Levantamento do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur/UFRJ) desnuda falta de políticas de habitação na cidade. Famílias das ocupações do Rio de Janeiro afirmam que seguirão lutando por moradia popular
Paula Guedes | Rio de Janeiro (RJ)
Um levantamento do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o Observatório das Metrópoles e a Central de Movimentos Populares, divulgado no último mês de julho, mapeou que existem 69 ocupações de imóveis abandonados no Centro do Rio de Janeiro que abrigam 2.435 famílias sem teto. O estudo também aponta que mais de 500 crianças vivem nessas ocupações e, ainda, que a maioria dos moradores é composta por pretos ou pardos (85,2%), sendo que aproximadamente 70% são mulheres.
As famílias que vivem nesses imóveis relatam que ocuparam devido à falta de alternativas de moradia digna a preços acessíveis. A maior parte busca as ocupações como refúgio após não terem conseguido se estabelecer em outros locais, devido à violência, à distância do Centro ou o preço alto dos aluguéis em imóveis regulares.
O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) organiza famílias sem-teto em todo o Brasil e, no Rio de Janeiro, tem organizado as famílias que moram nestas ocupações, além de realizar novas ocupações para dar condições dignas de moradia a essa população.
Enita Pereira, de 59 anos, é cuidadora de idosos e uma das representantes dessas famílias organizadas no MLB. Ela mora numa ocupação espontânea no Centro e conta que se mudou para a ocupação após passar por um despejo: “Eu morava numa casa que desabou após uma ventania e a Defesa Civil interditou tudo. Depois do desabamento, eu procurei o MLB porque estava abrigada numa igreja, mas tinha uma filha pequena e não tinha condições de pagar um aluguel com o salário que eu recebia”.
Enita então participou da Ocupação Luiz Gama, organizada pelo MLB no Centro da cidade, que garantiu moradia digna para 70 famílias. “A nossa situação lá não era fácil. A Polícia manteve um cerco sobre a gente por mais de um mês e não deixava nem água entrar”, conta outra moradora, Alessandra Melo, de 38 anos, mãe de Sophia, dez anos, e de Raí, dois anos. “Mesmo assim, eu gostava muito de morar lá. Meus filhos eram cuidados pelas creches dos jovens e todas nós cuidávamos da cozinha, que servia café, almoço e janta todos os dias”, relata Alessandra.
Um mês após a Ocupação, a Justiça determinou o despejo das famílias, sem nenhuma solução temporária. Mas a luta deu resultado: Enita e Alessandra fazem parte do grupo de 110 famílias do MLB que serão contempladas em dois habitacionais na região central do Rio de Janeiro, com previsão de início das obras ainda neste ano.
A conquista do Movimento é muito importante, mas, infelizmente, ainda é uma exceção. Para a grande maioria das famílias que vivem em ocupações no Centro, os Governos Estaduais e Municipais não oferecem auxílios imediatos e nem soluções permanentes. Exemplo disso é que, em julho deste ano, a Secretaria Municipal de Habitação, que já não conta com programas próprios, ainda sofreu um corte de quase R$ 230 milhões por determinação direta do prefeito Eduardo Paes (PSD).
Hoje, o programa Minha Casa, Minha Vida tem sido o principal programa social relacionado a moradia no país, mas ainda sofre com problemas. Marcia Valêncio, trabalhadora doméstica, de 50 anos, conta sua experiência de morar em um condomínio do programa, em Senador Camará, a quase 40 km do Centro da cidade: “Eu morava em uma ocupação no Centro, mas fomos removidos e transferidos para o condomínio, mas lá a violência é muito grande e é muito distante das casas em que trabalho. Depois de anos, procurei novamente o MLB para participar de uma ocupação e ter novamente o direito de morar e de trabalhar”.
A inexistência de grandes programas de habitação social e a insuficiência dos programas que existem se torna, portanto, um dos principais motivos que explica a permanência de tantas famílias em ocupações no Centro. Renan Carvalho, coordenador do MLB e morador do Rio de Janeiro, afirma: “Enquanto não houver um programa permanente de construção de moradias populares, de combate aos preços altos de aluguel e de urbanização dos bairros populares, a saída do povo será sempre ocupar! Se a porta está trancada para nós pelo caminho da compra, do aluguel ou pelo caminho dos programas sociais, vamos abri-la na marra, através da luta!”.
Matéria publicada na edição nº 297 do jornal A Verdade