O acordo pode ser considerado uma importante vitória da causa palestina. O governo do ditador Benjamin Netanyahu, por sua vez, sai sem garantir nada do que queria. A resistência palestina continua a existir e, mesmo com o genocídio, o povo palestino continua a sobreviver em Gaza.
Felipe Annunziata | Redação
No dia 19 de janeiro, iniciou-se o cessar-fogo na Faixa de Gaza, após quase 500 dias de genocídio televisionado. Entre os primeiros palestinos a ganharem a liberdade das prisões de Israel, como parte do acordo válido por seis semanas entre o grupo Hamas e o Estado de Israel, 70 mulheres e 20 adolescentes (meninas e meninos de 15 anos presos em ataques soldados sionistas a cidades palestinas na Cisjordânia). “Prisão significa escuridão. Você não vê ninguém. É apenas um túmulo”, disse a jovem palestina Rose Khwais, de apenas 16 anos, libertada do cativeiro.
Com a saída dos reféns palestinos dos presídios, voltam a se multiplicar os relatos de torturas, maus-tratos e violações de direitos por parte do Estado de Israel. Mulheres, homens e adolescentes foram submetidos a espancamentos, estupros, privação de sono e de comida, entre outros tipos de tortura.
Uma das principais lideranças populares soltas é Khalida Jarrar, dirigente da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), organização de esquerda que faz o enfrentamento ao colonialismo de Israel desde a década de 1960.
Na segunda troca de prisioneiros, ocorrida no dia 25 de janeiro, mais 200 palestinos conseguiram a liberdade. Entre eles, Mohammed al-Tous, de 67 anos, refém de Israel desde 1985. Era o palestino mantido preso por mais tempo em Israel. Os palestinos libertados foram recebidos por uma multidão alegre em Ramallah, maior cidade palestina da Cisjordânia.
A libertação de militantes e jovens mantidos em cativeiro por Israel foi, sem dúvida, a maior conquista do cessar-fogo em Gaza. O acordo também prevê a saída gradual das tropas de Israel do enclave palestino e a garantia de que colonos israelenses não ocuparão o território.
Em Gaza, além dos escombros criados por Israel com a destruição de 90% da infraestrutura, dos cerca de 60 mil mortos e dos 2 milhões de deslocados, ficaram também a força e a resistência do conjunto do povo palestino.
Um povo formado por homens, mulheres e crianças que não abriram mão em nenhum momento da sua terra natal para a ocupação de uma potência colonial estrangeira. A essa resistência os palestinos chamam de Sumud, palavra árabe que pode ser traduzida como “resiliência”. Este princípio guia a luta palestina desde a primeira limpeza étnica realizada por Israel em 1948.
Agora, a primeira luta da população de Gaza é para começar a reconstruir suas vidas, como tantas vezes o fizeram nos últimos 77 anos. O povo do enclave também se prepara para iniciar a busca pelos corpos de entes queridos desaparecidos em meio aos bombardeios. No fim do ano passado, a estimativa da ONU era de que pelo menos 10 mil corpos de palestinos estejam soterrados.
É o caso de Inshirah Darabeh, de 55 anos, que tenta voltar para sua casa na Cidade de Gaza para procurar o corpo de sua filha, Maram, de 36 anos, assassinada por Israel em outubro de 2023. Inshirah tenta caminhar cerca de 10 km desde onde está refugiada até sua antiga casa, destruída por Israel. “Não estou voltando para procurar minha casa, o que eu só quero é colocar minha filha num túmulo e colocar seu nome numa lápide”, afirmou a palestina a rede al-Jazeera.
Olfat Abdrabboh, de 25 anos, tenta também achar o túmulo de seu filho de 4 anos assassinado pelo Exército israelense. A mãe palestina quer agora reconstruir sua vida com seus outros dois filhos. Ela também tenta reencontrar seu marido, da qual foi obrigada a estar separada desde o início do genocídio. À rede al-Jazeera, ela disse que “tudo que eu quero é colocar minha tenda em cima dos escombros da minha casa e reunir minha família”.
