O 8º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) foi marcado por episódio de racismo institucional à docente.
Stefan Chamorro | Rio Grande do Sul
Entre os dias 23 e 24 de novembro ocorreu o 8º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS). O evento tem por objetivo oportunizar um espaço de integração à comunidade acadêmica, visando ao compartilhamento dos conhecimentos produzidos nos âmbitos da pesquisa, da extensão e do ensino, nas diversas áreas do conhecimento, para a sociedade, bem como à promoção da reflexão sobre a importância da ciência para o desenvolvimento do país. Esse é o momento mais importante existente no interior do IFRS.
Hoje, o Brasil inteiro possui 28 Institutos Federais (IFs) distribuídos em todos os estados. Possuem mais de 800 mil estudantes que são formados com a melhor educação de nível Médio do país, adquirindo aquilo que chamamos de “ensino técnico”. Com elevada qualidade, dada a formação de seus servidores, cuja maioria possui mestrados e doutorados, seus estudantes se formam com habilitação nas áreas de informática, química, mecânica, eletrônica, administração, eletricidade, agroecologia, entre outras muitas.
Até mesmo uma instituição de excelência pode ser envergonhada pela mais completa ignorância. Pois, justamente, no momento mais importante da produção de conhecimento, tivemos a maior demonstração de estupidez. A professora Giselle Maria Santos de Araujo, docente de um dos campi de periferia do Instituto, na cidade de Alvorada (na grande Porto Alegre), coordenando um projeto de Extensão chamado Tópicos em Educação Antirracista, apresentado nesse 8° Salão de Ensino, Extensão e Pesquisa foi vítima de racismo institucional.
Esse fato ocorreu durante a apresentação do trabalho por suas orientandas, quando uma das avaliadoras da seção de apresentação de trabalho, anunciou o momento da apresentação do trabalho chamando o nome de apenas uma estudante, Giselle avisou que as três estudantes que compõem a equipe apresentariam conjuntamente o trabalho dentro do tempo de apresentação de 10 minutos, conforme o regulamento. Em seguida, uma servidora informou que a representante do evento não teria autorizado a apresentação conjunta. Durante a explicação foi explicado que as alunas constavam como apresentadoras do projeto, conforme documento de inscrição. Logo, a banca permitiu a apresentação.
As estudantes já faziam a exposição quando uma importante servidora da Reitoria invadiu a sala, aos gritos, dizendo que as estudantes não apresentariam. Protagonizou um revoltante e lamentável episódio de constrangimento para as estudantes que apresentavam, além de a todas as demais pessoas presentes. Diante de toda a demonstração de grosseria, de empáfia, de superioridade e de abjeto racismo, a professora Giselle respondia com argumentos.
Racismo institucional no IFRS
Uma das Pró-Reitorias do IFRS emitiu uma nota mostrando-se consternada. Consternação não serve para dimensionar o tamanho da vergonha que se deveria estar sentindo diante de um momento tão protocolar desta instituição. Diante de estudantes, ainda, é um momento de desgosto completo em termos pedagógicos.
A construção do Brasil foi marcada por secular e injusto processo de distribuição de condições de subalternidade e privilégio. A inerente injustiça nisso envolvida têm, entre outras motivações, uma de caráter relacionado à cor da pele. A não reversão desse mal histórico levou a aquilo que conhecemos como racismo estrutural. Sabe-se, portanto, o quão difícil é a correção de rumo para a elevação de uma sociedade igualitária e equânime. Algo assim nos exige contínua ação coletiva e autodisciplina para superação dos equívocos e vilipêndios.
A partir disso, põe-se a seguinte reflexão. Como pode uma atitude vergonhosa e escandalosa, marcada pela soberba, tomada no interesse de interromper durante um momento mais do que formal, de ápice de uma instituição, ser uma ocorrência aceitável no fazer profissional. Isso exige um nível de empoderamento que reproduz percepções de lugar e de subalternidade, naturalizadas como normais.
Infelizmente, são cada vez mais frequentes os relatos de constrangimento denunciados por servidoras e servidores. Devemos considerar que, sempre, os eventos institucionais ocorrem na reitoria do IFRS, em Bento Gonçalves. Apesar de ser a cidade da reitoria, a região serrana do Rio Grande do Sul reforça e legitima um espaço que dialoga somente com algumas identidades, práticas e concepções morais. Outros campi do IFRS como Canoas, Viamão, Restinga, Alvorada são formados por culturas da periferia. Estão formadas por estudantes que não são brancos e que não estão integradas nessa identidade que se orgulha ser formada por imigrantes europeus.
O último quadriênio, marcado pelo governo fascista de Bolsonaro, foi de um governo que primou pela reafirmação de preconceitos. Aqui no IFRS, foi também marcado pela tentativa de institucionalização de males. Não queremos crer que a vileza tenha prosperado no interior da nossa instituição. O SINDOIF, portanto, se coloca contrário a toda forma de submissão de gênero, raça e de classe que, coincidentemente, tendem a se conjugar em proporção direta ao teor das agressões. Arbitrariedades que, usualmente, vão de acordo com a condição da pessoa que tem seus direitos ameaçados.
Episódios como este não podem passar sem que tenham suas causas profundamente analisadas, para que não venham a se repetir. E, em caso de confirmação de dolo, que as pessoas envolvidas sejam responsabilizadas na forma da lei.
Enquanto isso, ainda falam alto as palavras do filósofo marxista Álvaro Vieira Pinto: “a escola e a universidade não farão a revolução que o Brasil precisa; a revolução fará a escola e a universidade que o Brasil precisa”.
*Professor do IFRS e Militante da UP e do MLC