas, do tipo “Ah, mas naquela época era diferente”, “Temos que ver a versão dele”, “Ela parecia ser mais velha”, entre outros absurdos.

A ideia de que os corpos femininos são objetos de apropriação sob qualquer circunstância, com o silenciamento completo da vítima, revela o quanto ainda precisamos avançar, o quanto precisamos lutar para que, ao menos, sejamos ouvidas.

A rápida saída do treinador frente à saudosa resistência unida e organizada da torcida nos demonstra e relembra que só a luta conquista.

Matéria publicada na edição nº 270 do Jornal A Verdade

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