Venezuela: movimento popular enfrenta sanções do imperialismo e crise

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Enviado do jornal A Verdade à Venezuela apresenta iniciativas e posições dos movimentos populares da pátria de Hugo Chávez para lutar contra a ofensiva imperialista e construir o socialismo

Renato Campos | Caracas (Venezuela)


O processo da luta de classes é complexo, possuindo uma série de contradições, que influenciam na conjuntura de um país, de um continente e, por consequência do mundo. Na Venezuela, este processo possui características peculiares. O jornal A Verdade teve a oportunidade de vivenciar experiências dos movimentos populares da Venezuela por meio do contato com militantes da Unidade Popular Revolucionária e Anti-imperialista (Upra) e do Movimento Gayones, organização marxista-leninista que luta pela revolução socialista no país.

O professor Pedro Rosas, atual presidente da Upra, me recepcionou em Caracas, capital venezuelana. Enquanto íamos de uma atividade a outra, estabelecemos conversações sobre inúmeros temas. Nessa visita, participei de debates sobre a conjuntura latino-americana, a luta anti-imperialista, a importância da organização popular e, claro, sobre a situação política atual na Venezuela.

“O nosso problema é que não foi feita a revolução. Ocorreram vários avanços significativos, porém, a lógica da sociedade é capitalista. Não foi abolida a propriedade privada dos meios de produção e nem alterada a circulação das mercadorias, o que acarretou uma série de problemas concretos para a vida do povo”, afirma Pedro Rosas.

Na manhã do dia seguinte à minha chegada, pegamos o metrô de Caracas. Este transporte público voltou a funcionar apenas recentemente. Isto porque o imperialismo estadunidense suspendeu a sanção que proibia o comércio de petróleo com a Venezuela em razão da guerra Rússia-Ucrânia, ocasionando um breve suspiro econômico ao país.

Enquanto nos acomodávamos nas cadeiras, Pedro falava da conjuntura do país: “Sofremos um grande ataque por parte do imperialismo estadunidense. Em 2019, foram mais de 900 sanções. Há a proibição de o Estado venezuelano negociar qualquer produto com outro país. Assim, não podíamos comercializar o petróleo, base fundamental da nossa economia. Além disso, a pandemia do novo coronavírus fez um impacto tremendo em toda a sociedade. Muitas dificuldades de garantir as condições básicas à população. Da situação dos trabalhadores, mais de 50% da população é de servidores públicos. O salário mensal em nosso país é de apenas três dólares. O governo paga um abono de 100 dólares para cada funcionário. Quando há datas importantes, como o Dia Internacional da Mulher, entre outros, o governo paga mais três dólares a cada servidora pública. Assim, em média, ganhamos 103 a 106 dólares. Importante frisar que é um abono, pois não está vinculado ao salário. Assim, quando se aposenta, perde esses 100 dólares. Então há uma luta dos sindicatos para que o governo incorpore este valor aos salários. Isso não dá pra comprar nada, então temos de trabalhar em outra coisa. No serviço público ocorre esse processo. No setor privado não é muito distinto. Há empresas estrangeiras que negociam acima desse valor de salários, mas são pouquíssimas. A Ford, por exemplo, se manteve na Venezuela. Está na cidade de Valência, capital do Estado de Carabobo. No entanto, mantém apenas 45 trabalhadores e não há trabalho todos os dias. Assim, os operários fazem carretos, os que têm carro, fazem transporte, vendem alimentos nas ruas para complementar a renda. O governo subsidiou os serviços de água, luz e gás para toda a população, o que economiza bem os custos da manutenção de uma família”.

Durante a viagem, foi possível observar as enormes favelas de Caracas. A capital é cercada de montanhas e nelas estão as moradias de grande parte da população. Quando desembarcamos no Centro, Pedro falava sobre os efeitos da crise na educação: “Um dos efeitos mais graves ocorre na educação. O governo não consegue manter abertas as escolas primárias e nem as universidades. Por consequência, não temos mais restaurantes universitários, e o governo não consegue pagar o salário de antes aos professores. Assim, um professor universitário também ganha três dólares de salário e o abono de 100 dólares. Então os professores estabeleceram com o governo que não podem trabalhar todos os dias recebendo só isso de salário, pois precisam trabalhar em outra coisa para complementar a renda. Assim, as aulas ocorrem entre dois ou três dias na semana. As aulas são dadas e, durante a semana, estabelecemos conversas com os alunos por aplicativos de mensagens ou e-mail.  Então há um intenso debate sobre a qualidade do ensino. O Governo, por sua vez, pressionou para que houvesse o pleno funcionamento das universidades, o que não aconteceu. Há ainda o problema da imigração. Muitas pessoas da comunidade universitária saíram da Venezuela. Muita gente mesmo, em torno de oito milhões de pessoas. Foram para Colômbia, Peru, Argentina, Brasil, entre outros países”.

