Enquantos os funcionários da Silgan Dispensing em Mogi das Cruzes trabalham em uma jornada exaustiva, com retirada de benefícios em caso de doença, e convivem com variados tipos de assédio diariamente, acionistas lucraram mais de US$250 milhões em 2023. Mulheres e terceirizados são os mais afetados.
Movimento Luta de Classes SP
TRABALHADOR UNIDO – A empresa Silgan Dispensing é uma multinacional estadunidense que produz embalagens para os setores de higiene, cuidados pessoais e farmacêuticos. No Brasil, a empresa tem 3 fábricas, sendo elas em Valinhos, Jundiaí e Mogi das Cruzes, todas no estado de São Paulo.
Trabalhadores da sede de Mogi das Cruzes lutam contra as medidas impostas pelos administradores da empresa. Operárias e operários denunciam a escala 6×1 e 6×2, o desconto de cestas básicas em caso de faltas justificadas e diversas formas de assédio — principalmente contra mulheres, a imensa maioria do operariado. Além disso, há protestos por conta da ausência de benefícios mínimos aos funcionários terceirizados e de um pagamento vergonhoso no valor da PPR (Programa de Participação nos Resultados).
E apesar de ser uma multinacional milionária, os administradores da empresa não têm interesse nem em zelar pela estrutura da empresa. Nos dias de chuva é recorrente as goteiras no interior de fábrica, assim como alagamento nos corredores e parte externa.
Enquanto isso, o grupo Silgan pagou mais de US$250 milhões em 2023 (segundo o site da própria empresa) aos acionistas por meio de compra de ações e dividendos. Os donos do capital ainda anunciaram um programa plurianual para 2024 que projetou reduzir US$50 milhões em custos, valor que é “economizado” pelo aprofundamento da exploração dos trabalhadores e retirada de seus direitos.
Escalas de trabalho desumanas
No início de 2024, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas e de Material Plástico de Suzano foi à planta de Mogi das Cruzes para realizar o acordo de turnos, visando manter, sem luta, a escala 6×1. Mas a votação foi marcada por agitações dos operários. Naquele momento, mais de 70% recusaram a manutenção da jornada vigente.
Devido ao movimento e a força dos trabalhadores, o sindicato e a empresa foram forçados a formar uma comissão para debater um novo formato de jornada de trabalho. Essa comissão foi composta pela diretoria, departamento jurídico da empresa, RH, membros do sindicato e apenas 6 operários.
Os trabalhadores apresentaram a escala de trabalho 5×2 (5 dias trabalhados e duas folgas na semana), mantendo os horários de entrada e saída, mas a diretoria negou e o sindicato mostrou-se desinteressado em defender a solicitação dos operários.
Após a diretoria recusar a proposta dos operários, os defensores da burguesia criaram um modelo de jornada pior que o atual, pois alteraram os horários de entrada e saída e não resolveram a questão central: o fim da escala 6×1 e a implantação da escala 5×2, mantendo os horários de entrada e saída.
Além de apresentarem condições piores, a diretoria impôs que só haveria mudança de escala caso 80% dos trabalhadores (ou mais) a aceitassem. Na prática eles fizeram um trâmite para não haver mudança.
O argumento da diretoria para seguir com 6 dias trabalhados por semana é que a empresa não tem verba para arcar com a diminuição da jornada de trabalho sem alteração salarial. Mas façamos umas contas usando a realidade diária dos funcionários.
Um exemplo prático está em todos os feriados que os funcionários devem ir trabalhar e recebem um valor de 110% de hora extra. Isso revela que há lucro para empresa, mesmo que ela pague o dobro do salário. É tão vantajoso para a Silgan pagar o dobro do salário, que nos dias que antecedem os feriados é comum ver a gestão pressionando, principalmente os terceirizados, a irem trabalhar nessa data “facultativa”.
Os operários denunciam que, se pagar o dobro fosse desvantagem para o bolso da empresa, não existiria essa pressão. Se há pressão psicológica e coação, é porque a Silgan paga o dobro do salário quando é feriado e ainda assim tem lucro.
