Em visita à cidade de Recife (PE) para participar do Encontro Nordeste de Solidariedade com Cuba, realizado no dia 20 de maio, no Centro Cultural Manoel Lisboa, o embaixador de Cuba no Brasil, Adolfo Curbelo Castellanos, concedeu entrevista exclusiva ao jornal A Verdade. Nela, o diplomata denuncia o criminoso bloqueio dos EUA ao povo cubano e ressalta o papel da solidariedade internacional.
Adolfo tem 60 anos e já foi embaixador de Cuba no Paraguai e no Chile, cumpriu várias missões diplomáticas pela América Latina e Caribe e compunha o corpo diplomático cubano na União Soviética quando da desintegração daquele Estado socialista no início dos anos 1990.
Redação
A Verdade – No dia 26 de março, o povo cubano participou em massa das eleições para a Assembleia Nacional. Mas sabemos que, em Cuba, o processo democrático não se inicia nem se encerra com a votação. Quais os valores da democracia no país?
Adolfo – De fato, o processo democrático em Cuba é muito mais que o ato em si de votar. Tem muito a ver com a participação popular. Esta última eleição foi muito importante porque permitiu conformar a Assembleia Nacional Popular com uma votação altíssima, de 76% de comparecimento dos eleitores.
Este processo se inicia com a postulação dos candidatos, que é feita em assembleias populares de nível local. Então o processo é muito aberto, participativo. Não são partidos nem organizações que propõem os nomes, mas sim o povo diretamente nos diversos colégios eleitorais que existem por todo o país.
A expressão da nossa democracia tem muito a ver, como já disse, com a participação popular, com a formulação de políticas. Por exemplo, a Constituição Cubana, aprovada por ampla maioria da população num referendo, foi precedida de uma ampla discussão sobre seu texto. Isso aconteceu nas assembleias dos bairros, nos centros de trabalho, escolas, inclusive nas embaixadas, no serviço diplomático no exterior, onde foram feitas propostas de redação para mudar artigos, para adicionar ou suprimir.
Então cada proposta foi encaminhada a uma comissão, que trabalhou o texto final da nova Constituição, de maneira que ela reflete a vontade do conjunto do povo.
Por falar em democracia, os EUA se intitulam a “maior democracia do mundo”. No entanto, impõem a Cuba um criminoso bloqueio econômico, político e social há seis décadas. Quais as consequências do bloqueio para a vida do povo cubano?
O bloqueio é um ato criminoso, qualificado como genocídio pela Convenção da ONU, que tenta privar deliberadamente o povo cubano dos meios de subsistência. Como fazem isso? Perseguem toda operação comercial cubana; proíbem o uso do dólar, que é a moeda de referência para as transações internacionais; aplicam sanções aos países que comercializam com Cuba. Então é realmente uma guerra econômica total, que chega a proibir que se descarregue petróleo em Cuba.
Uma política criminosa, que, inclusive, aproveitou a pandemia para reforçar o bloqueio. O governo de Donald Trump implementou 243 medidas adicionais, em sua maioria vigentes ainda hoje.
Portanto, os danos do bloqueio não são só econômicos, atingem enormemente também os setores mais sensíveis da população, como a saúde, pois nega acesso a medicamentos e insumos médicos capazes de salvar vidas humanas.
Em que pese tudo isso, temos buscado nossa soberania em matéria de saúde, o que nos permitiu enfrentar com grande êxito a pandemia de Covid-19. Cuba conseguiu imunizar toda sua população a partir de cinco vacina desenvolvidas no próprio país, sendo a primeira nação a vacinar todas as suas crianças maiores de dois anos. Isso nos permitiu salvar milhares de vidas e reabrir o país pouco a pouco.
De que maneira Cuba trabalha internacionalmente para superar o bloqueio?
