No aniversário de 12 anos da Ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte, o MLB celebra conquistas e reforça a luta pela moradia digna. Fundada em 2012 em homenagem a Eliana Silva, uma das principais lideranças do MLB, a ocupação resistiu a despejos violentos e hoje integra sete comunidades.
Edinho Silva | Belo Horizonte (MG)
LUTA POPULAR – Na madrugada do dia 21 de abril de 2012, o nome Eliana Silva renasceu. Não haveria homenagem mais bonita a essa companheira, que uma ocupação batizada com seu nome. Ela foi uma importante militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR), iniciou sua luta no movimento estudantil, no combate à ditadura militar, realizou a Ocupação Corumbiara, em Belo Horizonte (MG), presidiu a associação de moradores e foi uma das principais lideranças na criação do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), em 1999. Eliana nos deixou em 2009, vítima de câncer. O seu legado é a luta. E assim seguimos seus passos.
“O despejo durou mais de 24 horas. Iniciou-se na sexta-feira e só terminou no sábado, véspera do Dia das Mães. Naquele ano, passamos o Dia das Mães com as mães sem terem para onde levar seus filhos. Aquela violência marcou muito a cidade, principalmente o povo, que resistiu e cantava ‘Eliana Silva, mais uma ocupação, não tem medo de Caveirão’… No domingo, o rapper Emicida estava em Belo Horizonte, fazendo um show no Barreiro, bem perto de onde era a ocupação. Ele fez um protesto contra a Polícia, que despejou às famílias e acabou preso. Isso repercutiu nacionalmente, junto com a repercussão do despejo. Eliana Silva virou palavra de ordem dos movimentos na cidade e um exemplo de luta para todas as ocupações do Brasil”, relata Leonardo Péricles, morador da Ocupação Eliana Silva e presidente nacional da Unidade Popular (UP).
Após 21 dias de resistência, a mando do prefeito Márcio Lacerda, com apoio do então governador Antônio Anastasia, a ocupação foi despejada de uma forma extremamente violenta, tendo, pela primeira vez, o uso do Caveirão (veículo blindado) da Polícia Militar, além de helicóptero, bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. Mesmo com tanta violência, as famílias não abaixaram a cabeça, se organizaram mais e refizeram a Ocupação Eliana Silva em 22 de agosto do mesmo ano.
Neste ano de 2024, a ocupação completou 12 anos de resistência e conquistas. Hoje, é um bairro consolidado e parcialmente urbanizado, e a comunidade é um verdadeiro exemplo na luta pela moradia em todo o Brasil.
Em 2013, de forma espontânea, centenas de famílias realizaram a Ocupação Nelson Mandela e, rapidamente, o MLB se somou à luta contra o despejo, indo às barricadas e trincheiras de enfrentamento.
Em 2015, o Movimento organizou a Ocupação Paulo Freire, com mais de 150 famílias. Hoje, com nove anos, a ocupação já conta com o fornecimento oficial de água e se prepara para receber uma quadra poliesportiva coberta e com vestiários, fruto de uma parceria com o Instituto Conhecimento Liberta (ICL), que organizou uma campanha de arrecadação.
Em 2016, o MLB realizou a Ocupação Temer Jamais (no mesmo terreno da Eliana Silva 1, que permanecia abandonado). A ocupação foi despejada com violência em seu primeiro dia.
Parque das Ocupações
O Vale das Ocupações conta com sete comunidades, sendo elas: Horta 1 e 2, Camilo Torres, Irmã Dorothy, Eliana Silva, Nelson Mandela e Paulo Freire. São interligadas por uma área verde que foi adotada e preservada pelas ocupações, que desejam transformá-la em um parque com trilhas e resgatar as nascentes que foram contaminadas pelas indústrias.
O MLB, as coordenações das ocupações e a Escola de Arquitetura da UFMG desenvolveram o projeto do parque, mas muitas coisas ainda dependem da Prefeitura para avançar.
A luta pela urbanização
Os 12 anos de atuação do Movimento na região foram fundamentais para a organização das lutas e os avanços na consolidação da urbanização das comunidades.
Em 2015, após vários dias faltando água nas ocupações, com os moradores já cansados da humilhação de ter que andar uma longa distância, carregando baldes d’água para beber, tomar banho e cozinhar, eles se revoltaram e cercaram o caminhão pipa que fornecia água duas vezes por semana. O veículo só sairia com o compromisso da Companhia de Água e Saneamento (Copasa), de que a ligação de água seria feita. Ao fim da negociação, representantes da empresa foram até a ocupação para dizer que as obras seriam iniciadas.
Em 2016, o MLB ocupou a Câmara Municipal para que as ocupações fossem reconhecidas como áreas de interesse social no Plano Diretor, que tramitava na Casa. Em 2019, o Plano Diretor virou lei com as ocupações reconhecidas em seu texto.
Muita coisa avançou, sempre como resultado das lutas. Hoje, todas as ocupações possuem fornecimento de água, as ruas possuem CEP, parte das ocupações já conta com o fornecimento de energia elétrica e iluminação pública, e a outra parte aguarda o início das obras de instalação. Assim como algumas já possuem pavimentação das ruas para a coleta de lixo e possuem coleta de esgoto.
“A luta ainda está longe do fim. No momento, as ocupações passam por um estudo, para a formulação do projeto de urbanização e regularização por parte da Prefeitura de BH, depois de muita luta e pressão do MLB e dos moradores. Essa foi mais uma grande vitória, porém queremos que a urbanização seja feita com uma verdadeira participação popular, respeitando a história e tudo que já foi construído coletivamente até aqui, e não uma urbanização aos moldes burgueses, autoritários, com violência e despejos sem alternativas, mudando as características do local e expulsando milhares de famílias para fora de BH para atender a grande especulação imobiliária”, afirma Poliana Souza, da Coordenação Nacional do MLB e moradora da região.
Creche Tia Carminha
O nome é uma homenagem à companheira Carminha, liderança do Movimento, que nos deixou em 2011. Ela presidiu a associação de moradores da Vila Corumbiara e organizou o coral de crianças da comunidade.
A creche é um pilar fundamental do Movimento no território. Foi a primeira construção de alvenaria da Ocupação Eliana Silva. Doze anos depois, a creche continua ativa, garantindo que pais e, sobretudo, mães de família, possam trabalhar e terem a tranquilidade de saber que seus filhos estão bem cuidados.
“Eu cheguei na ocupação ainda criança. Passei pela primeira turma da creche. A maior parte da minha vida, vivi aqui. Estive em todas essas lutas: a do caminhão pipa; quando ocupamos a Cemig, a Prefeitura, a Câmara; nas lutas de rua e também nas atividades internas. Me formei na luta. Fui militante da UJR e ajudei na fundação do projeto “Minha Quebrada” para organizar nossa juventude nas ocupações e periferias, onde jovens morrem todos os dias. Aos 18 anos, fui eleito para a Coordenação Estadual do MLB. Hoje, sou casado e tenho dois filhos, uma menina e um menino, que também estão na creche”, relata Adriel Cássio.
Dedico este texto a Dona Eudir Dias, que nos deixou em julho deste ano. Dona Boazinha, como era chamada, é um grande exemplo de luta e inspiração para todos nós. Seu passado difícil a fez uma grande militante contra a fome e seu grande sonho é também o nosso, a construção de uma nova sociedade em que nenhuma pessoa mais passe fome, a sociedade socialista.