Detalhando essa questão, pode-se observar duas coisas:
1) O salário mensal dos funcionários poderia dobrar, pois ainda assim haveria um lucro interessante para a empresa;
2) Seria possível reduzir a jornada de trabalho pela metade (3 dias trabalhados), e o lucro da empresa, na prática, seria igual ao de um feriado.
Se a empresa lucra ao pagar 110% nos feriados, a conta também serve para reduzir a jornada de trabalho. Se os trabalhadores fossem para a fábrica apenas 3 dias na semana, a empresa teria o mesmo lucro (no mês) que tem em um feriado. Mas esse dinheiro não é pago, ele vira capital para um pequeno grupo de milionários.
Recentemente um projeto de lei inspirado no abaixo-assinado do VAT (Movimento Vida Além do Trabalho) foi protocolado pela Deputada Federal Erika Hilton (PSOL-SP) e está em andamento na Câmara dos Deputados. O Brasil conta com diversos trabalhadores que estão insatisfeitos com essa jornada e cada vez mais se mobilizam para derrubá-la.
Recentemente ainda a Silgan Dispensing de Mogi das Cruzes ampliou a aplicação da escala 6×2. Nesse formato os fins de semana de descanso acontecem com um intervalo médio de 2 meses. Este arranjo também é rejeitado por grande parte dos colaboradores, pois os afasta de suas famílias.
Os operários entendem que a escala 6×1 e 6×2 deve ser suprimida, sem alteração salarial e com diminuição da jornada semanal e com pagamento de horas extras se for necessário trabalhar aos finais de semana.
Cesta básica para todos
Atualmente, o valor médio da cesta básica no estado de São Paulo é de R$808,38 (Fonte: O Globo), cerca de 38% do salário de um ajudante de produção da multinacional. Esse dado corrobora o cenário de carestia dos alimentos no Brasil: 64,2 milhões de pessoas são afetadas pela fome, totalizando 27,6% da população segundo dados do Pnad Contínua, da agência IBGE.
Ao mesmo tempo que a fome é iminente, a Silgan disponibiliza unicamente para seus trabalhadores primários (aqueles que tem contrato direto com a empresa, excluindo os terceirizados) uma cesta básica, desde que não tenham faltas no mês.
No auge da pandemia de Covid-19, os funcionários infectados pelo vírus e que entregavam atestado tinham acesso à cesta, uma medida mínima, afinal o trabalho presencial não foi cessado e os trabalhadores estavam expostos à doença.
Enquanto alguns funcionários morriam, o grupo “Silgan Holdings registrou um crescimento recorde no ano de 2021, com uma receita líquida de US$359 milhões e US$308,7 milhões em 2020”, segundo o presidente da empresa na época, Adam Grenlee.
Já no começo de 2024, vivemos uma situação parecida no município de Mogi das Cruzes e várias cidades do Alto Tietê, decretando estado de emergência por conta do surto de dengue, onde diversos funcionários foram diagnosticados com a doença e tiveram o acesso a cesta básica negado.
Quando se fica doente, se gasta mais. E no mesmo instante que o funcionário tenta recuperar sua saúde e se estabilizar financeiramente após gastar com remédios, tem a cesta básica cortada.
E pior, os trabalhadores terceirizados não têm acesso às cestas. Mesmo trabalhando todos os dias!
Os operários denunciam e exigem a disponibilização de cesta básica para todos os funcionários, incluindo os terceirizados, mediante a 100% de presença no mês ou mesmo que justifiquem suas faltas com atestado.
Mulheres exigem o fim dos assédios
O quadro de funcionários da Silgan Mogi das Cruzes, que conta com cerca de 500 funcionários, é composto majoritariamente por mulheres. Enquanto isso os cargos de liderança — principalmente na produção, onde fica a maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras — são tomados por homens. O machismo na estrutura da empresa ultrapassa os limites da hierarquia e se materializa no dia a dia da fábrica, culminando em variadas formas de assédio.
