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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Heloísa Villela: “Estamos vendo o genocídio do povo palestino”

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Heloísa Villela, 60 anos, é jornalista do ICL Notícias e está como correspondente em Ramallah, na Palestina ocupada. Nesta entrevista ela relata qual é a verdadeira situação do povo palestino após os bombardeios e a ocupação militar do Estado de Israel, apoiado pelos EUA.

Felipe Annunziata e Cadu Machado | Redação


A Verdade – Muito obrigado por nos atender diante das condições difíceis da agressão de Israel ao território palestino. O que já pôde observar a respeito dos ataques à população civil?

Heloísa Villela – O que a gente vê aqui é que, desde que começou essa operação militar em Gaza, que tem o objetivo de anexar o território dos palestinos e expulsá-los todos dali, houve um movimento de prisão direta de muitas pessoas. Soldados israelenses estão entrando nos territórios para buscar pessoas e prendê-las.

Estamos vendo também outras violências, inclusive, assassinatos. Hoje [24/10], eu fui ao velório de dois rapazes, de 21 e 22 anos, que foram assassinados dentro de um campo de refugiados que fica aqui do lado de Ramallah. O exército de Israel baleou esse rapaz, um outro que vinha foi tentar ajudá-lo e levou um tiro na nuca, pelas costas. Temos visto isso repetidamente em várias cidades e territórios palestinos.

Várias entidades consideram o regime imposto na Cisjordânia como apartheid?

Eu acho que chamar de apartheid o que acontece aqui é pouco. Vamos lembrar que no apartheid na África do Sul ninguém jogava míssil em Soweto não. Aqui é bomba, é míssil, é assassinato o tempo todo. Não dá nem pra chamar de apartheid. Acho que a gente tem que chamar de genocídio mesmo. Estou chegando ao fim da minha capacidade verbal para descrever o que acontece aqui, para descrever a real desumanidade que acontece aqui.

Eu andei pela estrada, eu fui para o campo de refugiados de Jenin e você vai vendo a cidade ou a vila palestina. Você tem que dar a volta nela porque é tudo cercado de assentamentos e colônias israelenses. E com aquela segurança armada, aqueles militares de filme de Rambo, de óculos escuro, trabucão e aquele monte de saco de areia, é um clima de cerco. 

Você pode falar mais sobre como estes bombardeios afeta os palestinos?

A coisa é muito triste. A gente vê muitas crianças morrendo nesse massacre israelense e muitas continuam vivas apesar de já terem morrido como crianças, sabe?! Mataram a possibilidade de elas serem crianças. Israel tem uma lei que permite prender e deixar na cadeia uma criança palestina sem contato com os pais a partir dos 12 anos de idade. Isso é uma lei.

Da mesma maneira que se você olhar o nazismo, ele tinha cobertura legal para fazer o que fazia. Tava nas leis do país daquela época. Eles passaram leis para permitir o genocídio. Eu fui a Jenin porque houve um bombardeio lá. Foi o primeiro bombardeio aqui na Cisjordânia e eles destruíram uma mesquita.

Aí eu fui na mesquita que fica na parte mais alta dessa comunidade. É muito parecido com as nossas comunidades. Aquelas vielas, você vai passando, a molecadinha passa correndo, quer ver quem você é. E aí, o rapaz que estava me levando para conhecer todo o campo, me mostra as paredes das casas com vários rombos. Não é uma pistolinha, é um trabuco para fazer um buraco desse tamanho no muro de cimento, de concreto. Você pode imaginar o que é.

É macabro! Nos últimos dias, estou com a sensação de que quanto mais eu falo, mais eu devo estar sendo vista como uma pessoa que está exagerando. A realidade é tão brutal que, ao descrevê-la, parece que a gente está exagerando. Na entrada desse campo de refugiados, tem um cartaz enorme com as fotos dos mártires, os que já morreram nessa luta pela liberdade e aí você olha os rostos de todas, são pessoas com menos de 30 anos.

A mídia burguesa diz que esses ataques de Israel seriam pelo direito de defesa. São comuns bombardeios a mesquitas e monumentos históricos, culturais e religiosos palestinos?

