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terça-feira, 15 de outubro de 2024

“A luta antifascista e anti-imperialista deve ser o eixo da ação política unitária em toda a América Latina”

O jornal A Verdade entrevistou Pedro Rosas, dirigente da Unidade Popular Revolucionária Anti-imperialista (Upra), da Venezuela. Conversamos acerca do atual cenário político venezuelano e os desafios para o avanço da classe trabalhadora daquele país e da América Latina.

Renato Campos | Redação


A Verdade – Qual a Opinião da UPRA sobre o processo eleitoral na Venezuela?

Pedro Rosas – Para nós, da Upra, a Venezuela está vivendo um momento eleitoral decisivo. Nossa análise é que se abre um novo período revolucionário, por várias razões.  Primeiro, porque a agudização das contradições chegou a níveis tão altos, que a burguesia tradicional, agente do imperialismo, colocou muitos recursos para acabar com o processo e recebeu uma derrota estratégica. Foi uma derrota indiscutível, que ainda tentam reverter. Ainda que, pela atuação dos fascistas nas redes digitais, passou-se uma ideia de vitória, influenciando internacionalmente e internamente. A oposição de extrema-direita, devido ao processo de fascistização que vive o mundo, ganhou novos apoiadores midiáticos, porém estes não votam nas eleições aqui. É aí que o plano deles falha.

Segundo, é que se desnudou a ingerência do imperialismo nos assuntos internos da Venezuela. Deixou claro o bloqueio dos Estados Unidos e da União Europeia. Evidenciou também a expansão das concepções fascistas em um setor da população. Isto ocorreu graças às respostas das organizações revolucionárias em nível nacional e internacional, que não se deixaram manipular. Estamos fazendo esse enfrentamento através da Upra há muito tempo. A partir da ofensiva fascista, vários setores, movimentos populares e partidos políticos estão também nessa luta. O próprio governo nacional convocou um congresso internacional a fim de debater a questão.

Depois das eleições, alguns governos progressistas ficaram a nu e mostraram sua essência socialdemocrata, lacaia, servil e de braço do imperialismo, o que certamente isola ainda mais o governo venezuelano. Por outro lado, cria um novo limite para definir as táticas políticas das organizações e governos revolucionários em nível regional.

Isso tem levado as organizações revolucionárias e a militância de esquerda a definir uma posição: apoio à interferência histórica da Doutrina Monroe ou às opções para romper com essa política, independentemente das críticas e exigências que possamos fazer aos governos, aos seus programas e às suas ações.

Por último, pensamos que o outro significado do novo período é a ampliação da luta antifascista e anti-imperialista como eixo da ação política unitária em toda a região e a possibilidade de iniciar uma nova onda de combate pelo socialismo, como contrapartida necessária ao fascismo.

Houve uma época em que a luta revolucionária tinha como eixo enfrentar as ditaduras repressivas e lutar por “democracia”. Hoje, a luta, mais do que para participar em eleições ou na democracia formal, centra-se em derrotar o processo de fascistização que avança em todo o mundo e na nossa região. É preciso travar a interferência do bloco imperialista dos Estados Unidos e União Europeia.

Se isto não for compreendido, pode acontecer que algumas organizações “revolucionárias” acabem como defensoras da “democracia em geral” nas fileiras dos agentes do imperialismo ianque, como acaba de acontecer na Venezuela com alguns supostos “comunistas”, que não conseguem compreender as mudanças na situação internacional e que a formalidade da democracia burguesa foi substituída por outras formas mais próximas das bases populares.

Qual a avaliação da Upra sobre o governo de Nicolás Maduro e a luta popular na Venezuela?

O governo de Nicolás Maduro tem uma conformação heterogênea, com grande influência da pequena burguesia, especialmente expressa na abordagem de uma tendência que reivindica uma suposta “burguesia revolucionária”, tendência esta que ficou de fora do gabinete de governo nas últimas mudanças, uma decisão que aplaudimos. A incorporação de civis e militares provenientes de posições populares e avançadas confere a este gabinete um certo olhar para a esquerda, possivelmente devido a necessidades pós-eleitorais e mudanças na correlação de forças.

Devido a essa composição heterogênea, há idas e vindas na gestão política. Nós mantemos a política de apoio crítico e com exigências. Nossa visão é de empurrar para posições à esquerda mais avançadas com políticas de origem popular e revolucionária.

Como se comportaram as elites econômicas do país em relação ao processo eleitoral e ao imperialismo?