Causa palestina
Quando a resistência palestina iniciou suas ações em 7 de outubro de 2023, algumas prioridades foram estabelecidas para garantir o êxito da luta contra a ocupação sionista de Israel: a libertação do maior número possível de reféns palestinos das prisões israelenses; o impedimento de qualquer avanço de colonos de Israel na Faixa de Gaza; a colocação da luta pela libertação da Palestina como uma das prioridades na luta anti-imperialista mundial; e o impedimento da aproximação diplomática de Israel com os países árabes.
Ao contrário dos palestinos, Israel estabeleceu como objetivo principal a destruição completa das organizações da resistência armada da Palestina e a expulsão completa da população da Faixa de Gaza, seja por meio do genocídio ou do deslocamento forçado.
Lembrar desses objetivos é importante para entendermos o caráter vitorioso para os palestinos do acordo estabelecido no momento: 16 meses depois do início dos ataques de Israel, os palestinos garantiram a libertação de quase 2 mil reféns e prisioneiros políticos e a retirada gradual das tropas sionistas de Gaza.
Ao mesmo tempo, a atuação palestina impediu a aproximação de Israel com outros países árabes, que estão sendo forçados pelos trabalhadores de seus países a não celebrarem acordos com o Estado sionista. Foi o caso da Arábia Saudita, governado por uma monarquia absolutista, estava para fechar um acordo com Israel quando se iniciou o conflito e o genocídio em Gaza.
Portanto, o acordo pode ser considerado uma importante vitória da causa palestina. O governo do ditador Benjamin Netanyahu, por sua vez, sai sem garantir nada do que queria. A resistência palestina continua a existir e, mesmo com o genocídio, o povo palestino continua a sobreviver em Gaza.
Luta não acabou
Esta situação também mostra que o cessar-fogo tem um caráter temporário e, portanto, a luta pela libertação da Palestina não acabou. Desde o início da sua implementação, Netanyahu tem dado demonstrações de que pretende romper o acordo em março, após o fim da primeira fase.
Por sua vez, o presidente fascista dos EUA, Donald Trump, tem se colocado a favor de uma guerra após a consolidação do seu novo governo na principal potência imperialista do mundo. Para Trump, assim como era para o antigo presidente Joe Biden, o conflito em Gaza é bom para os lucros bilionários da indústria armamentista dos EUA e a ocupação da Palestina pode garantir aos estadunidenses acesso mais fácil ao petróleo e gás do Oriente Médio.
Portanto, é urgente também a luta por justiça. “Os criminosos de guerra nazistas, após a Segunda Guerra Mundial, não deixaram de ser buscados. Pelo contrário, após a guerra, houve o Tribunal de Nuremberg. Por isso, a Corte Internacional deve continuar apurando a responsabilidade de Israel, dos Estados Unidos e de outros atores internacionais neste genocídio”, defende Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal).
E ele aponta ainda outros objetivos estratégicos: “Para o reconhecimento do Estado palestino, os Estados Unidos devem levantar seu veto na ONU; Israel deve retirar suas forças armadas e colonos de todos os territórios palestinos ocupados, incluindo a Cisjordânia; Gaza deve ser reconstruída às custas daqueles que provocaram sua destruição; e os mais de 18 mil detidos palestinos por Israel devem ser libertados”.
Cabe ainda destacar que, enquanto o acordo de cessar-fogo vale para a Faixa de Gaza, o Estado genocida de Israel segue assassinando na Cisjordânia. No dia 26 de janeiro, a menina Layla Khateeb, de apenas 2 anos, foi executada com um tiro na cabeça no campo de refugiados de Jenin. Segundo sua família, eles preparavam o jantar dentro da tenda quando perceberam os feixes de luz da mira a laser dos atiradores israelenses e, na sequência, vieram os disparos.
Por tudo isso, é fundamental nesse próximo período garantir a mobilização permanente dos povos do mundo em defesa da libertação palestina. Apesar de vitorioso, não se pode confiar no acordo fechado com Israel e os EUA. Para os senhores da guerra do imperialismo, qualquer oportunidade para retomar o genocídio será aproveitada.
É preciso que, no curto prazo, lutemos pela permanência do acordo de cessar-fogo para dar ao povo de Gaza tempo para reconstruir sua vida e à resistência palestina espaço para reorganizar suas forças. Tudo isso, para que, no futuro, a luta pela libertação completa da Palestina possa alcançar uma vitória definitiva.
Matéria publicada na edição n° 306 do Jornal A Verdade.