Durante o governo Bolsonaro, líderes evangélicos apoiaram o fundamentalismo religioso, resultando em discursos de ódio e ataques a minorias. Movimentos cristãos progressistas, como a Teologia da Libertação, e igrejas inclusivas têm combatido essa tendência, defendendo a justiça social e os direitos humanos.
Coletivo Cristãos Antifascistas
As origens do fundamentalismo religioso no Brasil
Ao explorar as raízes e as transformações que o conceito de “fundamentalismo” sofreu ao longo do tempo, chegamos a uma compreensão mais ampla, percebendo como “fundamentalismos”. Estas são formas concretas de interpretar a realidade e de agir com base nessas interpretações.
Assim, os fundamentalismos religiosos nas igrejas podem ser vistos como uma visão de mundo específica, onde a realidade é interpretada através de uma matriz religiosa que, por sua vez, influencia ações políticas. Essas ações buscam enfraquecer processos democráticos, negar abordagens científicas (vistas como ameaças à fé ou ao status quo), e desvalorizar a pluralidade cultural, a diversidade étnica e os direitos sexuais e reprodutivos. Neste contexto, matriz religiosa e ações políticas estão interligadas e se reforçam mutuamente. Eles identificam como inimigos os movimentos sociais, ativistas de direitos humanos, cientistas, intelectuais, educadores, sindicatos, partidos políticos e lideranças sociais que desafiam suas crenças.
As ações públicas de confronto constante contra esses “inimigos da verdade” são frequentemente alimentadas pelo pânico moral, que é identificado pelo uso de desinformação e de fake news.
O seu avanço no Brasil teve maior visibilidade durante o governo de Bolsonaro, onde figuras das maiores igrejas evangélicas do Brasil se aliaram ao ex-presidente como Silas Malafaia, pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADEVEC), o bispo Edir Macedo, da igreja Universal do Reino de Deus e Romildo Ribeiro Soares, mais conhecido como R.R. Soares, apresentador do programa Show da fé e dono da Igreja Internacional da Graça de Deus. Essas igrejas citadas são umas das que mais tem membros registrados no Brasil e declararam total apoio ao ex-presidente.
O que antes era o lema popular dos evangélicos “cristão não se envolve em política” atualmente tornou-se o “cristão vota em cristão”.
Uma intervenção e mesclagem da fé com política de extrema-direita resulta na aliança de interesses de cunho reacionário, propagando discursos de ódio que demonizam a sua oposição com um discurso moralista, antibíblico, que ataca as minorias como pessoas de diferentes orientações sexuais e identidade de gênero, indígenas, quilombolas e religiões de matriz africana. Também demonizando com mentiras a consciência de classe e qualquer um que se identifique como de esquerda.
Essa postura fundamentalista nas igrejas não é nova e tende a persistir, pois sempre haverá aqueles que, por insegurança, timidez, autoritarismo ou oportunismo, buscarão impor uma visão estreita e inflexível da fé, excluindo qualquer perspectiva que ameace seu controle ou desafie suas crenças.
O papel das igrejas progressistas
Diante das tragédias causadas pelo fundamentalismo, muitos cristãos levantaram as suas vozes de diferentes formas, uns de maneira mais conciliadora, outros de maneira mais radical. Os humanistas como Erasmo de Roterdão não deixaram de ser cristãos mesmo combatendo o fundamentalismo de seu tempo.
Um exemplo recente de movimento cristão que surgiu para combater o fundamentalismo foi a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito (FEED), nascida em 2016 após o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Outro exemplo de organização evangélica brasileira que surgiu para combatê-lo é o movimento Novas Narrativas Evangélicas, uma comunidade-plataforma de comunhão, construção e afirmação da pluralidade de identidades evangélicas. O Novas, como é conhecido, tem buscado articular os jovens evangélicos de diferentes denominações cristãs para pensar a fé em relação à pauta de direitos humanos e de combate ao fundamentalismo.
As Igrejas Inclusivas (ICs), que surgiram na década de 1990 no Brasil e fazem parte de um movimento iniciado nos EUA em 1968, acolhem grupos sociais historicamente marginalizados pelas religiões cristãs, como LGBTQ. Alguns exemplos são a Igreja Contemporânea Cristã, do Rio de Janeiro, a Cidade Refúgio e a Congregação Cristã Nova Esperança, ambas em São Paulo.
Na Igreja Católica, destacam-se as pastorais sociais, como a Pastoral da Juventude (PJ), a Pastoral Carcerária e a Pastoral da Terra. Essas pastorais são responsáveis por eventos importantes, como a Campanha da Fraternidade, realizada durante a Quaresma, e o Grito dos Excluídos, que todo ano acontece no dia 7 de setembro. Além disso, há o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um organismo que, desde os tempos da ditadura militar, atua em defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil.
Congregações como a dos Missionários Combonianos (uma congregação religiosa fundada por São Daniel Comboni) e organizações como as comunidades eclesiais de base (CEBs), também combatem o fundamentalismo em função de sua ligação com a Teologia da Libertação.
A Teologia da Libertação e a Teologia Integral são teologias que surgiram na década de 60 para aproximar a igreja dos pobres e marginalizados, encontrando novas formas de vivência da fé cristã e conciliando a religião com a justiça social.
A fé, sem obras, é morta
O fundamentalismo é uma organização reacionária de religiosos que usam dos sentimentos das massas populares para com a religião para se promoverem política e economicamente. Ora, se ela é uma organização, logicamente só pode ser parado por uma organização a altura.
Nos últimos tempos, o seu avanço no mundo demonstra que seu combate precisa de uma renovação, uma maior unidade e organização por parte dos vários setores da sociedade e principalmente de dentro do próprio cristianismo. Nas décadas de 60 a 90 havia na América Latina uma Teologia da Libertação combativa e forte, nessa época, o continente sofria com inúmeras ditaduras sustentadas pelo imperialismo e perseguição por parte do Vaticano.
Hoje, onde a América Latina desfruta de maior liberdade que no século passado e que o atual Papa, por muitas vezes, se torna um obstáculo ao fundamentalismo, parece que a Teologia da Libertação desapareceu. É necessário resgatar a história subversiva do cristianismo, relembrar dos padres guerrilheiros como Camilo Torres e Ernesto Cardenal, de religiosos que tiveram uma vida profética como Dom Pedro Casaldáliga, retomar o estudos dos clássicos da Teologia da Libertação como Ética Comunitária, de Enrique Dussel e Teologia da Libertação de Gustavo Gutiérrez, o combate ao fundamentalismo não pode ser feito por um corpo sem mente, é necessário que a Teologia da Libertação volte a ser estudada.
O fundamentalismo cria um ídolo a imagem do Deus da vida e engana o pobre, o Deus da vida é incompatível com ele, porque a libertação do oprimido das mãos de seus opressores é mandamento dele.