Em roda de conversa, moradores demonstram estar atentos às posições conservadoras do prefeito Taka Yamauchi (MDB). A população defende a melhoria das condições do Ambulatório Trans de Diadema, que precisa de mais servidores
Bento Xavier | Diadema (SP)
No dia 4 de fevereiro, a roda de conversa “Vozes trans – Reconhecimento, empregabilidade, esporte e cultura trans e travesti” foi promovida pela Coordenadoria de Políticas de Cidadania e Diversidade da Prefeitura de Diadema, para apresentar os novos membros de sua equipe.
Os representantes da prefeitura afirmaram a disposição da gestão em ouvir as demandas e manter o espaço aberto da Coordenadoria, garantindo o interesse do prefeito na inclusão. No entanto, o atual prefeito de Diadema, Taka Yamauchi (MDB), venceu as últimas eleições com forte discurso conservador. Por isso, o discurso de estabilidade e promessas feito pela gestão no evento não convenceu os presentes.
Quando o microfone foi aberto à plateia após as falas dos convidados da roda de conversa, a população pôde expressar sua indignação e o desejo de melhorias na política municipal. Uma das principais demandas é a valorização do Ambulatório de Saúde Integral da População de Travestis e Transexuais do ABC, também conhecido como Ambulatório Trans, um espaço do SUS que oferece atendimento à população T da região.
“Desde a fundação do Ambulatório, só há um médico, um psicólogo e um assistente social, e ainda hoje não tem urologista nem ginecologista. Não basta só fazer o espaço, precisa crescer o número de funcionários. Hoje, o retorno demora 6 meses, isso tem que mudar urgentemente”, denunciou Diana, moradora de Diadema.
A crítica vem junto do reconhecimento do importante papel dessa política, já que “o Ambulatório foi um exemplo muito importante para outras cidades do estado de São Paulo”, continuou Diana. Destacando a importância desse espaço no sistema público de saúde, ela relatou: “Hoje, eu tenho convênio médico particular mas não uso, porque o médico olha na minha cara e diz: ‘eu não entendo de corpos trans'”.
Em outras intervenções, mais demandas ao poder público foram apresentadas. Uma fala apontou que, mais que apenas denunciar e punir servidores envolvidos em casos de LGBTfobia, é papel da prefeitura se responsabilizar pela preparação de seus profissionais, evitando esses episódios. Além disso, os presentes falaram da necessidade de expandir as políticas públicas voltadas à população trans para além da Saúde e dos espaços de Esporte e Cultura, contemplando também a formação profissional e a oferta de empregos.
Antes, durante a roda de conversa, convidados como Júnior Lima (fundador do Spartanos FC, primeiro time de futsal de homens trans do ABC Paulista), WinniT MC (rapper trans e morador da cidade) e Iza Potter (militante dos direitos LGBT+) fizeram falas destacando a importância da ocupação dos espaços políticas pelas pessoas trans e da realização do 1º Censo LGBT do ABC Paulista, que deverá ocorrer no próximo período.
A importância do Ambulatório Trans
Palco de diversas lutas sociais durante o período da industrialização e da ditadura militar, a cidade de Diadema vinha avançando na implementação de direitos à população trans, que participou ativamente dessas mobilizações.
No último período, foram realizados mutirões de retificação de documentos, a instalação de quadros que indicavam a obrigatoriedade do respeito ao nome social nos comércios e, principalmente, a instalação do primeiro ambulatório trans do ABC Paulista.
O ambulatório oferece serviços especializados para as travestis e transexuais. Disponibiliza cuidado médico ambulatorial, pré e pós-operatório, tratamento hormonal e acolhimento em enfermagem, psicologia, psiquiatria e serviço social. Em determinados momentos, o ambulatório também encaminha os usuários para a Atenção Básica, para que possam depois ser atendidos por determinadas especialidades. Seu trabalho funciona em conjunto com toda a rede da saúde pública, e o serviço funciona por livre demanda, sem barreiras e sem necessidade de encaminhamento.
Apesar disso, a eleição de Taka Yamauchi, que durante o período eleitoral acusou o prefeito anterior de “promover a ideologia de gênero”, levanta o alerta de que essas políticas podem estar em risco. Ele é um aliado próximo da deputada federal Carla Zambelli (PL), e sua vice Andreia Fontes (PL) é do mesmo partido do fascista Jair Bolsonaro.
Taka nem mesmo compareceu à roda de conversa chamada pela Prefeitura, como apontou Valentina, também moradora de Diadema: “O evento foi chamado há duas semanas, o prefeito não apareceu, a vice ficou dois minutos e não ouviu nada. Achei uma falta de respeito com a gente, saí da minha casa em um dia de chuva para ter um diálogo e eles não aparecem.”
Nenhum direito a menos
No último período, a população trans tem sido um dos principais alvos dos ataques da extrema-direita, que utiliza os espaços políticos e as redes digitais para questionar a humanidade e o direito à vida digna das pessoas trans e desviar as discussões sobre os problemas reais da população. Alguns dos ataques mais recentes envolvem as tentativas de proibir o uso do nome social, o acesso a banheiros públicos e a participação em esportes profissionais.
Apesar disso, como apontou Maiky Carneiro, médico e trabalhador do Ambulatório Trans de Diadema, a exclusão dessa população não é um problema recente, e remete à própria estrutura do sistema capitalista.
“A gente tá falando de uma população que teve seus direitos excluídos por muitos anos. Isso faz parte de um projeto, que surge da colonização, do patriarcado e do capitalismo, que resultou na exclusão de corpos divergentes. Isso impactou na saúde, por ignorar a especificidade da população, que hoje é alvo da violência e da mortalidade porque isso não foi pensado no projeto de saúde. Quando vem a reforma sanitária, após a ditadura militar, a população trans não fez parte de nenhum dos projetos. Os corpos trans existem há muitos anos, o que precisa ser reconstruída é a maneira que a gente lida com essa relação”, explicou Maiky.
Por isso, foi frisado por vários dos presentes que é preciso responder aos ataques ampliando a resistência da população trans e também a luta por mais políticas de cidadania. A necessidade de garantir programas de empregabilidade e o combate ao preconceito nos espaços educacionais foram apontados como importantes eixos dessa luta, sendo a violência um dos fatores para a baixa escolaridade da população trans.
A comunidade LGBTIA+ tem uma longa história de luta e resistência organizada e coletiva que não começa apenas com os direitos institucionalizados. Aqueles que foram à roda de conversa em Diadema demonstraram que, apesar da eleição de um prefeito conservador como Taka Yamauchi, seguem dispostos a defender seus direitos e lutar por muito mais, como na pauta da valorização do Ambulatório Trans.
Dando continuidade ao calendário de lutas, a II Marcha Transmasculina de São Paulo foi convocada para o próximo dia 30 de março. A manifestação será um importante momento para fortalecer a comunidade trans e a classe trabalhadora contra os políticos fascistas da burguesia e em seu interesse comum de defesa do serviço público, garantia de pleno emprego e vida digna.