A gente tem que deixar muito claro que esse negócio de direito de defesa é uma aberração. Se você pegar o relatório da ONU, de 2018, está lá que uma força de ocupação bélica, como é o caso de Israel na Palestina, não pode falar em direitos de defesa, porque ela tem a obrigação de cuidar daquela população cujo território ela está ocupando. É obrigação dela cuidar do desenvolvimento econômico, social, das possibilidades de vida ali naquele território que ela está ocupando. 

E aí você entra numa feirinha, num mercadão, como eu entrei aqui em Ramallah, que tem fruta, verdura, legume. Eu falei ao feirante: “esse milho tá lindo”. Ele falou: “tudo que você tá vendo aí vem de Israel. Eles não deixam, eles controlam a quantidade de água que a gente tem. Então a gente não tem água para produzir nada, a gente tem que comprar tudo deles”.

É uma ocupação colonial mesmo. Não há dúvida. Porque uma guerra supõe duas forças, né?! Não existe simetria alguma. Não adianta querer comparar as duas coisas [Israel e os palestinos]. Você tem um país que tem bomba atômica, tem um exército armado até os dentes, com dinheiro dos Estados Unidos, com as armas mais modernas. E, do outro lado, uma população que está tentando brigar pela sua liberdade. Basta você olhar as imagens de como está Gaza. É uma coisa inacreditável.

Você tem áreas com tudo destruído, tudo demolido, tudo arrasado, tudo acabado. E deve ter muita gente naqueles escombros. Com certeza tem muita gente que não foi socorrida e ficou naqueles escombros. A informação que a gente tem é de que 50% das casas foram destruídas. Acho que isso dá um pouco da dimensão do que é a destruição de uma sociedade.

Como você avalia a resposta internacional ao massacre cometido por Israel?

O governo brasileiro apresentou uma proposta para um cessar-fogo no Conselho de Segurança da ONU, com a abertura de um corredor humanitário para as pessoas saírem e entrar comida, remédio, água e combustível. São 15 países e 12 votaram a favor. Outros dois se abstiveram. Um único país colocou a mãozinha levantada contra a resolução brasileira: os Estados Unidos. 

Então, para quem tinha alguma dúvida, é uma foto que diz tudo, não precisa falar mais nada. Os Estados Unidos poderiam ter impedido esse massacre. Bastava um telefonema do presidente dos EUA Joe Biden para o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, que esse massacre poderia ser impedido. Não fizeram porque não querem e não lhes interessam.

Essa crise toda está deixando os governos do primeiro mundo divorciados da opinião pública dos seus países. A gente tem visto manifestações muito expressivas: 100 mil pessoas nas ruas de Londres, por exemplo. Isso aí está ajudando muito a causa palestina, porque está favorecendo que as pessoas finalmente se conectem com esses seres humanos. 

 

Como correspondente, como é  a experiência de estar em área de conflito armado, debaixo da ocupação militar israelense?

Isso foi uma escolha clara e determinada do ICL. A gente tem que ir lá ver o outro lado dessa história. E eu me sinto muito privilegiada e honrada de ter sido a pessoa que pôde vir fazer isso. 

Eu encontrei umas pessoas incríveis, super hospitaleiras, que fazem tudo para te receber bem, apesar de todo o trauma que estão passando. Eu acho que tem uma coisa que você não fabrica na internet e você não fabrica à distância, que é esse contato pessoal. É o olho no olho, é o cara sentir a sua sinceridade, você sentir a verdade dele. Isso não tem aí, você tem que estar aqui para fazer. 

Então, era fundamental ver por conta própria, poder contar para o Brasil o que é que a gente vê quando chega aqui, porque estava fazendo muita falta. Os palestinos têm o direito de serem ouvidos. E eles ficam muito gratos de a gente vir aqui dar ouvido a eles.


Nota:

ICL (Instituto Conhecimento Liberta) promove cursos gratuitos e tem um canal no Youtube com programação diária.

Entrevista publicada na edição nº 282 do Jornal A Verdade

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