Nós pensamos que os EUA estão profundamente isolados internacionalmente na política do bloqueio. Basta observar as votações na Assembleia das Nações Unidas, em que os países reiteradamente rechaçam, de forma praticamente unânime, o bloqueio dos EUA contra Cuba. É um rechaço universal. A comunidade de países latino-americanos e caribenhos rechaçam o bloqueio e rechaçam a inclusão de Cuba na lista dos países que promovem o terrorismo. A União Europeia também. O mesmo fazem a União Africana, a Liga Árabe. Ou seja, não existe um único agrupamento de países que esteja de acordo com a posição dos EUA e de Israel. Desta maneira, Cuba tem um respaldo internacional, enquanto os EUA estão isolados na aplicação unilateral desta política criminosa.
Paralelamente, é muito importante a campanha de solidariedade internacional que se desenvolve em todos os continentes, incluindo a América Latina e aqui também no Brasil. Isso não só na disputa política, com pronunciamentos e ações, mas também na prática de ações efetivas, como recolhimento de fundos, envio de insumos. Aproveitamos para agradecer o compromisso de tantas organizações sociais e políticas do Brasil com a luta do povo cubano.
Neste mês de junho, será realizada, em Belém do Pará, a 36ª Convenção Nacional de Solidariedade com Cuba. Que papel cumpre movimentos como este?
A solidariedade é uma contribuição extraordinária à resistência do povo cubano, que sempre presta sua gratidão a todos os amigos que, ao redor do mundo, se manifestam pelo fim do bloqueio. No Brasil, uma Convenção como esta que se aproxima ocorre num momento muito especial porque vai reunir uma quantidade enorme de participantes dos mais variados lugares, juntamente com uma importante delegação que virá de Cuba.
Isso vai nos permitir compartilhar sobre a conjuntura que vivemos hoje em nosso país e, assim, transmitir a nossos companheiros da solidariedade o trabalho que vem se desenvolvendo em Cuba. Também escutar e receber as diversas ideias, que se expressam nas viagens de delegações de brasileiros a Cuba, na participação em brigadas de trabalho, no rechaço ao bloqueio. Também é o momento de expressar o profundo carinho que une os povos de Cuba e do Brasil.
Por fim, você viveu diretamente um dos processos mais difíceis da história da classe trabalhadora, que foi o fim da União Soviética. Como você avalia este movimento de avanços e recuos da experiência socialista no mundo? Quais as perspectivas da construção socialista em Cuba?
Quando se desintegrou a União Soviética, me fizeram uma pergunta parecida. E, na época, eu disse que poderia ter fracasso o Estado por distintas razões, mas a ideia existia e seguia viva. E hoje eu continuo pensando e afirmando o mesmo. Não se pode julgar o valor de uma ideia ou pretender enterrar esta ideia porque ocorreu um fracasso devido a uma soma de fatores que nada têm a ver com a ideia em si. Ou porque a ideia foi, de alguma forma, tergiversada. Ou porque não se tomaram as decisões que deveriam ser tomadas.
A questão não é que a ideia de socialismo não sirva. Isso não expressa que a ideia de socialismo não seja uma ideia válida. Já ninguém pode dizer que o capitalismo é uma ideia válida, porque sabemos que ele custa milhões de excluídos, de famintos, de pessoas que morrem por enfermidades curáveis.
Nós, que somos um país subdesenvolvido, com poucos recursos, temos alcançado êxitos extraordinários na igualdade social aplicando políticas do socialismo. Por exemplo, os índices de mortalidade infantil em Cuba são tão baixos quanto nos países mais desenvolvidos. Os EUA têm índices muito mais elevados do que Cuba. Assim também podemos citar a cobertura vacinal em Cuba, que é muito extensa e com vacinas produzidas no próprio país.
Então, eu creio que a ideia de socialismo continua sendo válida. Hoje, a humanidade está ameaçada de desaparecer, literalmente, devido à destruição do meio ambiente. Isso está na base deste sistema capitalista, que estimula o consumo desenfreado, irracional, porque concentra a riqueza em poucas mãos, enquanto aumenta a pobreza da grande maioria da população.
Portanto, reivindicamos o projeto socialista e acreditamos firmemente que é a única alternativa para os problemas mais graves e angustiantes da humanidade.
Entrevista publicada na edição nº 272 do Jornal A Verdade.