Templos da alegria ou templo é dinheiro?

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A Proclamação Republicana acabou com o regime do padroado e do catolicismo oficial, mas não aboliu privilégio das igrejas e ordens. As ordens religiosas e igrejas gozam de privilégios fiscais e tributários sobre propriedades, bens e serviços e imunidades e isenções injustificáveis. Na quarta-feira, 17 de janeiro de 2024, a Receita Federal derrubou a isenção fiscal das “prebendas” imorais de líderes religiosos. No entanto, ainda é preciso investigar a movimentação financeira e o crescimento patrimonial desses “grandes negócios da fé”. 

Natanael Sarmento | Recife-PE


Trem da alegria

No vernáculo de Camões, a expressão “trem da alegria” significa daqueles que se beneficiam imerecidamente, os que entram pelas “portas dos fundos”, burlando e se beneficiando das brechas legais ou não, para obtenção de vantagens pessoais. 

A expressão foi banalizada nos muitos casos de apadrinhados de “cargos públicos”, “comissionados” ou sem concurso.  Também se emprega para falcatruas e licitações simuladas, compra e venda da Administração Pública e mesmo as “privatizações” a preço de banana do patrimônio público.  Traço histórico cultural da corrupção política manifesta no nepotismo, fisiologismo, apadrinhamento, favorecimentos e locupletamento do que é público, ou do interesse público, por particulares.

Templos da alegria

O Brasil tem mais igrejas do que bibliotecas, mais casas de apostas que livrarias. Igrejas e casas de apostas são negócios lucrativos. A frase “tempo é dinheiro” de Benjamin Franklin alguém atualizou para “templo é dinheiro”. Se a economia capitalista não se alimentasse com as Pequenas Igrejas, Grandes Negócios, elas não brotavam como ervas daninhas em cada esquina. 

Defendemos a atualização da expressão “trem da alegria” para “templo da alegria”. A carapuça não cai na cabeça de pessoas idôneas, ministros religiosos íntegros, decentes existem em todos os lugares, até nas igrejas e ordens religiosas. Afirmamos que o hábito não faz o monge: o paletó e a bíblia na mão dão caráter a ninguém. 

Narcopentecostalismo

Nada é por acaso. Tampouco o crescimento das igrejas pentecostais nas favelas e comunidades pobres do Brasil, juntamente com as guerras de facções em disputas de territórios. Estelionatários da fé, agiotas dos dízimos, operam como intermediários ou gerentes da lavanderia de dinheiro do tráfico de drogas no Brasil.

Não estamos falando apenas da manipulação ideológica do nome de Jesus por salafrários que simulam falar ao telefone celular com Deus e realizar curas em cultos ao vivo. “Vá de reto, Satanás!”.

Referimos a participação direta de pastores em facções de traficantes, tornado público no complexo de Israel do Rio de janeiro, fenômeno chamado pelos estudiosos de narcopentecostalismo.  

Estado laico, mas nem tanto

A separação igreja e Estado do Brasil é retórica. A Proclamação Republicana acabou o regime do padroado e do catolicismo oficial, mas não aboliu privilégio das igrejas e ordens.  A Carta Constitucional da República de 1891, 1934, 1937, 1945, 1967 e 1988 declaram o estado laico. Porém, injustificadamente, as ordens religiosas e igrejas gozam de privilégios fiscais e tributários sobre propriedades, bens e serviços e imunidades e isenções injustificáveis.

Não pagarem impostos sobre aluguel de imóveis, nem sobre os bens em nome da entidade, nem sobre serviços prestados. Na reforma de templos, o material adquirido e serviço contratado pela organização religiosa é isenta de impostos. O Supremo Tribunal Federal consolidou esse jaboti no telhado:  IPTU de imóveis das igrejas e IPVA dos veículos em nome das entidades religiosas, possuem isenção.

Porsche de Jesus

A regra são carros de luxo, aviões, iates, helicópteros, afinal a porta aberta da “salvação” gosta de isenções, prebendas e concessões públicas. 

O ex-deputado Eduardo Cunha, evangélico, exibia o seu “Porsche de Jesus” com isenção de IPVA e não é o único pastor desse rebanho a usufruir tais privilégios. Igrejas recebem terrenos públicos graciosamente e concessões de rádio e televisão, para melhor servir a Deus e a sociedade, e Pai Noel existe. 

Os votos do rebanho

“Deus é fiel” e o voto do rebanho protestante, nos lembra dos tempos do “voto de cabresto”, da eleição à bico de pena. Há, obviamente, diferenças. Não é mais o Coronel com uso da violência física que garante os votos nos deputados, senadores, governadores, nessa forma de fraude; hoje, é o pastor, o líder espiritual que usa da fé religiosa, da persuasão, na forma de lavagem cerebral em sua forma mais evidente de violência ideológica – proibições de informação fora do “quadrado”, doutrinação de forma direcionada e absurdamente manipulada. Essa trupe chegou timidamente, comendo pelas beiradas, com dólares americanos, nos anos 60, ajudaram ainda que secundariamente, na preparação do golpe de 1964, mas cresceram como metástase no tecido social durante a Ditadura e hoje representam esse câncer obscurantista que mina a sociedade brasileira com força econômica e política considerável. 

De olho nos votos dos evangélicos, as raposas políticas do poder burguês, em vez de combaterem as corrupções e imoralidades antirrepublicanas desses privilégios indevidos, fazem cada vez mais concessões. Foi o caso do “evangélico” Jair Bolsonaro que, em agosto de 2022, deu isenção para as “prebendas” dos pastores. Qualquer trabalhador brasileiro para imposto sobre o que recebe, mas pela lei do fascista os pastores ficavam isentos.

Revogação da isenção

Na quarta-feira, 17 de janeiro de 2024, a Receita Federal, afinada a parecer do TCU, que vê ilegalidade na isenção, derrubou a isenção fiscal dessa “prebendas” imoral de líderes religiosos.

Foi o suficiente para os lobos com peles de cordeiro das igrejas pentecostais e outras beneficiárias, protestarem.  A senhora Damares, do Jesus da Goiabeira, na tribuna vocifera na guerra, fome e morte dos 4 cavaleiros do apocalipse, contra a medida.  

Para ir além

Aplaudimos e apoiamos a medida do Governo Lula de suspender a isenção imoral sobre rendas, salários e prebendas de pastores e ministros religiosos de qualquer credo ou religião. 

No entanto, defendemos a criação de uma CPI para investigar a movimentação financeira e o crescimento patrimonial desses “grandes negócios da fé”. Defendemos também a revisão e revogação de todas as concessões de rádios e televisão até que se comprove o efetivo serviço público, a conversão de benefício em favor da sociedade. Advogamos alterações na chamada Reforma tributária para incluir a taxação de grandes fortunas e a revogação de todas as imunidades e isenções tributárias das igrejas.

Não faz sentido qualquer entidade que não seja da administração pública direta, indireta e fundacional, federal, estadual, distrital e municipal, gozar das prerrogativas das imunidades típicas da administração pública.