A democracia burguesa e suas instituições foram postas em dúvida por parte da própria burguesia tradicional ao acusar de fraude o Conselho Nacional Eleitoral. Fato que quebrou o paradigma estabelecido a partir de 1958, quando a direita tomou uma posição democrática e respeitou as instituições. Agora, inaugura uma posição de desconhecer as instituições, propagandeando aos seus seguidores que elas são inúteis, não servem para nada, abrindo a porta para uma tendencia autoritária. Antes, todos acreditavam que o sistema eleitoral era legítimo. Agora querem fazer crer que ele não funciona e que é possivel fraudá-lo, dando um passo mais longe que Juan Guaidó, que se baseou nos resultados eleitorais de 2015 para iniciar sua ruptura.

A direita fascista rompe todos os limites dos processo eleitorais internos e vai atrás de apoiadores externos para justificar sua posição. Isto faz com que, dentro de nosso país, fique clara a posição pró-imperialismo ianqui da direita. Todas as instituições do Estado respaldam a decisão do CNE, inclusive, a maioria dos partidos políticos. A extrema-direita ficou sozinha com o apoio ianqui.

Os seguidores de Maria Corina Machado agora são identificados mais claramente como traidores do interessa nacional, contrários à soberania e agentes diretos dos gringos. Agora, na Venezuela, se debate se a essência da democracia é acatar o que diz o Departamento de Estado dos EUA ou as decisões que favorecem as maiorias populares.

Ficando também o questionamento do modelo de democracia burguesa que impõe o modo de vida estadunidense e abrindo às massas populares a possibilidade real de consolidar um esquema democrático diferente, mais avançado e de base popular-comunal.

As elites econômicas estão totalmente contra o governo. Porém, sabemos que a dinâmica do capital consiste em fazer negócios e obter a maior taxa de lucro. Assim, curvam-se perante quem fizer a oferta mais elevada. Para o governo, a aliança com esta burguesia é uma opção para tentar ativar o aparato industrial, já que alguns têm dúvidas sobre as capacidades do movimento popular. No entanto, é claro que a burguesia conspira e trabalha nas sombras para derrubar o processo.

Como estão funcionando as Comunas na Venezuela e quais são seus principais desafios?

As comunas estão num interessante processo de reanimação, com o desenvolvimento e execução de projetos locais. Há agora um ministro das Comunas de origem popular, comunitário, camponês, que vem do povo e está dando um novo impulso à visão das comunas como instrumento de resistência e avanço.

A gestão das Comunas com um ministro de origem popular abriu expectativas importantes para o movimento popular revolucionário. Esperamos que não se deixe levar pela burocracia ou pelas máfias e continue na sua aliança com as massas populares. Da mesma forma, é interessante a nomeação de pessoas com estudos sobre a guerra popular e a agricultura de guerra, bem como outras pessoas da tradição de esquerda que agora estão no governo.

Para enfrentar o novo período de ofensiva imperialista, o povo deve ter instrumentos que organizem e mobilizem as massas populares para a resistência e a luta contra a agressão imperialista. Aí se expandem as possibilidades do movimento popular revolucionário.

A classe trabalhadora, bem como os camponeses e companheiros das Comunas, são atingidos economicamente, mas com um espírito de luta bastante elevado e com uma experiência acumulada na luta contra a extrema direita. Isto ocorre pela tomada de empresas, pelo controle e gestão dos trabalhadores. Alguns casos foram bem-sucedidos; outros, falharam, ameaçados por máfias, corruptos e oportunistas. Mas ficou um grande o acúmulo em saber que não se trata apenas do salário e da luta econômica. Podemos assumir o controle das empresas e da agricultura para colocá-las a serviço do povo.

É uma experiência de resistência e de luta que ainda não valorizamos na sua devida medida e não vimos o que significa na elevação da consciência de classe, porque o modelo tradicional burguês de administração de empresas, com os seus indicadores monetários, continua a encobrir o social. Estes indicadores sociais da gestão operária são escondidos. Assim, são ocultadas as conquistas que a classe trabalhadora, os camponeses e os membros da comunidade alcançam na luta material e moral contra o imperialismo.  Enxergamos isso para além da ação do governo, o que tem possibilitado experiências populares de grande riqueza teórica e prática na construção de um modelo de gestão popular, baseado nas experiências concretas do povo.

Matéria publicada na edição nº 300 do jornal A Verdade

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