De fato, enquanto o companheiro falava, eu observava as calçadas e não se via muita gente entre 20 e 40 anos, a imensa maioria das pessoas aparentava ter acima dos 50 anos ou eram crianças e adolescentes.

Participei de reuniões com Comunas, em Caracas, com os trabalhadores da Ford, em Valência, camponeses na cidade de San Carlos e operários das fábricas ocupadas na cidade de Barquisimeto [1], capital do Estado de Lara. Entre o transporte de ônibus e de carro, pude escutar bastante sobre a experiência das Comunas. “As Comunas são uma experiência de organização popular impulsionada pelo governo de Hugo Chávez. É uma política que também ocorre na Colômbia, mas aqui tiveram mais respaldo por ter uma lei que garante seu funcionamento e o apoio governamental. Essa lei foi promulgada depois da tentativa de golpe reacionário contra o Governo Chávez, em 2003 [2]. Como resposta, o governo fortaleceu as Comunas, cedendo território e apoio político para as suas demandas. As Comunas nas grandes cidades organizam o bairro, reivindicam as demandas ao governo. No auge da pandemia, as Comunas distribuíam cestas básicas para as famílias mais carentes. Já na zona rural, as Comunas organizam a produção de alimentos e podem estabelecer comércio entre si. Um exemplo, dirigimos uma Comuna em San Carlos, Estado de Cojedes. Produzimos manga e podemos comercializar com outra Comuna que produza mandioca. Nossa luta é para que as Comunas tenham mais independência do governo, mostrar ao povo que nossa classe pode dirigir a produção efetivamente e, que quando isso ocorre, nosso povo come, bebe, trabalha e tem acesso a tudo”.

Como se aproximavam as eleições venezuelanas [4], era possível sentir o clima de disputa nas ruas. Conversando com as pessoas, era possível perceber o que está no imaginário geral da população: “Maduro não é Chávez. O governo dele não expressa a causa que defendia Chávez”, falava um vendedor ambulante enquanto comíamos arepa [3] e tomávamos café. “Não há o apoio devido às Comunas e nem às fábricas tomadas. Falta dinheiro para saúde e educação, há corrupção. Mas a direita não pode ganhar! Maduro é o que nós temos, infelizmente”. E Pedro ainda completou: “Há grande conciliação com setores da burguesia nacional, o que fica evidente na composição do governo. Enquanto isso, a direita não tem força. Maria Corina Machado não tem partido e representou os interesses do Panamá na Organização dos Estados Americanos, não se pode ser presidente de um país quando se defende os interesses de outro em espaços internacionais. O outro candidato da oposição, Edmundo González, mora em Miami, e nem possui passaporte venezuelano para voltar. Ao todo, são dez candidatos de oposição que brigam entre si. Vamos apoiar Maduro nestas eleições e fazer avançar a luta de classes. Temos que fortalecer as Comunas, fazer críticas ao governo com o objetivo de fortalecer os sindicatos, movimentos populares em suas reivindicações”.  Há um enorme espaço para atuação nos movimentos populares, apesar das privações provocadas pela crise.

Ao final da viagem, o companheiro Pedro Rosas me disse: “Mande uma saudação revolucionárias aos camaradas do Brasil. Por aqui, seguimos lutando!”.

Notas

  1. Leia as matérias “Trabalhadoras assumem controle de fábrica na Venezuela” (nº 293) e “Se eles não produzem direito, tomemos a produção” (nº 294).
  2. Para maiores informações, veja o documentário “A Revolução não Será Televisionada”, lançado em setembro de 2003.
  3. Arepa é um prato de massa de pão feito com milho moído ou com farinha de milho pré-cozido nas culinárias populares e tradicionais da Bolívia, Colômbia, Venezuela e Panamá.
  4. Que ocorreram no último dia 28 de julho.

Matéria publicada na edição n° 296 do jornal A Verdade