A violência psicológica é recorrente na empresa e se apresenta de diversas maneiras. Uma delas é a perseguição, que acontece quando os gestores abusam do poder de alterar os horários de refeição. Também fazem isso quando, de propósito, colocam funcionárias e funcionários para cuidarem de diversas máquinas. Não existe posto de trabalho fixo, a atuação varia entre o maquinário do setor. Algumas gestões aproveitam dessa forma de organização para perseguir trabalhadoras e trabalhadores.
Além dessa questão, xingamentos e ameaças de troca de horário são comuns no cotidiano da fábrica. A violência moral é presente ainda na forma de injúria e difamação. Os assédios praticados são incontáveis, essa conduta atinge dezenas de operárias diariamente.
As trabalhadoras relatam que sofrem importunação, algumas vezes em forma de comentários sobre a roupa que usam no caminho de casa para o trabalho. Também se apresenta em grupos de homens que partilham entre si prints de fotos pessoais de colegas de fábrica. Há relatos de homens que perseguem as trabalhadoras com mensagens e comentários invasivos em redes sociais.
Há denúncia de uma violência sexual que aconteceu no interior da fábrica. A vítima foi orientada a não tomar nenhuma ação policial e encorajada a “abafar o caso”, sendo obrigada a conviver diariamente com o abusador.
Sabendo disso, o Movimento de Mulheres Olga Benário realizou, no fim de março de 2025, uma grande ação orientando as mulheres da fábrica sobre as formas de assédio e como combatê-las. Os panfletos foram amplamente divulgados entre as próprias operárias, culminando em novas denúncias de casos de assédio sexual.
Além da luta contra uma escala desumana, as mulheres ainda enfrentam essas violências no ambiente de trabalho.
Pelo direito a uma PPR justa
Apesar do lucro milionário da empresa em 2023, no ano passado foi pago um valor baixíssimo de PPR para os funcionários. Em Tubos (um dos setores da empresa), apenas R$2297,50. Em CRP (outro setor) míseros R$1343,70.
Enquanto isso, em 2025 foi pago em média menos de um salário-mínimo por funcionário primário (mais uma vez excluindo os terceirizados e aprendizes).
Existe uma comissão na empresa para discutir os resultados do ano, mas esse órgão teve diversas reuniões adiadas, deixando os funcionários no escuro. O que está claro, no entanto, é que o valor de PPR poderia ser muito superior, tendo em vista que a empresa superou 100% da meta financeira em 2024. A diretoria cria mecanismos para impedir que os funcionários tenham acesso ao lucro gerado pelo próprio trabalho!
Quem luta conquista
A exploração atinge diversos setores da empresa: ajudantes de produção, operadores, trocadores de molde, trabalhadores da qualidade e do almoxarifado. Líderes das áreas, eletricistas, mecânicos de manutenção, ferramenteiros, T.I, RH, administração, EHS e aprendizes. Funcionários novos e os que já dedicaram décadas de suas vidas à empresa.
Todos são impactados e sofrem na pele as contradições de classe, os assédios, o baixo salário e o medo de perder a cesta básica, isso é, quem ainda tem algum acesso a ela. Além disso, os terceirizados, as mulheres e os que trabalham em turnos vivem essas contradições mais escancaradas.
Os trabalhadores são a maioria e os responsáveis por toda riqueza produzida na fábrica, mas só podem exercer seu poder se organizadas coletivamente. Quando centralizados em um movimento coeso, historicamente os trabalhadores avançaram em seus direitos, é dessa forma que a luta por direitos básicos como descanso adequado, acesso a alimentação e um valor justo de PPR vai avançar!
Operários da Silgan Dispensing de Mogi das Cruzes, se organizem no Movimento Luta de Classes!
A luta é pelo direito ao descanso! Pelo fim da escala 6×1 e 6×2! Por acesso a alimentação! Fim dos assédios e por uma PPR justa!