XI ENEI demonstrou a disposição de luta da juventude indígena

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Realizado em Brasília, o Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI) reuniu jovens de todo o país. Luta por permanência nas universidades, cobranças ao governo e troca de experiências entre gerações do movimento estudantil indígena marcaram o evento.

Matheus Median* | São Paulo (SP)


Entre os dias 16 e 19 de setembro, estudantes de todo o país se reuniram no XI Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas, o ENEI. Realizado em Brasília (DF), sob a fumaça dos incêndios que atingiam o Parque Nacional da capital, o tema da edição deste ano do ENEI foi “Luta e resistência, efetivando a permanência”.

Cobrança às autoridades

No primeiro dia do evento, a chegada das caravanas ao auditório Athos Bulcão já escancarou a importância do vestibular indígena para a inclusão dos povos originários no ensino superior. As delegações de instituições como UNICAMP e UFSCAR, que já implementaram essa modalidade de ingresso, eram maiores que a delegação do Amazonas, estado mais indígena do Brasil mas com universidades muito atrasadas na criação de políticas de acesso diferenciadas para esses povos. Muitos dos próprios estudantes dessas faculdades paulistas eram oriundos do Amazonas.

As mesas e oficinas temáticas do ENEI, que tiveram temas como “Saúde mental e racismo nas universidades” e “Perspectivas de gênero e LGBTQIA+ nos Direitos Humanos”, foram organizadas de forma a se aproximar o máximo possível das cosmovisões indígenas, dispensando o uso do palco do auditório e dispondo o público em rodas.

Estiveram presentes no Encontro representantes notórias do movimento indígena na política institucional, como a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e a deputada federal Célia Xakriabá. Apesar de esse ser o momento de maior presença de indígenas no Governo Federal na história, o Estado foi cobrado pelos estudantes, que ressaltaram que não basta criar um ministério e várias secretarias, é preciso que esses órgãos tenham força e orçamento para lidar com as grandes demandas de nossa época. O próprio contexto do evento, com uma altíssima sensação térmica na cidade de Brasília em meio aos incêndios causados pelos latifundiários, deixou claros os desafios do atual cenário.

Em sua participação, a deputada Célia Xakriabá também frisou que “não basta ser indígena” nos espaços de poder, já que no próprio Congresso Nacional onde se travam árduas batalhas com os reacionários e representantes do agronegócio há uma deputada indígena do PL favorável à política genocida do Marco Temporal, que visa legalizar o roubo de terras dos povos originários.

Debates e atividades culturais

Nos dias seguintes, o ENEI contou com mesas sobre educação superior e escolar indígena, saúde indígena e meio ambiente. Em todas, os participantes insistiram que os povos indígenas não buscam “viver de forma arcaica”, mas sim a promoção da interculturalidade entre os saberes dos povos e os da sociedade não-indígena.

Nas políticas de meio ambiente, isso se expressa na demanda por saneamento básico nos territórios. Já na educação, são necessários equipamentos e processos que viabilizem uma educação de qualidade que valoriza os saberes tradicionais e cumpre um papel anticolonial na formação dos jovens. No âmbito da saúde, os profissionais da Saúde Indígena relataram a importância do uso da medicina tradicional e do respeito à espiritualidade dos povos para a eficácia dos tratamentos.

Além das mesas, o Encontro contou com manifestações culturais em todas as noites, apresentando a diversidade artística entre os povos indígenas. Os estudantes presentes no ENEI também participaram de duas audiências no Congresso Nacional, que debateram a criação de uma universidade indígena e o espaço da ciência indígena na academia.

Encontro de gerações de lutadores

Essencial para o ENEI foi a participação de lutadoras populares mais experientes, que dividiram seus saberes com as novas gerações do movimento estudantil indígena, como Rutian Pataxó, mestranda da UFBA que coordenou a fundação do Núcleo de Estudantes Indígenas da universidade ainda durante sua graduação. Em entrevista ao jornal A Verdade, ela conta que foi a primeira indígena a entrar no curso de Economia.

“Nós éramos poucos, então nós éramos muito unidos pelo objetivo de buscar políticas públicas efetivas. Assim, idealizamos a criação do núcleo, que começou com 10 pessoas e peitava muito a universidade para que houvesse ações afirmativas para povos índigenas, nunca se contentando com as negativas que recebia. Nessa época, o racismo era muito mais presente e forte, você se sentia inútil, incapaz, o mais burro da turma”, lembra Rutian, que hoje também é primeira ouvidora-adjunta indígena da Defensora Pública do Estado da Bahia.

Com a luta do Núcleo e de entidades do movimento estudantil, como o DCE e os CAs, foi conquistada a isenção do vestibular para indígenas e quilombolas na UFBA. “Tudo foi feito na base da militância estudantil. Nada veio de graça, como se a universidade já quisesse fazer, tudo ela foi pressionada a fazer”, ela reforça.

Doutoranda em história na UFMA e coordenadora do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (MEIAM), Izabel Munduruku também deu seu depoimento ao jornal A Verdade: “Nossa presença ainda é muito tímida na universidade. Ela é uma estrutura que ainda não compreende a complexidade cultural, linguística e histórica dos povos indígenas”.

Izabel denuncia a falta de diálogo das universidades do Amazonas com o movimento estudantil indígena, já que essas instituições não apenas não implementaram vestibulares próprios para os povos originários como também ainda não incluíram nos currículos dos cursos de formação de professores a educação indígena. “Nós somos quase 500 mil indígenas só no estado do Amazonas. Isso demonstra que as nossas universidades precisam de currículos e políticas de inserção e permanência diferenciadas”, ela aponta.

A vencedora da mostra científica do ENEI foi Susan Eloy Terena, pós-graduanda em Antropologia na UFMS: “Eu nasci em Campo Grande, mas minha família vem de Miranda, no interior do Mato Grosso do Sul, da Aldeia Cachoeirinha. Minha avó é uma liderança espiritual do povo Terena, uma Koíxomoneti. Eu pesquiso auto-etnografia justamente para discutir na academia essa identidade que me foi negada durante 30 anos”. Susan é diretora da Rede de Saberes, entidade que busca reunir os estudantes indígenas da UFMS e que luta por permanência na universidade.

Luta dos estudantes indígenas é uma luta anticolonial

Desde que o colonialismo pôs suas garras sobre Abya Yala [1], ele sonha com a exterminação dos povos originários, não apenas por meio das políticas genocidas da pólvora e das armas biológicas, mas também pelo extermínio cultural. No ENEI, os estudantes indígenas demonstraram sua disposição de lutar, sem se contentar com migalhas ou políticas assimilacionistas.

Nas universidades e escolas de todos os biomas, vem se acentuando a luta por uma educação que, para ser libertadora, precisa ser anticolonial e dotada de políticas específicas e diferenciadas para os povos originários. A construção de um futuro com floresta em vez de fumaça, com igualdade em vez de racismo e com o povo brasileiro no poder em vez do capitalismo, passa por essa luta.

[1] Abya Yala (“Terra plena”, na língua kuna), é a forma como alguns povos indígenas se referem às Américas.

*Matheus Median é da União da Juventude Rebelião (UJR)